quinta-feira, 31 de março de 2011

titânico


Foto: zeca fonseca

o mesmo homem
que roubou o fogo dos deuses
faz malabarismos
com três tochas em chamas
numa esquina do mundo.
um raio corta o céu
à procura de algo ou de alguém.
a ferro e fogo a gente mesmo
se molda gente.
bigorna e martelo,
martelo e cinzel...
um raio rasga o infinito
em busca de novas perguntas
para velhas respostas
antes que a vela se apague
ou que a falta de oxigênio
impeça a combustão.
um raio recorta o ar...
três raios na mão do malabarista
que roubou o fogo dos deuses
e que avisa que um raio
pode cair duas vezes no mesmo lugar
depende sempre da pontaria de zeus.

I.R.

quarta-feira, 30 de março de 2011

correlação


Foto: I.R.

estar livre das correntes
é quase como ser um personagem ideal
de um livro qualquer.
o verdadeiro ser livre das correntes
não só nada contra a correnteza
ou dirige na contra-mão,
mas digere o indigerível,
reorienta o próprio dirigível
escolhe a cor
e na frente de batalha
em frente ao mar
enfrenta a si,
uma e outra vez,
como um peixe separado do cardume
nadando de costas rumo à terra firme.

I.R.

segunda-feira, 28 de março de 2011

quimérico


Foto: I.R.

eu já não sei contar minhas tristezas,
talvez por serem poucas, quase nada,
mas sei, vendo de fora da manada,
que faltam por limpar as asperezas.

cabeça de tigre e asa de mariposa,
couro de rinoceronte e concha de caracol,
estômago de tubarão...
e o que era o princípio de um soneto, apenas era,
agora é livre,
sou eu, uma quimera,
um esturjão,
disposto a brincar e a perverter a ordem,
olhando por cima da manada que emana seu cheiro coletivo
já longe do meu.
caviar poético unindo pedaços,
um neo-ornitorrinco
despreocupado com a forma
com fome de sei lá o quê.

I.R.

domingo, 27 de março de 2011

conversa profunda

quero conversar com meus órgãos,
falar com o meu sangue
correndo pelas veias
com meu coração batendo
e batendo e batendo sem parar.
fecho os olhos,
dialogo com meu fígado,
com meus rins,
converso com meu eu interior
bato um papo com meu cérebro
enquanto babo discretamente
sobre meu travesseiro de penas.

I.R.

quinta-feira, 24 de março de 2011

questão de fé

rezar, orar, fazer preces
para deus, alá, odin,
oxalá, tupã, jeová,
é fácil.
quero ver a fé
pra falar todo dia
com tlahuizcalpantecuhtli,
para pedir qualquer coisa
a quetzalcóatl.

I.R.

quarta-feira, 23 de março de 2011

antojo azteca

la plata que me piden por la palta
es parte importante de lo que gano
y en teoría
no puedo,
no pienso,
no quiero gastar
porque no es agua, es aguacate.

pero...
qué me importa,
dónde está quién me controle,
quiero cacao y chocolate,
tacos, nachos y guacamole.

I.R.

terça-feira, 22 de março de 2011

te lo digo a vos


Foto: I.R.

muy hermosa linda mucho,
si huyo de la gramática
o si soy redundante
es porque te quiero,
y si te quiero,
y te amo,
redundo yo, saliéndome de mis límites.

I.R.

segunda-feira, 21 de março de 2011

mancha


Foto: www.estadao.com.br

a mancha na túnica do dalai não é de lama
e seu lema não-violento é de tolerância.
a mancha na túnica do dalai não é de lama,
mas do sangue coagulado dos seus irmãos.
talvez um dia,
quando no Tibete houver petróleo,
alguém dirá que a repressão aos tibetanos
também é um crime contra a humanidade.

I.R.

sábado, 19 de março de 2011

cheia


Foto: I.R.

não lhe canto versos,
nem melodias bonitas.
sinto como a baba escorre,
os pelos crescem
e de repente começo a uivar.

I.R.

quinta-feira, 17 de março de 2011

cavalo de ferro


Foto: Adriano Mello

não existe um caminho
ou uma receita para a felicidade,
assim como a tristeza
nunca é tão definitiva quanto parece.
deus não escreve nem certo nem errado,
não usa linhas tortas nem direitas
nem mesmo um caderno de caligrafia.

não viver é fácil nem dá trabalho.
basta ficar na estação
esperando um trem que não é o nosso
e que jamais tomaremos,
que nunca vai parar para que o tomemos.
o último trem para lugar nenhum.

para viver,
é necessário tomar a própria locomotiva,
acomodar-se nos trilhos,
jogar carvão na caldeira
e fazer a máquina andar.

não existem trilhos que nos levem à felicidade,
e ela não é uma estação onde iremos descer.
é tudo parte da viagem
e a magia está no ir,
no descobrir,
no ver a paisagem,
no ir jogando carvão para a máquina não parar.

I.R.

terça-feira, 15 de março de 2011

flamenco


Cuadro de Juan Guedon (guedon@net)

el cante jondo no encanta,
sino cala fuerte en el hondo de uno mismo,
y no sólo eso,
es más que eso,
es uno,
ya que se hace uno,
hueso, cuerpo, sangre,
rojo y sombras
en el fondo de un tablao,
entre brazos y piernas
y la garganta del camarón.

I.R.

segunda-feira, 14 de março de 2011

dia da poesia

o dia da poesia não é o dia do poeta.
como se ambos necessitassem dia
e não existissem
ou subsistissem
sem esse tipo de comemoração.

o dia o poeta não é o dia da poesia
e não existe um dia do poema,
como se os poetas não os escrevessem
e os poemas não estivessem recheados de poesia
como o corpo de alma
e o pão de manteiga, queijo
(presunto ou mortadela)

não existe o dia do poema
e o dia do poeta e o da poesia não são os mesmos,
como se os três precisassem de qualquer coisa
além do ritmo, da cadência, da boa vontade,
do gosto, do amor, do terror e do susto
para simplesmente existir.

I.R.

domingo, 13 de março de 2011

um número perfeito de meses



seu cabelo voa ao vento
na beira do mar.
seu corpo, sua boca, contorno delicado
no traço do artista
me dedica um sorriso perfumado como você.

meu pensamento voa
e meus olhos que te viam
e que te veem
sentem, sabem...
e somam os dias,
cada dia de construção
desse oceano que é parte de nós.

I.R.

quarta-feira, 9 de março de 2011

eu canoa


Foto: I.R.

a canoa amarrada na beira do mar
sou eu.
e não há nisso analogias
ou metáforas.
sou eu com todos os meus pregos e madeira.

deitado sobre a espuma,
começo e termino o descanso de outra jornada,
e me preparo para seguir.

nadei, pesquei,
devolvi tartarugas ao oceano,
remei, pequei,
fiz um pacto com netuno
e entreguei meus remos
a uma manada de cavalos marinhos.

eu sou a canoa amarrada na beira do mar salgado
mas minha rede eu entreguei a oxum
como oferenda por uma sereia das margens do rio paraná.

I.R.

terça-feira, 8 de março de 2011

Feliz dia para todo mundo!

Buenos Aires, 08 de março de 2011

Feliz dia para todas as mulheres, para todos os homens, feliz dia para todo mundo!

Quase sempre tenho a sensação de que desejar um feliz 'dia da mulher' é como desejar feliz natal ou feliz 'dia dos pais/das mães'. Vejo muito blá-blá-blá, comércio ganhando dinheiro, mas pouco compromisso com a luta dos direitos iguais entre homens, mulheres, gays, lésbicas, travestis, transexuais e o que mais existir neste mundo.

Dia da mulher, assim como dia dos pais, das mães, das crianças, dos namorados, da consciência negra, é todo dia. Ou carregamos em nós o desejo de um mundo mais igualitário ou amanhã, dia 9, o 'dia da mulher' já não terá nenhum significado.

Feliz vida para todos!

I.R.

segunda-feira, 7 de março de 2011

totem sem tabu


Foto: I.R. y M.L.

uma invasão de cores
decora a paisagem
reconstruída por minhas mãos.

todos à bordo.

o totem tropical está pronto
pra partir.

I.R.

sábado, 5 de março de 2011

empréstimo

prefiro que me peçam emprestado
aquilo que não tenho,
assim não corro o risco de terminar emprestando
o que não quero emprestar.
e se não quero emprestar
é bom que se saiba
que não é por ser avarento
ou egoísta.
ao contrário,
é por não saber dizer não
e depois de emprestado
não saber como reaver,
sentir até um pouco de vergonha
de pedir de volta
aquilo que emprestei.

I.R.

sexta-feira, 4 de março de 2011

regras do jogo

boto os pingos nos is,
mas não pinto e bordo
nem dou o troco.

toco de letra
e troco as palavras.

o jogo que eu jogo
é fácil
mas não julgo
quem sabe não jogar.

I.R.

quinta-feira, 3 de março de 2011

hora do choro

meu filho,
você, com a pureza
de repetir o que lhe dizem,
de vez em quando me diz
que não é preciso chorar.

de fato, meu filho,
quando você quer alguma coisa
prefiro que peça a que chore.
"você sabe falar, não precisa chorar."

mas sabe, filho,
às vezes chorar é preciso.

na hora da tristeza é hora de ter valentia
pra deixar o orgulho de lado,
abandonar o machismo arcaico
e se entregar ao pranto,
sentindo como a dor se torna líquida.

é preciso chorar, meu filho,
mulheres, homens, velhos, crianças,
é preciso muita ternura para chorar de alegria,
é necessário ter vida pra se chorar de emoção.

você sabe falar, não precisa chorar,
meu filho,
mas saiba que na hora do choro
estou aqui pronto para chorar com você.

I.R.

quarta-feira, 2 de março de 2011

em março

não está chovendo
nem há uma nuvem nesse céu azul.
mas quem foi que disse que as águas de março
precisam de chuva?

I.R.









I.R.