quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Esperando a paz (ou: Soneto da reforma em casa)

Como se fosse o fim da grande guerra,
Da segunda, ou da guerra das Malvinas,
O chão da minha casa, um chão de minas,
Explode, vira nada e me desterra.

E a espera que me resta em mim se aferra,
Primeira guerra, ausência das salinas,
Praia de pó sem águas cristalinas,
Camboja, Vietnã, ferrão na Terra.

E enquanto tudo explode na Coréia,
Do meio das ruínas vem a idéia
De ser um guerrilheiro lá no Laos

Porque neste janeiro das não férias
Não agüento as reformas e as misérias
E os laços que me apertam neste caos.

I.R.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

O pensador

Pra pensar não preciso dizer: penso.
Me basta não ter dó de me entregar,
E ter a mente em ré deste tocar,
Sentindo em mi uma dança, um toque intenso.

Candombe que me fá como um incenso,
Que traz um forte sol pro meu pensar,
Me remete pra lá do imaginar,
E faz-me um si de puro contrasenso.

Pois despenso o pensar, suas armadilhas,
Pra ver-me caminhar por outras trilhas,
E ser um pensador sem pensamento.

Querendo ser a música da dança,
E o baile de um pouquinho de esperança,
E a dor que pensa sempre sem tormento.

I.R.

PS: Candombe não é candomblé. A semelhança entre os dois são os tambores e a África.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Carta para o Decassílabo

Buenos Aires, 25 de janeiro de 2008

Prezado Decassílabo,

Antes de prosseguir, preciso apresentá-lo para os que me lêem e não sabem quem você é.

O Decassílabo é um tipo de verso, com 10 sílabas poéticas. As silabas poéticas não correspondem exatamente à soma da quantidade de sílabas das palavras de um verso, já que uma série de “fenômenos” deve ser levada em consideração. Dois exemplos de decassílabos são:

“Mas que seja infinito enquanto dure” (que algum tarado poderia dizer: “que seja infinito enquanto duro”), do poetinha, Vinícius de Moraes.

Ou: “Amor é fogo que arde sem se ver”, do poeta português, Luís Vaz de Camões, tão bem cantado pelo grupo Legião Urbana, que na letra da música Monte Castelo também acrescentou versículos da carta de São Paulo aos Coríntios.

(Falando em São Paulo, hoje é aniversário da cidade. Falando em Corinthians... Quê? A carta aos coríntios não tem nada a ver com o Corinthians? Ok, disfarça. E de futebol eu não estou podendo falar muito.)

Prezado Decassílabo,

Recomeço esta carta ou este bilhete, devido a seu tamanho, porque minha cabeça de futuro pai pela primeira vez estava indo para e por outros caminhos.

Sei que sendo uma forma fixa, escrevê-lo é uma tarefa que requer um pouco de paciência, e altas doses de treino. Muitas vezes me perguntei se ser um decassilabodependente faria mal. E, pra dizer a verdade, não cheguei a uma resposta. No decassílabo é onde eu me sinto mais livre. Na forma fixa, rígida e antiga, é onde eu vejo a possibilidade de expressar idéias atuais, atemporais, e delírios. Isso não significa que eu não o traia de vez em quando, mas você sabe disso.

Tentaram matar você, Decassílabo. Tentaram eliminá-lo. Tentaram fazer de você uma peça dos museus de livros, as bibliotecas. Mas não conseguiram. (Se bem que alguns poetas andam te matando em alguns muitos poemas de pé quebrado.)

Sr. Decassílabo, muito obrigado por abrir as portas do seu formato para mim. Espero que mantenhamos nosso convívio por muitos anos.

Sinceramente,

I.R.

PS: “Onde queres o livre, decassílabo”.



Soneto do choro inútil

Quando a lágrima insiste em me buscar,
Quando insiste em fazer da minha vida
Sua morada, encontrando uma guarida,
A faço namorada a me molhar.

Quando a lágrima insiste em me encharcar,
Em me açoitar, abrindo uma ferida,
Abre em mim uma dor, que traduzida,
Não sabe nem ao menos se explicar.

E eu sofro sem buscar um ir à forra
Das costas o meu sangue forte jorra
Mas não quero lembrar o que ocorreu

Apenas enxugar este meu rosto
Eu quero, me esquecendo do desgosto
De crer em quem jamais me conheceu.

I.R.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Salvadorácea

Salvem o Salvador (salve-o daqui),
Soteropolitano salvamento,

Salvem a dor de cada vão momento,

Salve o odor, o cheiro do aleli!

Salguem as dores vãs do bem-te-vi,
Sal grosso, serrador, encantamento,
Salivem a beleza como ungüento,
Salvem o Salvador, pintor Dali!

Pintemos as paredes: tinta acrílica,
Renovemos o sangue da hemofílica,
Salvemos o silêncio do irreal,

Pintemos nossas portas e janelas:
Vermelhas, cor de abóbora, amarelas,
Sonhemos nosso quadro surreal.

I.R.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Carta para um preconceituoso

Buenos Aires, 22 de janeiro de 2008

Sr. Preconceituoso,

Há coisas que não entendo nessa sua postura discriminatória. Um ser humano é sempre um ser humano.

Por que um homem é mais do que uma mulher? Por que existem trabalhos de homem e trabalhos de mulher, e aos primeiros lhes pagam mais quando fazem um mesmo trabalho?

Por que um negro é inferior a um branco? Por que o branco tem maior acesso à educação, ao trabalho, ao respeito, e ao negro lhe espera sempre o papel de empregada doméstica nas novelas da Globo?

Por que um hétero é mais normal do que um homossexual? Desde quando a normalidade do ser humano é definida pelo que (ou como) fazem com seus orifícios? Quem determinou que o amor é exclusivo da heterossexualidade?

Por que um cristão é melhor do que um muçulmano? Quem decretou que Deus, Javé, Jeová é mais poderoso que Alá. Quem tem a autoridade para condenar os umbandistas ao fogo eterno e mandar os evangélicos para o paraíso? Quem determina que a Bíblia é mais sagrada que a Bhagavad Gita ou o Corão?

O mundo não pertence com exclusividade aos homens brancos, cristãos e heterossexuais. O mundo é plural, e o ser humano precisa aprender a viver em meio às diferenças. Ninguém é melhor do que ninguém, como se a vida fosse um jogo de cartas Supertrunfo.

Há atitudes boas e ruins nas pessoas, e isso não depende da cor da pele, da crença, de ter ou não alguma deficiência física ou mental, do sexo e da opção sexual. Isso depende de cada ser humano, da educação que teve, da maneira como encara a vida.

Em nome da superioridade muita coisa ruim já foi e é cometida. Em nome da superioridade, o Brasil nasceu à custa do trabalho escravo, Hitler assassinou 6 milhões de judeus, que, por sua vez, impedem a existência de um Estado Palestino. Em nome da superioridade, os cristãos foram perseguidos, e um dia passaram a ser perseguidores. Em nome dessa mesma superioridade, um milhão e meio de armênios morreram nas mãos dos turco-otomanos, no primeiro genocídio do século passado. Em nome da superioridade, gays, lésbicas, imigrantes, migrantes, favelados, povo de santo, ciganos, minorias dos mais variados tipos, sofrem pelas ruas, guetos e acampamentos de refugiados do mundo.

Até quando?

Atenciosamente,

I.R.

Silencio

O mundo é fabricado com ruído
Ouvimos e falamos como um vício
E as máquinas aumentam o suplício
Neste mundo, por nós, (des)construído

O silêncio - por nunca tê-lo tido -
É a meta que se quer com sacrifício
E buscá-lo se torna o nosso ofício
Neste mundo perverso e pervertido

Este mundo sonoro e barulhento
Perdeu a alegria do Momento,
O Instante em que o vazio nos faz sábios

E sinto que o Segundo me devora
É um silêncio que brota em mim agora
O silêncio que nasce nos meus lábios

I.R.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Profissão de fé

Na busca da alegria: o bom humor,
Fazendo trabalhar sempre o sorriso,
Tento ser um palhaço com juízo,
No meu palco de giz e apagador.

Tentando uma alegria recompor
Num mundo quase chato, este onde piso,
Fazer graça é um pouco paraíso,
É ser também, na busca, um pouco ator.

As pessoas sorrindo eu quero ver,
Arrancar-lhes o riso dá prazer,
E é por isso que agora sou bufão:

Pois creio que a alegria é o que existe;
Pois acho que a tristeza é muito triste;
A tristeza aposenta o coração.

I.R.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Carta para Santa Cecília

Buenos Aires, 20 de janeiro de 2008

Prezada Santa Cecília,

O que seríamos de nós sem a música? Mas não sei se posso falar por toda a humanidade... Bem, o que seria de mim sem a música? Obrigado por cuidar dela há tantos séculos.

Sabe, este blog não é autobiográfico, muito menos de reminiscências, mas é inevitável não me lembrar daquelas tardes quando eu era criança, e depois adolescente, quando passava horas ouvindo música. Doses cavalares de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Moraes Moreira, Clara Nunes, Fágner, um grupo de música latino-americana chamado Tarancón, Mercedes Sosa, Milton Nascimento, um LP chamado Hare Krishna Festival, produzido por George Harrison, Gonzaguinha, Beth Carvalho, e tantos outros e outras. Ah, tive uma fase Mozart, Beethoven, Vivaldi, etc, também.

E o rock? O rock chegou mais tarde, apesar do vinil dos Beatles na prateleira de casa quando eu era pequeno. Mas um dia chegou o momento do Legião Urbana, do Cazuza, do Barão Vermelho, do Titãs, do The Cult e da Afrociberdelia de Chico Science e da Nação Zumbi. Mas confesso que escutei pouco do chamado rock internacional, apesar do Rock in Rio 3, e da presença na Praia de Copacabana no show dos Rolling Stones.

Sabe, Santa Cecília, acho que hoje, mais do que nunca, qualquer um grava um CD. Sei que não sou dono da verdade para dizer o que é bom e o que é ruim. Existem milhares de críticos de plantão prontos para apontar o que é chique, ou cult, e o que é brega, e eu não sou nem quero ser um deles. Acho que qualquer um tem o direito de ouvir o que melhor lhe chega aos ouvidos e ao coração. Mas, sinceramente, tem um monte de música por aí da qual eu não gosto. O mercado está cheio de música comercial. Já sei, se está no mercado é pra vender. O problema é que massificam certas coisas que... bem, sei lá. Não quero me contradizer ao ponto de dizer coisas desagradáveis sobre o trabalho de algumas pessoas. Não quero comparar Zezé di Camargo e Luciano à Maria Bethânia cantando a música “É o amor”. Esse é um trabalho que compete a cada um... se quiser.

Eu, mais do que ninguém devo calar a boca, afinal, também gosto de Sidney Magal, Odair José, e tantos outros cantores presentes em qualquer lista de música cafona, salvo o cacófato.

Música é música. Não é nem boa nem ruim. Toda classificação nesse sentido é parte de um projeto da elite, econômica ou cultural, para continuar submetendo a maior parte da população, rotulando-a com o selo do “mau gosto”.

Música é música, minha santa. E por isso, resolvi fazer uma coisa neste blog. Como eu escuto muita e variada música, quero compartilhar um pouco disso com meus leitores. (Terei algum além dos meus pais, da minha tia e alguns alunos?)

A música e a poesia caminham de mãos dadas. É o ritmo, Santa Cecília. Ambas precisam de ritmo. E ambas nos levam a outros mundos, ambas projetam mundos no mundo. E sonhos, e delírios, e prazer, e podem nos arrancar tanto uma lágrima quanto um sorriso.

Bem, minha santa. Vou ficando por aqui, mas quero compartilhar com você, e com todos, essa pequena lembrança de Pio Leiva e Ibrahim Ferrer. Dois cubanos que fazem muita falta nos palcos do mundo.

Um abraço em clave de sol... (ou de fá, por que não?),

I.R.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Amor de Buenos Aires

Buenos Aires de largas avenidas
Monumentos e bairros escondidos,
Gostaria de ser dos esquecidos
Por ti, minha cidade sem saídas

Buenos Aires do tango, das bebidas
E das vilas miséria (os excluídos)
Gostaria de estar entre os fugidos,
Exilados após várias partidas.

Só quero te sentir ciudad portenha.
Então ouça meu grito e apenas venha...
Pergunta o que quiseres sem demoras.

Pergunta o que quiseres, prata esfinge,
Pois a minha resposta é o que me atinge;
Já sei que te descifro ou me devoras.

I.R.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

E-mail para um Deus Tecnológico

Buenos Aires, 17 de janeiro de 2008

Prezado Deus Tecnológico,

Venho por meio desta (existe algo pior para começar uma carta formal?), agradecer a existência do computador e da internet.

Toda vez que eu me lembro de quando era pequeno e que para fazer algum trabalho escolar era preciso consultar na Barsa, eu ergo as mãos em direção ao logo da Intel ou da HP e agradeço. A biblioteca ficava na rua do estádio, e me lembro de estar lá enquanto cursava a terceira ou a quarta série. Na quinta série, eu tinha que ir à escola para fazer trabalhos, e mesmo debaixo de um forte calor, era preciso usar calça comprida para entrar. Sorte era ter um colega que morava perto de lá e que emprestava os seus jeans para que pudéssemos copiar o trabalho de algum livro.

Hoje eu não sei como são feitos os trabalhos escolares, mas as pesquisas são feitas com vários buscadores, uma boa dose de bom senso, e, no meu caso, uma banda larga de 2 gb. E eu agradeço todos os dias as facilidades de comunicação e o acesso à um monte de informação interessante e curiosidades, e possibilidades novas, como por exemplo, este blog.

Agora, Senhor Deus Tecnológico, devo admitir que as mudanças tecnológicas no mundo da música nos separaram um pouco dela. A minha relação com a música era de toque. Eu tocava a música, tocava na música, apesar de não tocar nenhum instrumento. A sensação que se tinha ao pegar um disco de vinil, era a de estar colocando a mão na música. Era como se a música estivesse ao alcance de nossos dedos, em todas aquelas ranhuras do LP. Com a chegada do CD, isso praticamente desapareceu.

E não falo como saudosista, ou como alguém contrário às modernidades. Falo como alguém que só hoje sabe que perdeu o seu contato através do tato com a música. Hoje são botões, são teclas, como se tivéssemos inventado aparelhos para fazer o nosso trabalho... do limpo ao sujo.

É, mas é assim, não, Senhor Deus Tecnológico? As coisas não são 100% boas nem 100% ruins. Nem mesmo você. E convivermos com a modernidade tendo nascido na última geração da velha era é fácil, desde que não se filosofe demais sobre todos os avanços que vemos por aí. Ou alguém vai me dizer que é normal um aparelho que tira fotos, se conecta à internet, manda recados escritos, serve para ouvir música e até se usa como telefone?

Bem, divindade tecnológica, preciso sair para encontrar um caixa eletrônico funcionando. Vou pegar meu MP4 e depois a gente se fala pelo MSN.

Com reverência,

I.R.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Riso Etílico

Quero rir, solitário nesta mesa,
Com as batatas, o hambúrguer e a cerveja,
Como um observador que a todos veja,
Que não se deixa ver com tal prestreza.

Quero rir, solitário e com destreza,
Sendo aquilo que eu quero que eu me seja,
Estando onde o sorriso quer que esteja,
E rir de mim, de todos, com certeza.

E rio do riso alcóolico da gente
Que ri tão sem motivo, tão demente,
Como eu, que já me encontro nessa rede.

E não observo e sou apenas um,
E não tenho desejos, já nenhum,
Além de ter meu riso na parede.

I.R.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Carta para um poeta

Buenos Aires, 14 de janeiro de 2008

Prezado Poeta da lista de tradutores ,

gostaria que me dissesse o que é um verdadeiro poeta. Existe um tipo de poeta que é o poeta falso, ou um falso poeta?

Estou de acordo que existem bons e maus poetas. A poesia é para todos, mas fazer poemas não. É mais ou menos parecido a poder ter acesso ao trabalho de um pedreiro, mas não poder fazê-lo; ou usar todos os aparelhos eletro-eletrônicos possíveis dentro de casa, mas não poder fazer meia instalação elétrica.

No entanto, tenho essa dúvida: o que é um verdadeiro poeta? Estamos de acordo em que apenas rimar não é garantia de fazer um poema. Mas não entendo essa idéia de procurar ter cuidado para não misturar as boas obras de um poeta com os poemas daqueles que apenas sabem rimar, todas no mesmo lixo.

Sempre achei interessante essa pretensão de alguns, e talvez seja também a sua, de considerar os poetas, desculpe, os bons poetas, como seres superiores, acima da média, superdotados. Enquanto os outros, aqueles que apenas sabem rimar, são uns pobres coitados, preparados para participar daquelas coletâneas que são feitas apenas com uma intenção comercial.

Quem define o que é verdadeiro e o que é falso em um poeta? Quem é o dono do bom gosto e determina que aquele que não segue tais cânones faz parte do mau gosto, do pretensamente poético, do brega, do cafona. Quem separa o joio do trigo e aponta e separa os poetas verdadeiros dos falsos? Aos poetas verdadeiros o paraíso e suas 72 virgens, aos poetas falsos o fogo da Geena. Numa divisão maniqueísta, onde já não importa se o poema é bom ou ruim, mas se o poeta é verdadeiro ou não. Quem é o censor, ditador, professor, etc, que determina?

Para mim, um bom poema não precisa de rima, não precisa de métrica, não precisa de forma, apesar de eu gostar de tudo isso. Um poema precisa de ritmo. O ritmo é o sangue, o coração, a alma do poema. Nem todo mundo pode fazer um poema com alma. Quem eu chamaria de mau poeta, assim como eu não posso usar uma furadeira nas paredes de casa. Mas para mim, mesmo o mau poeta é um poeta verdadeiro, pois tem alma de poeta. Ser um verdadeiro poeta não significa ser um bom escritor de poemas. Ter espírito de poeta é uma condição aberta para todos nós. Escrever um bom poema é somar a esse espírito muito esforço e algum dom natural.

Então, poeta, que eu considero verdadeiro, só me resta dizer que também não acho muito importante se preocupar com a crítica, se vão elogiar ou dizer que é fraco. Apesar de admitir que é prazeroso fazer algo que causa um bom efeito em quem lê , afinal, para isso escrevemos. E se seu trabalho vai parar no mesmo lixo que os dos maus poetas, talvez você não seja tão bom poeta assim, e seus poemas estão, com e como os meus, prontos para a incineração.

Um abraço,

I.R.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Verbo

A palavra, instrumento da paixão,
Pode ser fria, dura e calculista;
Há que ser da palavra um bom artista,
Para limpá-la da dor, da ingratidão.

A palavra, instrumento da emoção,
Pode fazer de mim instrumentista,
Mas se obrigo a palavra a que se vista,
Faço-me, na censura, o seu patrão.

A palavra, de todas ferramentas,
É causa de mais dor e de tormentas,
Causa de mais amor, querer real.

Pois fria, calculista, dor e dura,
Também é quente, amante, amor e pura,
É fruto do trabalho artesanal.

I.R.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Como um templário

Visto a minha armadura e tomo a lança,
E invisto, em meu cavalo, a dar o bote;
Delgado como o próprio Dom Quixote,
Mas lento como o mesmo Sancho Pança.

Os moinhos eu trago na lembrança,
E o Graal na garganta, preso à glote,
Pois, armado, também sou Lancelote,
Que luta, que ama e sofre e não se cansa.

E a vida é o que carrego em meu alforje,
Eu, crente como Ogum, como São Jorge,
Quero apenas viver a minha vida:

Lutando com o dragão, como um guerreiro,
Mas sendo tão somente um escudeiro
Em busca da metáfora perdida.

I.R.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Carta para o bebê

Buenos Aires, 10 de janeiro de 2008

Amado bebê,

Hoje a sua mãe e eu fomos ver como você está. Quer saber? Você está ótimo. Vimos seus bracinhos, suas perninhas, sua cabeça, seu corpinho... e vimos suas partes íntimas... e já sabemos se você é Santiago ou Carolina.

Então, bebê, a partir de agora vou chamá-lo pelo nome. Santiago. A sua mãe perguntou ao médico se ele não podia estar enganado. Sabe, filho, ele disse que com uma flecha como a que ele estava vendo na tela você não podia ser menina de jeito nenhum.

Sabe, Santiago, preciso te contar uma coisa. A sua mãe e eu conversávamos sobre ter um filho. Mas falávamos disso como uma possibilidade de algum dia. Não colocávamos uma data para que isso acontecesse.

Mas na minha vida nada foi muito planejado. E acho que na vida da sua mãe, depois que me conheceu, as coisas também não. Então, filho, num dia 20 de agosto (era feriado, o do dia 17 de agosto que passou para a primeira segunda-feira posterior), ocorreu um pequeno acidente.

Fazia pouco mais de um mês que a sua mãe não tomava Yasmin, um remédio que fazia a gente planejar o momento da sua vinda. Como ela não estava tomando o remédio, a gente estava usando outro método para planejar a sua sonhada vinda.

Só que você foi mais esperto, Santiago. Meu filho, você furou todos os esquemas, você fez a gente ver que nem tudo pode ser planejado. E isso é lindo. E nós amamos você.

Santiago, muito obrigado por não ter seguido os meus projetos e os da sua mãe. Muito obrigado por ter furado aquele Tulipán. Muitíssimo obrigado por existir.

Um beijo do seu pai,

I.R.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Carta para um escritor

Buenos Aires, 8 de janeiro de 2008

Prezado escritor,

Antes de qualquer coisa, quero compartilhar uma idéia com você. Os homens que se aproximam dos quarenta também se sentem sós. Esse mito do homem que não quer formar família, que não quer compromisso, que prefere ir de festa em festa, é apenas isso mesmo, um mito.

Os homens também sonham em formar uma família. Os homens também querem ter filhos. Os homens também querem encontrar uma companheira (ou um companheiro, por que não?).

Mas não é exatamente sobre isso o que eu gostaria de conversar com você nesta carta. Pelo menos, não hoje.

O que gostaria de te dizer é que sim, tudo está escrito. Tudo está dito. Tudo o que você quiser escrever já foi feito por outro escritor, e, provavelmente, melhor do que você e do que eu... juntos! Mas sabe de uma coisa, isso não é uma verdade absoluta.

Bem, eu não acredito em verdades absolutas. E se não acredito em verdades absolutas, acho que apesar de muita coisa ter sido escrita, muita coisa ter sido muito bem escrita, sempre há algo novo para ser dito. Sempre há um enfoque novo, pessoal, e que é diferente do que escreveu Joyce, Borges ou Machado de Assis, apenas para citar alguns nomes.

E num mundo cheio de novidades, cheio de mudanças, num mundo que segue um ritmo vertiginoso, sempre vai haver algo para ser dito. Algo novo e coisas velhas, que também precisam ser ditas novamente. E se for necessário vomitar nossas misérias, vomitemos. E se for preciso gritar a alegria e o amor, por mais que pareça brega, antiquado, façamos, e que não nos importe se alguém já falou sobre isso, ou se é algo que está carregado de novidade.

Quanto aos leitores, sempre há alguém interessado em ler. Mesmo que não seja uma novidade. Quantas pessoas já escreveram sobre o fato de escrever não precisar estar relacionado com a novidade? Acho que muitos. Mas não importa. Importa a minha visão sobre o assunto. Importa a sua visão sobre tantos outros assuntos.

Cada um de nós tem um ponto de vista. Viveríamos num mundo melhor se nos escutássemos, se nos lêssemos um pouco mais, e se pudéssemos fazer ver os nossos pontos de vista sabendo respeitar os pontos de vista de todos.

Um abraço,

I.R.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

De mãe e filho/a

É o seu corpo que muda e é o que sente,
E o que eu posso fazer é só olhar
Meus hormônios se encontram no lugar
E eu não posso sentir por mais que tente

É lindo ver você gerando gente,
Pessoa inesperada a se esperar
E os meses vão passando devagar
E não há ansiedade que se agüente

E a vida que é gerada nos transforma
Ao mesmo tempo em que ela ganha forma
(Incrível isso tudo que se vê).

E a vida que se vê nos olhos: brilho.
Te amamos, nossa filha ou nosso filho,
Te esperamos co’amor, nosso bebê.

I.R.

sábado, 5 de janeiro de 2008

Tempo em movimento

O tempo é o que queremos congelar,
Queremos ser divinos como Crono,

Um cronômetro morto no seu trono,

Um rei com sua coroa pra arear.

Parar o tempo, o tempo quer parar,
Queremos ser o Adágio deste Outono,
Um deus que se diverte com seu sono,
Numa arena onde nunca quer lutar

Mas somos como areia de ampulheta
Que sonha em ser um rabo de cometa
Vivendo um microcosmo de fachada

E não vemos o vidro da prisão
Ou que o tempo tempera em contramão
Com têmpera, sem fim e sem parada

I.R.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Carta para um ex-blogueiro

Buenos Aires, 04 de janeiro de 2008

Prezado ex-blogueiro,

Estava eu procurando alguma “informação” sobre música uruguaia, para não dizer que estava à procura de algum cd de candombe para um bom download, quando vi que você encerrava as atividades do seu blog.

O que mais me chamou a atenção não foi o fato de você desistir do blog, afinal qualquer um pode começar um blog e abandoná-lo. O que me deixou pasmo foi ver você na despedida reclamar das pessoas que acessaram (umas 50.000) o seu blog sem sequer deixar uma palavra de agradecimento pelo seu trabalho.

Sabe, em minha opinião, o que menos te importava era compartilhar suas idéias, seus conhecimentos, seu amor pela música. Você era, ou é, como a maioria. Só se importa com o reconhecimento, com os louvores e os aplausos. Só pode ser feliz se tem um séquito de puxa-sacos dizendo a você, pelo menos, um muito obrigado.

Vou te dizer uma coisa. Um “obrigado” de vez em quando é bom, claro. Também não vamos ser hipócritas. Assim como um aumento salarial também é bom, e o trabalhador também precisa desse tipo de reconhecimento para ter acesso ao básico e ao mínimo conforto nesse mundo capitalista. Mas, às vezes, amigo, em certas ocasiões, não há salário ou obrigado que tenha maior valor que o simples fato de compartilhar algo.

E podemos compartilhar tantas coisas... desde nosso tempo aos nossos conhecimentos, passando por nossos gostos, por nossa arte, por nossos sonhos, desejos, planos, projetos, vida. Compartilhar é vida. E a vida não pode depender se nos dizem obrigado ou não.

É difícil escrever sem pensar que um dia posso ser vítima de meus próprios comentários ou minhas críticas. Mas uma coisa é certa, eu escrevo sem esperar críticas ou mesmo elogios. Escrevo por necessidade. A necessidade de me expressar e, com quem me lê, a necessidade de compartilhar vida.

Espero, ex-blogueiro, que um dia você possa pensar nessas coisas. E, de repente, voltar ao blog. Sem esperar nada. Absolutamente nada. O que vem é sempre lucro.

Um abraço,

I.R.

Dionisíaca

Festejo Baco, alegre e amigo deus,
Festejo, mas quem Baco não festeja,
Feliz pelos conhaques e a cerveja,
E a amarula e os uísques todos seus.

Festejo Baco tanto quanto a Zeus,
Sua tequila onde quer que a mesma esteja,
Seus licores de amêndoa ou de cereja,
Sua vodca e seu rum que são ateus.

Salve Baco, suas festas e seu vinho!
E salve seu etílico caminho,
Uma trilha de drinques e cachaça.

Salve Dionísio, amigo, e seu jerez,
E salve seu champanhe que me fez
Querer-lhe neste estado de manguaça.

I.R.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Gênese

Eu sou deste país, eu sou daqui
Sou do Brasil, também eu sou de lá
Sou meio carioca e do Pará
Sou portenho e no Rio é que eu nasci

Sou do Arraial do Cabo, onde vivi,
Argentino me fiz assim tão já,
Sou de santo católico e orixá
Sou português e negro, sou tupi

Sou de mim e de Minas também sou
Eu pertenço ao lugar onde eu estou
Sei que pertenço a este e a qualquer lado

Pois vivo acumulando experiências
Nasço e cresço ao viver acontecências
E sou da experiência o resultado.

I.R.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Carta para a Chuva

Buenos Aires, 02 de janeiro de 2008

Prezada Chuva,

Gostaria de agradecer a sua presença em um dia tão importante quanto hoje. E você sabe que não digo isso por causa do calor de mais de 40 graus que fez hoje nesta cidade.

Você sabe, Chuva, o porquê do meu agradecimento. Há 33 anos você estava presente para me receber. E no correr de todos esses anos, poucas foram as vezes que você não me presenteou com a sua presença em um 2 de janeiro.

Hoje eu tive um dia ótimo, apesar da distância da família ascendente e dos amigos, eu estive com a minha família descendente (mulher e filho ou filha em gestação), e foi um dia muito legal. Recebi os parabéns no supermercado, na hora de pagar as compras. Recebi telefonemas, e-mails e mensagens de Messenger e de texto pelo celular. Passei o dia em casa. Tive brigadeiro, pão recheado, bolo de chocolate. Foi tudo ótimo.

O calor de mais de 40 graus me fez acreditar que eu terminaria o dia sem parte do cérebro, derretido e transformado em algo de pouca serventia. Céu azul, sol forte. A praia foi substituída por 3 banhos durante o dia, e essa parecia ser a única água que eu veria em todo o dia.

Mas não. Nesta primeira vez que passo o dia 2 de janeiro aqui, você apareceu. Veio para dizer que onde quer que eu vá você também está comigo. E se nesses 33 anos, você deixou de vir umas duas vezes, foi só para que eu sentisse a sua falta e desse valor às suas aparições no primeiro dia útil do ano.

Obrigado, Chuva, por ter vindo. Obrigado por estar aqui, neste momento. Entra. Senta. Come um pedaço de bolo comigo.

Um beijo,

I.R.

Sem Anestesia

Eu posso ver as formas do teu cheiro
E cheirar as belezas do teu gosto
Sentir o eu calor em pleno agosto
E aquecer-me em eu frio de janeiro

Posso ouvir a tua face, bem faceiro,
Ouvir e degustar este teu rosto,
(Gravando-te no poema aqui composto)
E ser teu lobo em pele de cordeiro

Sentir-te por inteiro eu quero, eu posso,
Sabendo que este mundo é todo nosso,
E te entrego os meus planos já urdidos

De não mostrar-me inteiro como sou,
E ao imprimir-me em ti eu sei que vou
Deixar gravado em mim os teus sentidos

I.R.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Confesso

Católico Apostólico Romano
Eu fui, e fui até seminarista
Fui virgem, bom aluno e fui petista
E não pensei pra mim num grande plano.

Sempre tentei ser justo, ser humano,
E poeta eu tentei, ser sonetista,
Eu que já fui católico..., hedonista,
(Católico Apostólico Romano)

Eu fui também barroco, jamais gótico,
Mas o que resta agora é um eu caótico
Nem artista, doutor, físico quântico...

E eu que fui e tentei, estou estático
Agora eu sei que sou um apostático,
Caótico Apostático Romântico.

I.R.