terça-feira, 31 de maio de 2016

de invisível e de multidão

Foto: Claudio Lorenzoni

ser invisível na multidão
não é uma virtude
nem uma necessidade,
mas um acontecimento,
um resultado
de não olharmos pra fora,
não olharmos nos olhos,
de não vermos além
de nossos narizes.
a invisibilidade não é um dom,
ela traz em si um tom triste,
emite um som de solidão...
ser invisível na multidão
não nos remete à leveza
e compromete a natureza
do ser que já não se sabe humano,
que chega a aceitar como certa
a mentira de que não se vê.

I.R.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

meta

metade dos poemas
que escrevo em minha cabeça
começa com "não".
a outra metade começa com "nunca"...
porque sou de "sim" fácil
e embarco em canoas furadas,
me meto em enrascadas,
quando só quero dizer o que quero,
mesmo que esse querer negue,
ou só queira esse não querer...
metade dos poemas
que escrevo em minha cabeça,
morre em meus pensamentos,
e a outra metade
se autodestrói em cinco segundos,
numa explosão de pixels,
megapixels e metalinguagem...

I.R.

domingo, 29 de maio de 2016

misturado

Foto: Reinaldo Amaral

um emaranhado de ideias
me enreda
com contos, mágicas e enredos,
contando uma história
que nunca sei qual é.

o que li já está lido,
menos a frase onde estou,
a fase em que se apoia meu texto,
meu discurso embolado,
meu palavreado empolado...
(um fio de ariadne ao contrário,
cheio de contradições)

sou novelo nas patas de um gato...
e gosto do fato de nada explicar.

I.R.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

eStradas e bandeiras

Foto: Richard Camara

todas as distâncias são perto
ou são longe,
depende do que nos move.
talvez nem todos os caminhos
levem a roma,
nem todos os carinhos
cheguem ao amor...
depende do que nos move,
e de como nos movemos
de um ponto a outro.
tudo é longe, tudo é perto...
o monge do assassino,
o incerto da certeza...
o homem e sua natureza
são como pegar uma estrada
sem um gps e sem o mágico de oz

I.R.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

faísca

Foto: Daniel Brazil

tenho em mim um querer,
sinto um sabor de saber,
e uma angústia,
uma alegria,
que são motor e agonia,
centelhas da dúvida,
das perguntas sem respostas
que pulam e pululam
sem avisar pra onde...
tenho em mim uma chama
que me convida
ou me conclama
a me espalhar em fagulhas
em milhares de direções

I.R.

terça-feira, 24 de maio de 2016

desmoldar

Foto: Jacqueline Hoofendy

tiro o pé da moldura,
me 'desmolduro'
e me informo
para me desenformar...
quebro moldes,
me eterizo,
sem me eternizar...
é preciso sair do beco sem saída,
é necessário sair do gueto
e respirar a vida...
nesse mundo de marchands
de galerias,
precisamos ir na ponta do pé,
todos os dias...
sem retrocesso,
nesse processo de nos livrarmos da opressão

I.R.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

rocha

tinha uma pedra,
porque sempre há uma pedra,
independente do seu tamanho,
no meio do caminho...
no meio do caminho,
não na beira da estrada,
por vezes leve,
noutras, pesada...
... e nós
que passamos por cima,
chutamos,
damos a volta...
cascalho, brita,
pedra, pedregulho
e o que nos agita,
o barulho da pedreira
quando explode o tnt.

I.R.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

roda e avisa

Foto: Jose Pedroso

tenho a cabeça nas nuvens...
e meus pés só tocam terra
volta a volta,
enquanto o milênio gira
e os raios da roda me lembram
que quero me espalhar
como vento
em milhares de direções...
estar por cima ou por baixo
não é fato...
é ato,
e além do prazer,
talvez não some ao texto,
que se desvanece por meus dedos,
e some da tela,
como gotas d'água
transformadas em vapor.

I.R.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

de verdades e de selfies

nossas verdades são como selfies,
onde buscamos o melhor ângulo
para termos um número maior de curtidas.
sonegamos o lado b,
adaptamos os conceitos,
exageramos na pose,
carregamos na maquiagem...
fingimos ter coragem,
mas mostramos a parte
como o todo.
acreditamos em verdades mascaradas,
artificiais,
como o riso de nossas selfies...
usamos filtros, corretores,
escondemos nossas dores
em nome de uma alegria de comercial,
e de uma felicidade descartável...
nossas verdades são como selfies,
nossas meias verdades
são como nossas fotos de perfil.

I.R.

terça-feira, 17 de maio de 2016

Carta ao homem que chora

Buenos Aires, 17 de maio de 2016,

Prezado,

Estava em casa, traduzindo um texto, quando de repente escuto a porta do elevador se abrir. Ouço as vozes, são uns vizinhos do nono andar. Moro em um edifício de nove andares, mas o elevador só chega até o oitavo. Essa família está composta por pai, mãe, duas filhas, um filho de uns três ou quatro anos e três cadelinhas yorkshire terrier, com quem costumo dividir o elevador na sexta de manhã cedo quando saio para trabalhar.

Não é a primeira vez que eu os escuto à tarde, quando voltam da escola. Não é a primeira vez que eu ouço o menino, o mais novo, chorar ou gritar. Normalmente seus choros são de manha, de pirraça, exigindo coisas à sua mãe. Mas ontem seu choro era diferente. O menino machucou levemente a mão na porta do elevador. Ouvi o momento em que ele se queixou que tinha se machucado e começou a chorar.

Era um choro de dor. Não era um escândalo, mas o choro de um menino de três ou quatro anos que havia acabado de se machucar levemente. A primeira coisa que pensei foi que não era novidade ouvi-lo chorar, mas imediatamente após esse pensamento escuto a voz do pai lhe dizendo que não chorasse, porque os meninos não choram. O pai se cala, o menino continua chorando e uma de suas irmãs lhe diz para não chorar, porque um macho não chora.

Parei a minha tradução, sentindo correr em mim uma mistura de indignação, de pena, de impotência... Impotência por não poder abrir a porta e defender o choro daquele menino; indignação por ver que em pleno século XXI um homem adulto e uma menina continuam defendendo conceitos retrógrados, antiquados, antinaturais, em defesa de uma modo machista de ver o mundo e de se viver nele; e pena... muita pena desse menino que, provavelmente, crescerá pensando que não pode chorar, que quando estiver triste, emocionado, sentindo dor (a própria ou a de um semelhante) ou vibrando de alegria, vai pensar que deve ter uma expressão imutável, porque acreditará que homem não chora, que o macho não chora.

Gostaria de um dia poder dizer a esse menino, a meu pequeno vizinho, que nós choramos, com todo o direito e com todo o orgulho de sermos seres humanos, de sermos sensíveis e por termos glândulas lacrimais. Homem chora. Macho chora, sim. E àqueles que ainda não choram, por medo, por vergonha, por preconceito, humildemente recomendo umas lágrimas, elas têm um efeito liberador.

Um abraço,

I.R.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

antes do pico

Foto: Stanley Wagner

não mergulhei no mais fundo do mar
nem subi no pico mais alto
(quem sabe um dia,
aconcágua... himalaia...)
mas conheço a água da praia grande
andei pelo pontal do atalaia...
me desvelei, me desvivi,
peguei uma trilha e renasci
não como a fênix de suas cinzas,
mas das areias brancas do meu quintal

I.R.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

luto é verbo

a balança da justiça foi adulterada,
e agora mente no peso,
deixando um gosto amargo.
o gosto amargo da injustiça,
na boca daquela dama
que tira a venda dos olhos,
mas vira o rosto,
com vergonha de olhar...
é preciso coragem
para ler os fatos sem paixões,
e é necessário coragem
para continuar lutando,
pois num governo para poucos
um mundo justo é impossível...
é preciso coragem pra lutar,
é fundamental, então, não temer.

I.R.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

na ponta do lápis

Foto: Mário Ferreira

não nasci totalmente tábula rasa
nem fui guiado só pelo determinismo
genético ou social...
não sou apenas fruto do meio...
e talvez seja um pouco de tudo
associado ao pensamento livre,
aliado ao desejo de me expressar,
uma pessoa do meu tempo
uma folha... um cartaz...
uma faixa em branco
que quer se escrever com lápis
e assim poder me apagar
e me escrever de novo
sempre que possível
sempre que for preciso.

I.R.

terça-feira, 10 de maio de 2016

idade

chega um momento,
uma hora,
em que mais que o documento
ou uma sensação,
agora fala a razão
ou a fragilidade do corpo...
porque no coração ou na cabeça
na intenção e no sentimento,
ainda sou o mesmo menino
que corre riscos,
que escreve o destino...
o mesmo kamikaze...
ou quase...
de vez em quando a cintura
me lembra sem doçura
o que naturalmente esqueço.

I.R.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

framework

Foto: Antonio Carlos Silva

por mais que inventemos molduras,
pontos de corte,
foco e recorte,
por menos que não se veja o todo,
facebook,
instagram,
e apenas um ângulo da verdade,
sabemos que a aventura
ou a monotonia
está como encaramos o todo dia...
enfrentando as ondas,
desafiando as pistas,
por mais exuberante que seja a vista,
não há quadro seguro o suficiente,
há sempre um de repente,
um inesperado...
correndo ou parado
a vida segue
e só nos cabe o como.

I.R.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

encadeamento de ideias

Foto: David Cassolato

encadeio ideias
que penduro como se fossem
roupas num varal,
engato o que penso,
frases amarradas com arame...
não escrevo odes contra a livre expressão...
apenas encadeio ideias
e se uso chaves para abri-las
eu as termino encadeando
em outro suporte,
pois não é que não suporto a ideia livre,
só acredito que ideias precisam de base.
encadeio ideias com conectores,
com leitura e sentimento
porque minhas ideias encadeadas
são livres...
ideias presas são sempre um convite
para se deixar de pensar.

I.R.

terça-feira, 3 de maio de 2016

santiago - 8 anos

Foto: Igor Ravasco

não há originalidade
num poema de aniversário,
mas o amor que expresso hoje,
se não é original, é único.
pois a única pessoa
que amo como filho,
é você.
amo você, jovem ravasco,
pequeno 'lalasco',
companheiro de aventuras,
de aviões e ladeiras.
aprender a ser seu pai
é um constante trabalho
de busca,
em busca
do que há de bom em mim...
ensino-aprendizagem,
onde às vezes é preciso a coragem
de fazer o papel de filho também.

I.R.

domingo, 1 de maio de 2016

conta-gotas

Foto: Marcelo Paiva

me perdi no horizonte
de um ponto e vírgula,
as frases se acumulando,
as palavras se empilhando,
a vastidão de uma ideia
fora de foco,
fora das aspas,
no horizonte das reticências...
me perdi fragmentado em gotas,
em pingos de uma chuva
que insiste em não ser torrencial.

I.R.