quinta-feira, 25 de abril de 2024

saltar

não há fórmula pronta nem receita
mágica que transforme tudo em ouro,
sou, pela liberdade - esse tesouro - 
alguém que, bem ou mal, então se ajeita.

ser livre não se impõe e nem se aceita, 
se conquista em processo duradouro, 
se não, sou animal no matadouro, 
caça de caçador que está à espreita. 

eu não quero caçar nem ser caçado, 
não quero ser escravo, escravizado, 
quero ser livre fora do meu texto. 

e pela liberdade dou meu grito, 
cada um tem em si seu próprio egito, 
sou contra qualquer tipo de cabresto. 

I.R.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

urdidura

a emoção é uma fibra
que precisa ser estimulada,
expelida, expirada,
sopro vital que nos mantém em pé.
páginas em branco não existem,
são folhas trancadas com cadeados
que escondem segredos carregados de emoções,
que são fibras que precisam ser cutucadas
com a vara curta e com a cara de pau
que o medo à exposição adora trancafiar,
sem confiar no fio de ariadne
nem nas migalhas de pão de maria e joão
que nos levarão a algum lugar,
algum final de enredo, alguma casa,
alguma toca, alguma doca...

(nem sempre em segurança)

I.R.

quinta-feira, 18 de abril de 2024

espelho

eu me olho no espelho
e constato que minha barba
já está quase toda branca.
mas não é a barba de igor,
este que escreve o poema,
nem a barba do eu lírico,
que sendo personagem,
depende de mim para existir.
eu me olho no espelho
e vejo a barba branca do leitor,
esse eu com o poema nas mãos,
que sei que a barba branca não é a barba branca,
que sou mulher, que sou adolescente,
que compro lâminas de barbear todo mês,
que tenho barba preta, ruiva, até mesmo branca,
mas a minha barba branca do espelho,
que leio no poema,
é algo que só pertence a mim,
enquanto leio,
enquanto devaneio.
não me chamo igor,
não sou eu lírico,
sou eu empírico,
me olhando no espelho da leitura,
sem julgamentos de beleza ou feiura,
olhando minha barba branca que aparo
e que acaricio,
depois de escovar os dentes,
antes de tomar café

I.R.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

dubito

a dúvida é uma janela pro multiverso
que não se ocupa do que faço,
mas das várias possibilidades
do que não fiz,
das alegrias e das culpas do que vou fazer.
a dúvida não tem dívida com o presente.
contas saldadas,
sem tristeza ou ansiedade,
sem “e se...” e sem saudade.
sem “e se...”, só “e, sim”.
a dúvida é o que carcome,
o que impulsiona,
a dúvida consome e emociona,
a dúvida é uma porta para o mistério,
um prato cheio ou um caso sério...
a matrioshka das nossas decisões.

duvido, logo sou.

I.R.

sexta-feira, 12 de abril de 2024

repouso

antes de alçar voo, 
o poema descansa
como a tela, como a melodia,
como deus no sétimo dia
descansa o poema,
enquanto se destrança,
se destranca, se destrincha,
se decanta... 
em uma hora,
em um mês,
em um verso de cada vez, 
em uma fração de segundo... 
o poema em busca de sentido, 
o poeta em lutas de sentir 

I.R. 

terça-feira, 9 de abril de 2024

(por)tanto

o que guardo comigo, e então não conto,
não digo por querer saber o quanto
sou em mim meio diabo e um pouco santo,
e então não aumentar nem mesmo um ponto

se não falo, não é por ser um tonto, 
mas por ser responsável do que planto, 
do que colho em meu riso ou no meu pranto, 
eu sempre em formação e nunca pronto 

palavras são levadas pelo vento, 
mas agora o que eu quero e o que eu tento, 
é só me libertar do labirinto, 

e então contar, tão solto em meu conjunto, 
livre para qualquer que seja o assunto, 
e assim poder falar tudo o que sinto 

I.R.

segunda-feira, 8 de abril de 2024

diversos

mi cabeza es un rompecabeza
hecho de astillas,
de pensamientos esparcidos
y frágiles como vitrales coloridos.
mis ideas son un cross
a la cruz de mis verdades, 
de mis certezas de manual. 
mi cabeza es un astillero, 
(o un desarmadero,) 
y mi vida es como el tatuaje, 
que no lo hice, 
por falta de coraje, 
y lo convertí en poema... 

soy un poema hecho de virutas, 
con versos de aserrín

I.R.

terça-feira, 2 de abril de 2024

química

a alquimia de amalgamar
o impensável, o improvável,
o impossível,
não me faz menos ou mais sensível,
mas consciente do amor que dei
(que dou)
e das insensibilidades que distribuí.
nessa caminhada, andei de salto alto,
de chinelo com meia,
chutei a porta de saída de coturno,
fui feliz e fui soturno,
sortudo e infeliz...
mas na arte da desnudez,
nesse desnudamento de quem sou,
ao entrar na vida do outro,
quero entrar descalço,
e encarar qualquer percalço
como quem vê o nascer do sol
na areia da praia de manhã.

I.R.

quarta-feira, 27 de março de 2024

"animado"

não tenho alma,
tenho consciência.
e não reencarnarei
nem serei salvo,
pois os destinos do além 
se aplicam apenas para quem crê. 
minha sorte será ser adubo,
é mais barato que virar cinza
e ser jogado nas águas do mar.
gosto da vida,
a morte não é um dos meus medos, 
tenho outros, 
que não são segredos,
mas não importam... 
este não é um poema do que temo, 
isto é só um poema de amor.

I. R.

domingo, 24 de março de 2024

soneto do (des)entrosamento

escrevo como forma de expressão
me calo como um jeito de expressar,
que às vezes eu não tenho o que falar,
ou prefiro guardar minha emoção. 

as coisas do querer nem sempre são
iguais àquelas coisas de gostar,
mas gostar e querer, ir ou voltar,
são parte desta roda de ilusão. 

como a engrenagem torta do sistema,
que resolvendo gera outro problema,
causa e efeito no agito da consciência, 

me vejo como peça da engrenagem, 
me rebelo, talvez, como um selvagem, 
assumindo meus níveis de incoerência

I.R.

quinta-feira, 21 de março de 2024

na contramão

o dedo que aponta é rígido,
enquanto a língua que julga é afiada
e avança à jugular,
saindo de uma boca que não ri.
vomitamos verdades, lições de moral,
e impomos certezas sobre o que vemos,
com a beleza de um vazamento de óleo,
de um desastre ambiental,
com o encanto de um lixão a céu aberto
(mas olhos nem sempre são confiáveis)
...
cada um tem suas sombras,
suas sobras de um inteiro imperfeito.
nessa vida, de telhado de vidro,
que vai além de só causa e efeito,
quero aprender a cultivar o silêncio

I.R.

segunda-feira, 18 de março de 2024

vidrado

penso na fragilidade do vidro,
sinto a impermanência do vidro,
e a possibilidade da pedrada na vitrine,
enquanto o sol filtrado no vitral
ilumina imagens coloridas.
penso na delicadeza do vidro,
em sua natureza e vulnerabilidade,
copos, taças, cúpulas, tijolos, telhados,
e a probabilidade ou o medo
da queda, da pedra, do trincado...
frasco, tela, janela, vidraça,
a garrafa de vinho e a de cachaça...
vivo a fraqueza dos meus óculos
e a franqueza com que me olho no espelho

I.R.

quinta-feira, 14 de março de 2024

ponto de vista

o bebê que fui em 75,
o jovem que fui em 92,
o adulto que fui ontem,
ou em 22,
coexistem e coexistirão
com meus futuros eus
num desenho intrincado,
meio ‘os girassóis’, ‘guernica’, ‘mona lisa’,
meio ‘medusa’ ou só um copo trincado
que contém e que vaza...
já não sou tábula rasa
depois de tantos contos,
sou um ‘ligue os pontos’
cuja imagem nem sei qual é
e que não verei (o que os outros verão)
quando eu chegar a meu ponto final

I.R.

sexta-feira, 8 de março de 2024

vibrações

a palavra escrita é um invento sólido,
que como um bólido,
cruza papéis ou telas,
e entra pelos nossos olhos
ou pelos dedos de nossas mãos.
enquanto a palavra falada...
(cantada,
recitada, excitada)
é o elemento gasoso,
um som gozoso
que entra e sai pelos ouvidos
de corpos exauridos,
desde o nascimento da fala
(ou da canção)
antes do surgimento do amor líquido,
antes mesmo da invenção do amor
...
nunca há silêncio quando escrevo,
hoje a chuva refresca a minha manhã.

I.R.

sexta-feira, 1 de março de 2024

açoite

não há sóis,
não há sois,
nem eu nem vós,
ou voz... não há sons,
só o silêncio da guerra
e o passado de quem não tem vez.
há um nós... sós...
e um nó na garganta
em estado de s.o.s.

I.R.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

mar-íntimo

tudo começa na areia,
área onde timidamente se molham os pés,
às vezes sem que se queira,
e passo a passo vamos,
panturrilha, joelho, coxa,
cintura, a água no peito,
nos ombros,
onde carrego tanta coisa...
mas não é com um mergulho,
com uma braçada,
nem mesmo numa remada,
que se estabelece intimidade.
é preciso se dar, além de receber,
é preciso ler, interpretar e se abrir
é um descobrir-se gigante,
sendo tão ínfimo.

I.R.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

quinta-feira de cinzas

no dia a dia da rotação,
talvez a rota do homem esteja rota,
numa profusão de discursos
sobre deus, sobre o amor,
mas com o desamor em curso em sua ação.
o homem arrota verdades
de um deus criado à sua semelhança,
um deus da desesperança,
contra seu semelhante,
o deus da fome, das armas,
da palavra que fere, da indiferença,
o deus de um homem
que prefere continuar roto
escrevendo um roteiro de ficção,
uma fake life com final feliz

I.R.

domingo, 4 de fevereiro de 2024

prenhez

pairo um poema,
porque posso parir
num papiro, num papel,
enquanto paro...
pairo numa gota de silêncio,
porque posso pairar,
parar, espairecer,
e não mais parecer,
mas ser o que sou.
afio a língua, amolo o olho,
procuro colo,
planto e colho,
sou alguém que está sendo
um dia de cada vez.

I.R.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

dédalo

na beira da areia da praia,
por cima dos brejos
e nas encostas dos morros,
vão se estendendo seus becos,
suas poucas avenidas de traçado irregular,
suas travessas e ruas sem saída...
e minhas travessuras,
meus pensamentos ou o que vivo
talvez sejam só um reflexo de sua geografia,
de suas ramificações,
de seu crescimento desordenado
e agora vertical...

sou como o Arraial,
um labirinto que sempre termina no mar.

I.R.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

ars

a arte se reparte em cores,
sons e cromossomos,
e cria uma unidade divisível
e impossível a olho nu.
o corpo nu
gera um universo de possibilidades,
na velocidade de um dirigível em chamas,
o que me chama a atenção pra fragilidade,
ou nossa intenção de transcendência
na obra, na reforma, na restauração,
óleo sobre tela, tear de tecelã,
clave de sol da manhã até anoitecer,
trabalho feito em madeira, em osso, em papel,
enquanto escrevo o que posso,
ou caminho a caminho de novos ângulos
sobre aquilo que não tem por quê.

I.R.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

pupa

tenho pensamentos breves,
entrecortados,
gosto de poemas curtos e amores leves,
e já acreditei no amor romântico
com suas fantasias, farsas, farpas e dores.
já tive minhas doses de engano,
já menti pra mim,
mais do que pros outros.
enganei... me enganei... me iludi...
e agora lentamente adulteço,
aconteço de outras maneiras,
sem pose, sem posse, sem performance,
nem romance de sonho encantado.
só eu inteiro posso ser parceiro

(...)
amar é tão bom quanto ser amado

I.R.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

taquicardia

a emoção do momento
contrasta com a serenidade do agora,
esse à flor da pele
que me impele e se mostra possível,
a cabeça que já não finge demência,
o corpo que já não está dormente,
a mente posta na quietude
e nas inquietações...
e o coração...
esse que brinca como menino,
pula, salta,
se contrai e se dilata,
esse que está atento e se distrai...
o meu coração quica
como bola de borracha a caminho do gol

I.R.

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

versar

não é uma questão só de movimento,
mas de movimento com direção
(nem sempre definida)
não se trata da inércia do movimento,
mas de um movimento anti-inércia,
que vibra, que emociona,
e desmorona para construir,
desconstrói para erigir,
derruba pra levantar.
chegar não me importa,
quero abrir novas portas
viver o caminho,
acompanhado e sozinho,
onde o fui, o vou, o ia e o irei
são junto com o iria a minha condição,
a minha confissão
de que ainda sou nos textos de ir
‘eleuqa oninem euq moc otsog’ ri.

I.R.

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

49

se a contagem do tempo não me importa,
existem convenções das que gosto,
não me diz nada 2024,
como não me disse 2003, 5784, 1986...
mas hoje, naquilo que a convenção
chama de 2 de janeiro,
me divirto por inteiro,
faço quarenta e nove,
num dia em que normalmente chove
e escrevo neste receituário
que vou a caminho
do meu primeiro cinquentenário...
(quero ter no mínimo dois)

I.R.