quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

desabafo

Foto: Manuela Cavadas

com os nervos à mostra,
à flor da pele,
o que me impele
não é a vontade de ir,
mas a necessidade de tocar em frente.
estou folha seca ao vento,
exposto ao relento,
mas disposto ao orvalho
de uma nova manhã.

I.R.


terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

a sombra

Foto: Antonio Manuel Pinto Silva

tem momentos
em que a sombra que vejo
de mim,
é maior do que o que realmente sou.
maior, menor,
muito não importa,
o importante é saber
que não sou a sombra,
nem a que vejo,
nem a que projetam,
nem o que protejo,
o que sou continua sendo
até mesmo em total escuridão.

I.R.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

morrer é como respirar

Foto: Moa Peraccini

quando me falam do paraíso
ou do fogo do inferno,
do gozo ou do sofrimento eterno,
eu lembro que o limbo das criancinhas
não existe mais.
nada, purgatório, setenta virgens, reencarnação,
a vida após a morte é uma preocupação
tão mais forte do que a vida,
que às vezes nos esquecemos
que morrer é tão natural aos homens
quanto às formigas e às tartarugas.

I.R.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

aquífero

Foto: Luiza Mesquita

água que lava
e que leva,
transporta
comporta a vida
água que refresca,
água que limpa,
hidrogênio, oxigênio,
um gênio da lâmpada,
um mestre da câmera,
água que deságua em arte
onde o todo se faz parte
e respinga entre nós.

I.R.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

poeme-se

Foto: Adriana Oliveira Horvarth

há poemas de amor
e filosóficos,
ha poemas afiados,
angustiados, de ódio...
há poemas de rancor.
há poemas de desilusão,
com versos de pé quebrado,
rimados,
há livres e livros.
há metapoemas,
e poemas de meta,
o poema é uma seta,
uma flecha, uma ponte
que sai do coração do poeta
se espalha como semente,
e se multiplica no horizonte,

I.R.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

baile de máscaras

Foto: Anna Tralali

o carnaval de máscaras é todo dia,
baile da cultura,
imposição social,
onde nos escondemos,
buscando justificativas
e desculpas
para validar a cara que não temos.
o desejo do mascarado
é não ser identificado
no final de camadas de maquiagem
de resina, plástico, papelão,
e cair na folia de todo dia,
talvez não como em veneza,
mas como um bate-bola,
um clóvis abrindo caminho
no meio da multidão.

I.R.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

sinuca

quero que o sono leve
leve o sonho
e lave a sina,
quero que o sino
avise com sanha
o fim de toda mágoa,
de toda manha
e, como o repique,
só termine de repicar
amanhã de manhã.

I.R.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

baires 17

tu cielo azul, tu cielo gris y tu tráfico caótico,
tu costado cultural, tus cafés, tus librerías,
tu corrupción y la soberbia de algunos de tus hijos,
la recoleta, la villa 31, palermo, la boca y lugano,
tu tango, tus taxis, cúpulas y mistérios,
tu noche, tus travestis, tus curas y tus putas,
tu falsa moral y tu desenfreno,
tus vecinos y tus mafias,
hay muchas ciudades en una,
quizá por eso tu nombre sea plural.

I.R.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

luminária

Foto: Irineu Desgualdo Jr.

o fio da luz,
o fio do telefone,
o cabo de alimentação,
e a contradição do wifi,
todos conectados
para nos conectarmos,
todos interligados,
gato, gambiarra,
legalidade,
emaranhado de conexões
para perdermos o fio da meada
e não nos acharmos em nós mesmos.

I.R.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

ao sol

Foto: Manuela Cavadas

nem sempre falo o que penso,
embora pense antes de falar,
(ou isso tento...)
e tão importante
quanto saber o quero,
é saber o que não quero,
de peito aberto,
carne exposta sobre o varal.
ação, reação, erro, acerto,
o que libera e o que aperta,
nervos e tendões ao sol,
pessoa em processo de conservação.

I.R.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

aridez

Foto: Manuela Cavadas

não se trata de falar das flores
ou dos espinhos,
não se trata de sentir as dores,
ou os carinhos,
não é uma questão de caminhos
ou de amores.
importa saber
se a água que temos dentro
é potável ou não.

I.R.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

momento

queria traduzir um texto,
não por lazer,
mas por trabalho.
queria escrever um poema,
não por trabalho,
mas por prazer.
só que agora,
a hora é de parar.
o filho que quer ir à praia
diz que o resto pode esperar.

I.R.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

da indecisão

Foto: Sonia Nabarrete

em cima do muro
no alto do telhado
distante das decisões,
diante das emoções
sem tomar postura,
corremos o risco da impostura
é preciso abrir as asas
sem ter medo de voar.

I.R.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

rodado

na grade do aro me liberto,
rodo solto,
de peito aberto,
caminho pela areia espalhada,
de minha ampulheta quebrada
e nado num mar amniótico,
sem um cordão umbilical.

I.R.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

dois de fevereiro

Foto: Manuela Cavadas

meu deus não é melhor
nem mais poderoso
ou mais milagroso
do que o deus do outro.
porque eu e o outro
somos dois e somos um.
o amor não tem bandeiras,
fronteiras
ou religião
e meu mito só tem valor,
se, baseado nesse amor,
não só admite ou respeita,
mas reconhece o mito do outro
como outra verdade.
nossa única missão
é o respeito pelo ser humano
sem impor verdades pré-fabricadas
em paredes de dogmas.

shalom, odó iyá!

I.R.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

gangorra

pensando em juros,
gasolina, inflação,
temos a ilusão 
de que tudo sobe.
mas perto do baixo grande,
baixo um filme da internet,
baixo a fome de download,
enquanto baixa o santo,
baixa o espírito santo
e sobe a alegria
enquanto baixa minha pressão.

I.R.