quarta-feira, 30 de novembro de 2016

o caso do acaso

Foto: Jane Cassol

o acaso
é um desconhecido íntimo
que causa medos, alegrias,
que nos assusta,
pois nunca nos preparamos
para sua chegada...
ele vem sem hora marcada,
chega chegando,
sem nunca avisar...
o acaso é quem dispõe,
enquanto o driblamos
e tentamos dominá-lo...
tentei, mas não coinsegui crer
nas causalidades...
fiquei com as casualidades
e as escolhas que podemos fazer
enquanto a bolha de sabão
não estourar

I.R.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

na hora da dor

num momento de dor,
não há palavra que amenize
e talvez nem deus que conforte.
é estranha a vida,
quando violentamente chega a morte...
num acidente aéreo...
numa guerra...
num desastre natural,
na inaturalidade de seres humanos
que todos os dias ainda morrem de fome

I.R.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

sopro

na quietude,
a fala do vento
batendo na janela
não rompe o silêncio
nem desestabiliza
minhas inquietações.
estou pleno de emoções
que não desinquietam,
repleto de plenitude
e incompleto
em minha totalidade...
a felicidade só é possível
quando sei que a quero

I.R.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

bancando

Foto: Paulo Loureiro

não banco o bambambã,
nem me acho...
e se me encontro de vez em quando
é porque na arte do encontro
também há lugar pra mim...
no banco do calçadão
desfilei descalço,
qual passarela,
minha solidão
e minhas mágoas,
meu descanso
e meu olhar posto nas águas do mar,
no concreto da avenida,
no objeto e no ponto de partida...
não banco o sabe tudo,
sou cheio de poréns e algum contudo,
talvez por isso,
sentado como o pensador,
apenas aprecio...
apreciar também é uma forma de agir

I.R.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

na lata

Foto: Adriano Mello

consumo ideias enlatadas
e tenho pensamentos enlatados,
com latas amassadas,
correndo o risco de botulismo...
mas sei que é preciso abrir os olhos,
abrir a mente,
se quero abri-las.
nem todas vem com abre fácil,
nem todo abridor é confortável
para o manuseio...
quero um pouco de devaneio...
não são ideias em conserva,
o que preciso conservar
mas a habilidade de abrir as latas,
a minha capacidade de pensar.

I.R.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

descartadas

Foto: Nilson Brandao Junior

onde antes se depositava informação,
sonhos, notícias,
primícias, mensagens de amor...
onde as frases eram definitivas,
lapidadas durante rascunhos...
onde antes havia espera,
havia entrega,
agora só há propaganda
e folhetos religiosos...
e, claro, contas,
muitas contas pra pagar

I.R.

domingo, 20 de novembro de 2016

Carta aos pedreiros

Foto: Jose Luiz Monteiro

Buenos Aires, 20 de novembro de 2016

Prezados,

Só posso entender o combate ao racismo, se combatemos a ideia de que seja possível existir um racismo. Já que o racismo, baseado no conceito de raças, não pode existir. Temos de partir do ponto de que só existe uma raça, a humana, diferenciada pela cor da pele, formato dos olhos, tipo de cabelo,  preferências sexuais, por suas tradições e pela cultura. E se não existe raça, não pode haver racismo.

O que existe (e persiste, também dentro de nós) é a discriminação, o preconceito, o medo e a aversão pelo diferente. O que resiste, entrincheirado, com medo de perder seu poder, é essa ideia de homem ocidental, branco, cristão, heterossexual, rico ou de classe média, que se entende como o ápice da criação, a última pedra no topo da pirâmide da cadeia alimentar.

O mundo globalizado tem de assumir definitivamente o que aos poucos foi descobrindo. Somos um planeta repleto de diversidade, o que nos enriquece como seres humanos. O mundo globalizado, o mundo, dito civilizado, deve repensar o caminho que percorreu para chegar até aqui e aprender dos erros de seu passado.

Mudar é um trabalho difícil, pensar, abrir a mente, reconhecer-se apenas como um ser humano no meio de todos os seres humanos... dizendo para si, o que também digo para mim... que não me importa em que Deus (ou nenhum Deus) as pessoas acreditam. Não me importa se são homens ou mulheres ou se transam com homens ou mulheres, assim como não me importa a cor de suas peles. Não me importa em que parte do planeta nasceram. E também não me importa se são ricos, pobres, se têm alguma deficiência ou por que time torcem.

O mundo globalizado se descobriu plural, se viu colorido, e é triste, mas ao mesmo tempo normal, que o velho mundo queira levantar muros, para tentar resistir. A dúvida é se estamos com os tijolos na mão para ajudar a construí-los ou já pegamos as marretas e começamos a derrubá-los dentro de nós.

Abraços,

I.R.

sábado, 19 de novembro de 2016

dedicatória

Foto: Eduarda Duvivier

as flores que pintei,
o buquê que fotografei,
o jardim que imaginei...
...
minha racionalidade,
meus pensamentos,
as contradições e os sentimentos,
numa efusão de cores,
nesse despertar de amores...
...
dedico a você

I.R.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

soltando as amarras

Foto: Amora Mel

a vida está cheio de elos,
além de alelos,
reação em cadeia,
encadeamento de ideias,
idealização...
realização de sentimentos...
o caminho das pedras
e uma pele de estrelas...
as correntes nem sempre prendem,
também conectam, concatenam,
sequências de gerações,
600 metros de emoções,
caminhar lado a lado
ou andar de mãos dadas
é o que solta as amarras,
gera força na união

I.R.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

substrato

Foto: Renê Martim

rasgo o concreto
para ver mais concreto
e me abstraio no abstrato
que meus olhos
aparentemente não veem
concretizo o abstrato...
nenhum relato é melhor
do que a vida em movimento.
há barracos e arranha-céus,
apontando para o alto...
mas nada disso é mais intenso
que o seu gosto
no meu céu da boca.
rasgo o concreto
em busca do contrato,
encontro o substrato,
que não está no eu,
nem no nós
o alicerce ou nossa laje
é a força de eu e tu

I.R.

domingo, 13 de novembro de 2016

fragmentos de un domingo

en ese instante
en que tu mirada cruza con la mía
y aunque no seamos espejo,
nuestras sonrisas son el reflejo
una de la otra,
hay miles de palabras
listas para despegar...
en la punta de mi lengua.
pero hay un poco de vergüenza,
mezclado a un toque de timidez,
donde también se agregó
el filtro del tiempo...
todavía no es el momento
de las palabras,
y así dejamos que los abrazos
digan todo lo que nos queremos decir

I.R.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

poema protesto

a poesia não para o racismo,
nem impede a homofobia,
a poesia não proíbe
movimentos xenofóbicos,
nem elimina a misoginia...
a poesia não impede os feminicídios.
a poesia não trava a máquina
geradora de mortes,
criadora de guerras, de fome,
de tristeza, de miséria...
mas pode se erguer,
quase como uma voz profética,
pode nos trazer a discussão da ética
em forma de arte.
a poesia pode se erguer
no meio desse deserto coletivo,
reconhecendo que nos retrocessos
não há nada definitivo,
a derrota só é real
quando cruzamos os braços,
fechamos as bocas
e paramos de agir

I.R.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

tolerância

não quero ser tolerado
por minha religião,
ou pela ausência de uma,
o que quero é respeito...
respeitar e ser respeitado,
conviver, aprender,
com toda e qualquer diversidade,
porque não creio na verdade,
pois só acredito no amor

I.R.

domingo, 6 de novembro de 2016

contador

Foto: João Andrade

construo vivências,
seiva, suor e saliva...
e se rascunho algo,
escrevo pouco.
conto contos
e sei quando aumento os pontos,
pois brinco com a intensidade...
sou contador de histórias,
um desconhecedor da verdade...
histórias minhas e emprestadas,
que carrego em gavetas, em pendrives,
em baús,
como se fossem um tesouro,
como se eu fosse um pirata,
buscando uma ilha deserta
para enterrá-lo...
com direito a um mapa
e o desenho de um grande X

I.R.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

depois dos dias

Foto: Mara Echeverría

após o dia das bruxas,
depois do dia dos santos,
finalizado o dia dos mortos,
resta a certeza de que as fogueiras
ainda queimam inocentes,
e que a perfeição é exclusiva
dos que faleceram...
vassouras que não voam
já não limpam,
e enquanto não virarmos cinza
ou pó,
nos veremos refletidos
naquele gato preto,
perseguido em nome do inexistente,
escondido por causa da superstição.

I.R.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

pausa reflexiva

preciso da pausa,
da reflexão
por cima do cansaço...
preciso deixar um pedaço de mim,
mesmo numa pausa nua,
ou principalmente numa pausa assim.
preciso do descanso
do descaro...
dum descaroçador,

I.R.