sexta-feira, 30 de setembro de 2011

cabeça do ano


Foto

deus não existe,
disse um garotinho, há quase 34 anos.
deus é uma palavra.

e as palavras,
por mais poder que tenham,
não são deus.

mas as palavras são parte dessa relação com o divino,
e por meio delas, ou também em sua ausência,
essa energia, que alguns chamam deus,
nos fala, 'só' e 'se' queremos ouvir.

I.R.

PS: Gostaria de publicar um texto escrito por Alessio Aguirre-Pimentel em seu blog. Como o texto está em espanhol, fiz uma tradução e a coloco aqui no Carta e Verso.

Colocou-me de pé


Há histórias que as pessoas juram que são verdade, e nos contam que aconteceu com um amigo de um amigo de um amigo; mas na verdade ela foi inventada em algum dos seus pontos de transmissão. Esta historia que estou por contar é real, e sei que é real porque a pessoa que a viveu fui eu.

Rosh Ashaná é o ano novo judaico. Dura dois dias. Neste ano começou em uma quarta quando em um terço do céu as estrelas saíram, e terminará amanhã, sexta-feira, quando em um terço do céu as estrelas saírem.

A quarta-feira à noite é, de alguma forma, uma das metades que esta festividade tem. O fim da primeira noite.

Estive na sinagoga na quarta às seis da tarde. Participei do serviço religioso e depois fui a uma ceia. Cheguei em casa à meia-noite. Tomei um banho e me deitei.
Depois que me deitei, comecei a pensar em tudo o que queria para o novo ano. Ajudar mais as pessoas, ajudar a ajudar. Não fazer mais se sentirem mal as pessoas que faço se sentirem mal, parar de fumar, estudar mais a Torá. Não fazer as cagadas de sempre, não derrapar sempre nas mesmas curvas, e assim pensando notei que não tinha feito as orações noturnas.

Não rezo todas as noites, mas sendo uma das duas noites de Rosh Ashaná senti vontade de rezar. E então me dei conta que tinha deixado o livro de orações sobre a mesa da sala. "que preguiça..." pensei.

Debati se me levantar ou não, e me dei conta de que não era nada legal não rezar por estar com preguiça de ir buscar as orações. Quer dizer, eu não tenho problema em não rezar se não estiver com vontade, mas não acho legal não rezar quando estou com vontade, porém com preguiça de me levantar. Nisso, tocou a campainha de casa.

Hoje em dia, as campainhas não tocam às duas da manhã. Pode tocar o telefone, mas a campainha não.

Fiquei em pé atrás da porta e perguntei quem era. "Sua vizinha", me disse uma voz.

Abri a porta e era, realmente, uma vizinha. "Meu marido caiu no banheiro, e eu não posso levantá-lo. Desculpe-me que o incomode, mas não sei o que fazer". Eu lhe disse que, lógico, não tinha por que pedir desculpas, que com muito prazer veria se podia ajudar.

Entrei na casa e ao passar pela porta ela me disse "ele está nu, peço-lhe desculpas".

Entrei no banheiro e fiz de tal forma para não ver a sua nudez. O homem me olhou e me disse que não podia se levantar. Pediu-me desculpas por estar nu, e eu lhe disse que não se preocupasse. "Não estar sem roupa não é estar nu", pensei. Disse-lhe que não se preocupasse, que não se apresasse, que tentássemos devagar.

Segurei-o de um lado, ele me segurou do outro. Devagar, sentou-se na borda da banheira, depois, juntos, subimos mais um pouco, passou um pé, depois o outro, mais um pouco de força, e ficou em pé.

"Muito obrigado", me disse, "sem sua ajuda não teria me levantado".

Eu o olhei nos olhos, acariciei-lhe as costas e lhe disse "senhor, para isso estamos neste planeta, para levantarmo-nos uns aos outros".

Com um olhar profundo e bondoso me sorriu. Eu lhes disse que deveriam me chamar todas as vezes que necessitassem, dei boa noite, atravessei o corredor, entrei em casa, peguei o livro de orações, coloquei a quipá, me ajoelhei no chão -com roupa, mas nu- e chorei. E rezei:

"Rei do Universo! Neste ato perdoo qualquer um que tiver me enfurecido ou exasperado, ou que tiver pecado contra mim, seja física ou financeiramente, contra a minha honra ou qualquer outra coisa que for minha, seja de maneira acidental ou intencional, inadvertida ou deliberada, mediante a palavra ou os atos, nesta encarnação ou em qualquer outra, todo Israelita; que nenhum homem seja castigado por minha causa. Seja Tua vontade, Adonai, meu De-s e De-s dos meus pais, que eu não peque mais nem repita meus pecados, que também não volte a despertar Teu aborrecimento nem faça o que está mal perante Teus olhos. Os pecados que cometi, apaga em Tuas abundantes misericórdias, mas não mediante sofrimentos ou doenças graves. Sejam as palavras da minha boca e a meditação do meu coração aceitáveis frente a Ti, Adonai, minha Fortaleza, meu Redentor. "

Alessio Aguirre-Pimentel

terça-feira, 27 de setembro de 2011

dia de doces

só por hoje
gostaria de voltar a ser criança
e sair correndo atrás de balas,
jujubas, chocolates
...
só por hoje,
mochila nas costas
e toda a coragem do mundo,
para pedir todos os doces
que pudesse
e até não conseguisse comer,
só por hoje
...
com as bençãos de cosme e damião
e os doces consagrados no catolicismo,
na macumba,
e em qualquer outra religião
que queira consagrá-los,
pois sagrados mesmos são os doces
e as crianças que os comem.

só por hoje,
gostaria de voltar a ser criança.

I.R.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

a mil

façam de conta
que fui dar uma volta
sem revolta
juro que nenhuma
apenas um desejo
de descansar meus olhos
repousar meus ouvidos
e desacelerar o ritmo

tem dias que vamos a mil
e nem percebemos
porque no meio do turbilhão
vivemos sem vírgulas
sem pontos
num corre-corre louco
que a gente não sabe muito bem
exatamente
e ao certo
para quê

I.R.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

infinito

quando um eu
se encontra com outro eu,
entre os dois se forma um tu.
mas se um eu se encontra
com um isso, uma coisa,
desse encontro não há nada,
e nem mesmo há um encontro.

sou um eu único
neste tempo e espaço.
agora, não há outro como eu,
nem mesmo o eu que fui um dia
ou que um dia serei
são como sou neste momento.

tenho apenas o presente
e este é meu único espaço.

tenho o presente que me deram,
cuido dele
e caminhamos de mãos dadas por aí.

I.R.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

feito de palha

na arte da palavra escrita
dá margem a mais de uma interpretação
a leve afirmação
de que eu sou um palhaço.
alguns pensarão que sou engraçado,
outros que sou pouco sério, ridículo,
e até cabe a possibilidade
de que pensem que sou um bobo.
mas há coisas que não se respondem,
que ficam expostas em algum picadeiro
entregues à livre interpretação.

I.R.

domingo, 18 de setembro de 2011

bater e apanhar

na frase "eu bato em fulano",
"eu" é o 'sujeito',
e pratica a ação
embora eu não seja violento.

agora, em "eu apanho de fulano",
embora já não a pratique,
"eu" sofre a ação,
e a sofre na pele
apesar de 'sujeito' continuar sendo.

enfim,
eu é o cara e a cara do paradoxo.

I.R.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

m.e.l.

todo dia agradeço
o teu existir.
hoje é mais um desses dias
para agradecer,
uma espécie de marco zero.

no mar de adjetivos
e substantivos
que posso usar
para te explicar,
para tentar te definir,
talvez apenas um ajude a resumir
o indefinível,
o indecifrável.

companheira.

e o que essa palavra traz com ela,
não o tornarei público,
guardarei para nós dois,
para nossas conversas,
para nossa vida.

I.R.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

13/13

se treze vidas eu tivesse,
treze vezes eu as daria a você.
mas não vá achando que sou seu
ou que vai fazer de mim o que bem quer.
eu me empresto a você.
todo dia, cedo,
eu me cedo a você,
eu me dou.
tá, sou seu,
mas não sai espalhando por aí.

I.R.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

urbano

da minha janela eu via a lua
por cima de uma rua
que não parava de correr.

de um lado para o outro
a avenida se fazia dragão,
sem amo nem senhor,
nem santo guerreiro
que viesse socorrer.

da minha lua eu via a janela
semi-aberta
olhando uma rua
nunca deserta
e minha imagem no vidro
criando um eclipse.

I.R.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

sobrescrever

um sorriso seu
é um tônico,
um bálsamo,
um convite
pra viver a vida.

um beijo seu,
uma carícia,
um cuidado,
um carinho,
e eu me derreto todo,
e me sei acompanhado.

um nós dois lado a lado
é poema escrito a quatro mãos.
sem rima, improvisado,
reescrito todo dia um pouco mais.

I.R.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

lenho


Foto: Adriano Mello

entre um problema e outro
sempre existe tempo para um céu azul.

entre uma certeza e outra,
sempre existe um espaço para um azul do céu.

entre o tudo e o tudo
sempre há um pouco de nada

e entre o nada e o nada
sempre existe um mundo
ao qual podemos adicionar um mundo novo.

de novo...
... novamente.

I.R.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

com as asas de hermes

os pés que correm
rumo à alegria
são a certeza
de poder chegar
ao sorriso.

sem juízo, sem medo,
com a segurança
de que nunca é tarde,
nunca é cedo,
e só o riso
recompõe a nossa fé.

I.R.

domingo, 4 de setembro de 2011

um sete um

depois que prometeu
prometeu o fogo,
sabendo que não
poderia cumprir
o que prometera
e que já nesta vida
nada mais prometerá,
decidiu tomar um porre,
curtir um fogo,
e acorrentado,
deixar seu fígado ser picado
até a promessa virar mito
e zeus, seu deus,
passar-lhe um pito
por prometer e não cumprir.

I.R.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

sosrev sotircse

nunca escrevi um verso perverso.
não porque eu seja bom,
mas por não saber escrever.

sempre escrevi um verso diverso,
raciocínio disperso
diante do pouco que vi.

às vezes escrevo o reverso
ou ao revés escrevo,
por prazer no que li

overcse oa oirártnoc
e me calo converso
diante do riso da alma que ri.

I.R.