quarta-feira, 30 de abril de 2008

Segunda carta para os leitores

Buenos Aires, 30 de abril de 2008

Queridos leitores,

a última vez que escrevi uma carta para vocês foi no dia dia 31 de dezembro do ano passado. Como abril só tem 30 dias, posso dizer que há 4 meses.

E o que me leva a escrever novamente? Me move o desejo de construir um diálogo, onde eu falo mais do que escuto. Me motiva uma ânsia de renovar que estou aqui, com a diferença de que agora, depois de 4 meses, existem algumas pessoas aí do outro lado da tela, como você.

Na primeira carta que escrevi para vocês, eu falava um pouco sobre a minha história escrevendo, cometendo poemas, de como nunca aprendi a digitar com todos os dedos, de como adoro escrever nas passagens de metrô daqui de Buenos Aires.

Nesta segunda carta quero apenas agradecer a presença de vocês. Nesses 4 meses, este blog recebeu quase 1100 visitas. Imagino que a maioria entrou aqui fazendo alguma pesquisa no Google e acabou descobrindo que o que havia encontrado não era exatamente o que estava buscando, era este blog. Isso nunca aconteceu com vocês? Comigo, várias vezes. Não com este blog, claro, mas com tantos outros que “circulam” por aí. Desses, talvez alguns tenham se tornado leitores, talvez tenham voltado outras vezes, talvez tenham acrescentado este blog aos seus favoritos. E dentro desse universo do talvez, talvez eu nunca saiba se isso aconteceu.

Outros apareceram por aqui por laços de sangue, por amizade, por curiosidade, e agradeço a oportunidade de poder compartilhar essas linhas “virtuais” com vocês.

Tenho de confessar que mesmo se não houvesse uma visita sequer ao blog eu continuaria escrevendo. Mas, para ser sincero comigo e honesto com vocês, é muito mais interessante escrever sabendo que no meu ato de escritura e no seu ato de leitura estamos nos comunicando.

Algumas vezes pensei em habilitar a área de comentários do Carta e Verso, já que isso aumentaria o possível canal de comunicação. Só que termino desistindo da idéia por achar que um poema não merece mais comentários que os que fazemos em nosso próprio interior, ou numa conversa com amigos. Qualquer elogio ou crítica eu só poderia responder com um “muito obrigado”, com um “vá à merda” não daria porque sou educado. Mas não estou habilitado para comentar o que escrevo. E sou tímido (no caso de receber algum elogio).

Para qualquer pequeno comentário, pedido, participação, temos o quadro de mensagens, aberto a todos. E, antes que me esqueça, quero agradecer a generosidade e o afeto de alguns comentários feitos nele.

Amigos leitores, brasileiros, argentinos, portugueses, moçambicanos e não sei se de alguma outra nacionalidade, muito obrigado. Esses 4 meses de blog, esses quase 100 textos publicados, e a presença de vocês, conhecidos ou anônimos, me inspira a transpirar e continuar escrevendo.

Um abraço,

I.R.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Poço vazio (ou Seca-seco)

Agora que o meu poço está vazio
A minha água na fonte se secou
Escuto quase um blues, um quase soul
E sou de samba, e sou do som do Rio

Sou som de água parada ou mar bravio
E escuto o meu silêncio que soou
Um poço, fonte, música, meu show
Mais seco que por dentro um bom navio

E escuto o meu silêncio em vários tons
As gotas que não fazem muitos sons
A música que agora já não toca

E ao som da falta d'água, da secura
Sou sombra que mantém uma postura
Um poço que sem água não se choca

I.R.

sábado, 26 de abril de 2008

Com as roupas e as armas de Jorge

São Jorge, nosso santo padroeiro,
Um símbolo de força e de coragem,
Pra sempre quero ser da sua linhagem,
Da sua falange, contra o cativeiro

E lutar contra o mal tão traiçoeiro
É muito mais que um rito de passagem
É procurar vencer toda miragem
Com sua força de santo, Ogum guerreiro

E sua imagem, são Jorge, com sua lança
Nos mostra que ainda existe uma esperança
De não sermos escravos de emoções

Porque elas, ilusórias, nos enganam,
Nos confundem, nos cegam, nos encanam
E vamos combatê-las qual dragões

I.R.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Carta para as mulheres

Buenos Aires, 24 de abril de 2008.

Prezadas mulheres,

Esta não é uma carta para dar os parabéns pelo seu dia internacional... que passou há um mês e meio, mais ou menos. Também não pretendo dissertar sobre as suas conquistas, sobre o seu papel na sociedade ou sobre a sua tripla jornada de trabalho, como trabalhadora, dona de casa e mãe. Não, nada disso, mesmo sabendo que todos esses assuntos são de suma importância.

Mas vamos conversar sobre assuntos mais triviais, já que falar sobre esses assuntos de vez em quando também faz bem. O motivo desta carta é simples. Vocês, normalmente, dizem com voz de queixa que todos os homens são iguais. Ponto.

O que eu quero dizer é que, sim, todos os homens somos iguais. Ponto. O quê? É, pensemos juntos a respeito. Um calçado, por exemplo, não é sempre um calçado? Existem diferentes modelos, é verdade, mas um calçado é sempre um calçado. Assim somos os homens... como os calçados.

Se um calçado é sempre um calçado, um homem é sempre um homem. E não adianta a mulher procurar uma coisa diferente. O segredo está em saber escolher.

Se você, mulher, calça 37, não compre um calçado 36, porque vai ficar apertado. Se calça 39, não compre um 38, ou um 37, porque não só vai ficar apertado, como pode fazer mal ou até mesmo fazer você passar vergonha ao ver que o calçado não entre no seu pé. Se o seu pé tem um joanete enorme (como tinha o pé da minha avó Noca), não compre uma sandália que aperte, mas uma que dê um espaço para este sexto dedo ficar livre. Se você prefere havaianas, se prefere saltos altos, se prefere esses sapatos ou sandálias com forma de casco de vaca, escolha um que combine melhor com o seu pé, um que não dê calos, que não aperte, que abrace o seu pé com o maior carinho do mundo.

Agora, se você, mulher, quiser usar um calçado de um modelo em um pé, e outro de outro modelo em outro pé, ok. Tudo bem. Quem sou eu para criticar? E se quiser ter vários pares e gostar deles por igual, ok. Um estilo “Eu, tu, eles”. Por que, não?
E sei que, você, mulher, talvez quisesse ter um calçado feito sob medida, como essas chuteiras de jogadores como Ronaldinho Gaúcho ou Messi. Bem, mas você sabe, o preço aí é outro, e são poucas as que podem pagar.

Quanto aos calçados velhos, eu sei que se forem de estimação vocês não vão jogá-los fora. Mas se já estavam destruindo os seus pés, acho justo vocês comprarem um novo.

Por isso, não sofra, dentro do que você puder pagar, escolha o modelo que melhor lhe couber. E tenha cuidado apenas com o chulé. Se bem que para isto sempre existe algum talquinho.

Um abraço,

I.R.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Luz no fim do túnel

No fim do túnel vejo que há uma luz
Lá no fim, uma luz sempre aparece
Início de esperança que enfim cresce
Farol que me ilumina e me conduz

Um vaga-lume embaixo de um capuz
Vejo uma luz ao longe, a minha prece,
Um túnel, meu mistério se esclarece
Diferente de tudo o que eu supus

A luz no fim do túnel se aproxima
Meu verso torto a luz não ilumina
Minha rima e meu corpo vão e vêm

E a luz no fim do túnel se agiganta
Seu sino de alegria quase canta
E sou atropelado por um trem

I.R.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Máquina de querer

Eu quero costurar qual Kusturica
Uma terra cheinha de ciganos
Iugoslávia andaluz dos meus enganos
O verde de Cesária que em mim fica

Neste mundo underground o que me indica
Que vou por um caminho já sem planos
É a soma dos meus muitos desenganos
O som de um son que a mim todo musica

Mas não me importam planos ou costuras
Nem panos ou bemóis ou nem texturas
Enquanto levo firme o meu alforje

E quero estar deperto e me belisco
Pois eu quero, ao passar pelo obelisco,
Apenas ser amado como Jorge

I.R.

PS ao poema: Os poemas não costumam ter PS, mas este tem, talvez para compartilhar com todos algumas imagens e sons referentes a ele. Isso não significa uma explicação ao poema, já que isso não compete a mim. Mas isto é assunto para uma carta, não para um PS.

Um son cubano...



Um pouco de Cesária Évora...



Umas imagens de um filme de Kusturica, com música de Goran Bregovic...



Fim do PS.

I.R.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Carta para o ser humano

Buenos Aires, 21 de abril de 2008.

Prezado Ser Humano,

é, isso mesmo, você que está aí em algum lugar, lendo estas linhas, seja um freqüentador assíduo deste blog ou não. Quero compartilhar uma idéia com você.
Estamos indo para o fundo do poço. A minha dúvida é apenas saber se o poço realmente tem fim.

E, se tiver fim, o que há no fundo? Não sei, mas por como estamos, acho que não há um colchão macio.

Na quarta passada saí para trabalhar. A linha de metrô que eu pego estava com demoras, e depois quando os trens começaram a passar, vinham tão cheios que era impossível entrar. Pelo menos para mim e para vários passageiros que calmamente esperávamos na estação.

Mas um homem que também estava lá esperando o metrô não compartilhava da nossa opinião. Pára o metrô, e o cidadão força para entrar, tentando esmagar um passageiro... ou tentava arrancá-lo de dentro do vagão e eu não percebi? Era triste ver uma sardinha brigando com outra para saber quem iria ter o privilégio de estar na lata. Como o que estava dentro não cedeu um milímetro, basicamente porque não havia o que ceder e dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço, o de fora começou a ofendê-lo. O de dentro revidou, e as sardinhas quase espalharam óleo comestível para todo lado.

Talvez você, ser humano, me diga que isso é normal, que faz parte do estresse da vida louca das cidades grandes, mesmo às nove da manhã. Mas continuo achando que compramos uma passagem só de ida para o fundo do poço.

Vendo o Domingão do Faustão ontem, fiquei impressionado com o nível de espírito de equipe, de solidariedade, que existe entre nós. No programa, havia um concurso para escolher uma invenção como a melhor de todas. Em segundo lugar ficou um colete multiuso de segurança para motociclistas; em terceiro, um consultório dentário ambulante (que poderia ser usado em diversas comunidades carentes); em quarto, uma cadeira de rodas todo-terreno que até sobe e desce escadas. E depois de todas essas invenções realmente interessantes, qual foi a vencedora? Qual?! Uma máquina para gelar latinhas... Sim, vocês leram bem... uma máquina para gelar la-ti-nhas. E não foi uma eleição disputada. A tal máquina recebeu 47% dos votos.

Acho que qualquer comentário que eu fizer será um excesso. Os fatos falam sozinhos. Em algum momento da história do mundo, nós pegamos um atalho acreditando que chegaríamos mais rápido a algum lugar melhor, mas o único que conseguimos foi nos perder. E não temos um guia Quatro Rodas na mão. E não sei se temos dinheiro para pegar um ônibus, ou um metrô... E no metrô, pode ser que a linha esteja funcionando com atraso, pode ser que vejamos uma briga de sardinhas.

Um grande abraço, e a gente se vê lá no fundo,

I.R.

domingo, 20 de abril de 2008

À base de hélio

Um zepelim de chumbo em pleno vôo
Não sei se procurando uma Geni
Só sei que o dirigível que eu não vi
Dirige o meu nariz que eu nunca assôo

Uma comédia, um drama, um mal de enjôo
E eu plácido encenando o Guarani
Ensinando tupi or not tupi
Verdades que eu não filtro, apenas côo

Um balão, dirigível, zepelim
Que não veio trazer algo pra mim
Me apresenta uma escada para o céu

E embora viva a vida pelo rádio
Eu grito uma derrota aqui no estádio
E comemoro um gol dançando o créu

I.R.

sábado, 19 de abril de 2008

Já sinto o carrapato

Você gosta do sangue A positivo
Sei que gosta também do esforço alheio
E não sei se percebe que isso é feio
Ou que nunca vai ser um ser criativo

A sua atividade de passivo
A falta de vergonha no recreio
Ao beber o meu sangue em copo cheio
Ao comer o meu cérebro nativo

Tudo isso me satura, mas me viro
Poesia pra afastar esse vampiro
Idéias pra escapar - rota de fuga -

Se não eu não suporto essa loucura
Dou um sorriso falso pra criatura
Um monstro, parasita, sanguessuga

I.R.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Carta para as forças da natureza

Buenos Aires, 18 de abril de 2008.

Prezadas forças da natureza,

Resolvi escrever para vocês por um motivo muito simples. Não agüento mais. Pensei que tivesse paciência, ou pudesse aturar um pouco mais, mas não deu. Ou melhor, e sem gerundismo, não está dando.

Sei que estamos acostumados ou condicionados a achar que os dias bonitos são aqueles com a temperatura em cerca de 22 graus, com sol, pouco vento, ou acima dos 30 graus, sol e praia. E esse nosso condicionamento, ou percepção unidireccional, nos faz dizer que os dias frios ou chuvosos são feios. O que considero uma injustiça com o frio e com a chuva.

Agora, qual seria a classificação que a nossa mente condicionada daria para um dia enfumaçado?

Pois é, há quase 3 dias que Buenos Aires está escondida sob um manto de fumaça, fruto das queimadas produzidas pelo setor agropecuário. E é tanta fumaça que já sinto saudade da velha nuvem preta dos canos de descarga dos automóveis, ônibus e caminhões.

E a roupa, os cabelos, os lençóis, as toalhas, tudo fica fedendo à fumaça. A sensação é a de ter os poros entupidos. A garganta e os olhos ficam irritados, e o Corpo, pelo menos o meu, se sente como se estivesse em uma panela de pressão, mesmo que eu nunca tenha estado dentro de uma.

Outra impressão é a de que a cidade vai ficar assim para sempre. Mas isso também acontece quando chove sem parar por mais de 5 horas.

Estou vendo que até agora eu falei (ou escrevi) sem parar, e não disse, explicitamente, o que quero. Simples. Quero vento. Quero chuva. Quero voltar a respirar sem sentir esse fedor de mato queimado. Quero caminhar sem me sentir, visualmente, em um show de reggae.

E aí, como vocês chamam um dia enfumaçado? Eu não o chamo de horrível, mas em Nome das minhas vias respiratórias, do meu aparelho circulatório, eu peço ajuda.

E à fumaça, se ela estiver lendo esta carta, eu peço trégua.

Suplicante,

I.R.

PS do dia 20 de abril: Não sei se você entende de computação, mas detesto o word que passa o que escrevo em português para um portunhol básico! :-)

Um abraço com o texto corrigido,

I.R.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Telefone Celular

Na era celular o que incomoda
É o próprio celular como aparelho
Pois me deixa com raiva, bem vermelho
Não sendo uma invenção maior que a roda

Mas por necessidade ou só por moda
Eles se reproduzem como coelho
E sem fio ou sem filho é um pentelho
Desculpem, mas é mesmo muito foda

E quando não respondem as mensagens
E me fazem gastar em três passagens
Me dá muita vontade de saber

Pra que merda se tem um celular,
Se por nada me obrigam a passear
Se não querem jamais me responder?

I.R.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Exposição

Se eu não posso mostrar o que escrevi
De novo escrevo então para mostrar
Pois quero os sentimentos publicar
Tal qual a lua nova que eu não vi

E as idéias que idéio por aqui
E as falácias que limpo em meu pensar
São praças onde eu volto a caminhar
Ao som de uma tonada ou um yaraví

E então todo eu me mostro sem me expor
Mas me exponho ao fazer com esta cor
Violeta como as dores todas minhas

E reescrevo o que escrito já estava
Mas já não conto o que ontem eu sonhava
Escrevo e me publico em entrelinhas.

I.R.

Por curiosidade... um yaraví:

domingo, 13 de abril de 2008

Carta para o Sr. Coto

Buenos Aires, 13 de abril de 2008

Prezado Sr. Coto,
Eu tenho certeza de que o senhor tem muito mais o que fazer do que ler uma carta minha, principalmente estando ela em português. Mas tenho certeza de que o senhor deve ter algum escra..., digo, funcionário, que conheça alguma coisa de português para lhe fazer a leitura em voz alta.

Gostaria de lhe dizer que não agüento mais o seu supermercado e as longas filas que ele me oferece todos os sábados. Eu entendo que ficar na fila uns 10, 15 minutos, é parte das regras do jogo. Agora, 45, 50 minutos, como ontem, acho que é um abuso.

Às vezes faço cálculos, e penso que se perco em média meia hora por sábado, em um ano terei perdido mais de um dia de vida dentro do seu estabelecimento comercial... na fila! Isso pensando em 30 minutos, não em 50, como ontem. O que o senhor pretende, colocar-nos nas prateleiras, vender-nos também? Acho que não vale o investimento, ainda sou mais osso do que carne, não sirvo para churrasco. Sou melhor para divertimento de cachorro.

Com certeza o senhor me dirá que eu tenho outros supermercados onde comprar. Mas não é bem assim. Dos 4 lugares onde morei aqui em Buenos Aires, tive o seu supermercado perto de mim por 3 vezes. E agora, para compensar a única vez em que o senhor não estava presente, tenho dois supermercados seus. E um deles, enorme.

Então o senhor vai me dizer que eu posso comprar pela internet. Ok, até poderia, mas não poderia comprar tudo. Produtos de limpeza, produtos enlatados, engarrafados ou empacotados, até poderia. Mas não compraria frutas, verduras, legumes e carne (espero que meus pais vegetarianos não estejam lendo isso, e se estiverem que passe por cima da frase como se não a tivessem visto) pela internet. Eu preciso olhar esses produtos, ver que cara têm, que cor, que cheiro. Isto é, não dá para fugir do seu reino, apenas que eu decida viver como faquir.

Se eu tenho alguma sugestão? Claro. Capacitação, senhor Coto. Capacitação. Os rapazes e moças que trabalham nos caixas são lentos, e são jogados ali como Daniel na cova dos leões, ou como cristãos no coliseu. O treinamento que recebem, se é que recebem, não é suficiente. Com certeza, assim é mais barato, ou estou enganado?

Não acredito que o senhor se ofenda com esta carta. Perceba que evitei falar em preços. Não porque veja nos seus domínios a cobrança do preço justo, mas porque já não adianta reclamar. Comida, todos continuaremos comprando, e, com o passar do tempo, de alguma forma assimilamos o aumento e voltamos a consumir produtos que estivemos por um tempo sem comprar. E sei também que nesse nosso capitalismo, não se cobra o preço justo, se cobra o preço que o senhor e seus amigos querem. Então, ok.

Mas será que é pedir muito para o senhor agilizar os caixas e a tortura de pagar as compras ser a mais rápida possível? Me diga uma coisa e eu termino minha carta por aqui... o senhor é sádico, ou faz isso só para sacanear?

Cordialmente,

I.R.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Peso

O peso da... prefiro não dizer
Pois prefiro que o sintam meus leitores
Sensações de alegrias ou de dores
O peso do... prefiro não prever

O peso das... espero acontecer
Emoções de tristezas e temores
De sonhos, de cansaço e de tremores
O peso dos... espero conhecer

Mas o peso não vive por si só
Pois por si mesmo é nada mais que um nó
Que eu desato e descubro alguns escombros

E eu vi que o leve é muito mais complexo
Porque a leveza é só um mau reflexo
Deste peso que eu levo sobre os ombros

I.R.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Coletivo

Desliza na avenida o coletivo
E eu individualmente reclamando
Quero viajar sentado, descansando
E n{ao como um zumbi, um morto-vivo

Do prazer de sentar então me privo
Enquanto aos meus dois pés estão pisando
Não me sinto De Niro ou Marlon Brando
Me sinto uma sardinha e com motivo

Pois este coletivo, água ou azeite,
Esta lata apertada quer que eu aceite
Que a vida é este viver todo apertado

Mas deixo nesta crônica um protesto
Eu quero me sentar, pois não sou resto
E não gosto deste ônibus lotado.

I.R.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Cortina de fumaça

Os cigarros que fumo nestes versos
Estão enegrecendo os meus pulmões
A fumaça me invade até os tendões
E eu termino um cigarro e um outro eu peço

Meus dentes amarelos, eu confesso,
Meus versos à procura de emoções
Meus dribles à procura de joões
Driblam a vida, os mundos e universos

Mas não vejo, por causa da fumaça,
Que minha liberdade é uma desgraça,
E que não sou assim tão libertário

Mas como este soneto é um exercício
Eu sei que o que vai ser o meu suplício
Será morrer de um câncer literário.

I.R.

domingo, 6 de abril de 2008

Carta para a pipoca

Buenos Aires, 6 de abril de 2008

Querida Pipoca,

estava tentando me lembrar hoje há quanto tempo nós nos conhecemos, mas por mais que me esforce, não faço a menor idéia.

Minhas lembranças mais fortes são de quando eu era pré-adolescente, católico, coroinha e ia à missa quase todos os domingos, e comprava dois saquinhos de você na Praça do Guarani, quase sempre fiando um deles, com o pipoqueiro tio da Beth. Na semana seguinte eu pagava a minha dívida e fazia uma nova. Era uma espécie de reprodução em escala menor do que fazem certos governos de certos países do terceiro mundo.

Comprava sua versão salgada. Não gosto da sua versão doce. Não colocava leite condensado, pois acho isso um crime, um ultraje ao seu sabor. E, não sei o motivo, mas eram sempre dois saquinhos. Talvez pelo prazer de sempre deixar um deles fiado.

Na escola, comprava uma prima sua, aquela que parece isopor, que vem em um saquinho cor de rosa. Essa só existe em versão doce, e também comprava dois saquinhos, um para cada bolso do jaleco que eu era obrigado a usar.

É, mas acho que seus dias estão contados. Parece que agora é mais interessante plantar milho para fazer combustível, o biocombustível. Talvez seja a hora de irmos comendo as últimas broas, os últimos angus, as últimas pamonhas, as últimas humitas, os últimos tamales, os últimos curaus, as últimas polentas, os últimos sorvetes de milho verde e as últimas pipocas. É que o milho na nossa mesa tem os dias contados. E no cabo de guerra entre as empresas e nós, consumidores, sempre vamos sair perdendo, porque, afinal, para que alimentar alguns milhões de pessoas se é possível ganhar mais dinheiro com a venda de combustível “mílhico”?

Reconheço que é necessário encontrar alternativas ao petróleo. Mas não podemos achar bom que alimentemos os automóveis ao invés de alimentarmos as pessoas, ou que os preços dos alimentos sejam tão altos que apenas parte das pessoas tenham dinheiro suficiente para se alimentar. Aceito que parte do milho se transforme em combustível, mas não entendo a ganância que impõe que seja todo o milho. E agora todos plantam milho. Ah, não, estava me esquecendo da soja... a soja é excelente para o biocombustível. Vamos todos plantar soja, e desmatar o que há para desmatar, afinal, o que é mais importante, algumas milhares de espécies de plantas e animais ou o progresso do país? Se é possível ganhar mais dinheiro com a venda de combustível “sójico”, para que vamos nos preocupar com a Amazônia, por exemplo?

Bem, minha amiga Pipoca, também chamada de Pororó, Popcorn, Pop-corn, Palomita ou Pochoclo, agora faço uma pausa para comer um saquinho seu, dessas de microondas, já que fica pronta em três minutos e meio. Prático, não? Sim, salgada, como sempre. Mas fique tranqüila que não costumo exagerar no sal, já que o sabor também fica meio ruim. Espero que você resista ao avanço do biocombustível, para que o meu filho possa gostar de você tanto quanto eu gosto.

Um grande abraço,
I.R.

PS: Quando falar com ele, diga ao Visconde de Sabugosa que lhe mando um grande abraço.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Um dos lados

Entre o que penso, escrevo e também falo
Não espero cem por cento de coerência
Mas quero respeitar a consciência
E não jogar palavras pelo ralo

Se o verbo eu não procuro escravizá-lo
E aceito ter em mim uma falência
É que sou personagens em vivência
Valores que eu não valho, mas não calo

E se os calos que eu tenho em minhas mãos,
Ou nas cordas vocais, são todos vãos
Não pretendo agradar os que me lêeem

Pois vocês só conhecem o que escreve
E que falha e o que fala o que não deve
Mas eu penso, e vocês isso não lêem.

I.R.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Escada

Se subir e descer é tão normal
Subir requer de nós bem mais esforço
Exige nos cansar, suar o torso
Se queremos chegar lá no final

Se buscamos o último degrau
Pra fazer carnaval, o nosso corso
É preciso mais força e mais reforço
E respeito por todos por igual

Mas mais fácil é descer do que subir
Mais fácil é despencar ou só cair
Como alguém que no fundo nunca muda

E nós não precisamos de algum santo
Pra baixo é fácil ir de qualquer canto
Pra baixo qualquer diabo nos ajuda.

I.R.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Carta para o Maniqueísmo

Buenos Aires, 2 de abril de 2008

Prezado Maniqueísmo,

imagino que a sua visão de mundo, dividida entre poderes opostos e incompatíveis, seja a maneira mais prática de se viver. Na sua prova de múltipla escolha, há apenas duas opções A ou B. Maneira prática, fácil e tentadora.

E, cá entre nós, se você escolheu um lugar para morar, esse lugar foi a Argentina, ou não? Não que aqui a vida esteja dividida entre poderes opostos e incompatíveis, mas quase. É Boca ou River, peronismo ou anti-peronismo, unitários ou federais, Crespo ou Batistuta (e se meu pai está lendo esta carta, deve estar se lembrando de uma história acontecida com ele certa vez em um táxi, mas isso é para outra carta), Canal 13 ou Telefe, etc, etc, etc.

Imagino que você não tenha querido morar no Brasil, porque não dá para dizer apenas Flamengo ou Corinthians, pois se não o que fazemos com o São Paulo, com o Palmeiras, com o Vasco, com o Fluminense, o Grêmio, o Internacional, o Cruzeiro, e tantos outros grandes clubes? Também não dá para dizer PT ou PSDB, pois teríamos que esquecer o DEM, o PMDB, o PDT e até o PSOL, que apesar de pequeno tem políticos com alguma projeção. Não podemos falar de Kaká ou Robinho. Temos que falar de Kaká E Robinho E Ronaldinho Gaúcho, se Deus quiser, com muita vontade de jogar.

Como você sabe, falo apenas sobre esses países porque é a realidade que conheço um pouco mais, não por causa de uma relação maniqueísta... ou Brasil ou Argentina... Não sei se você passou por outros países antes de se estabelecer por aqui. O que sei é que mesmo não se estabelecendo em lugar nenhum, o seu pensamento continuaria seduzindo boa parte das pessoas.

É tão fácil dizer... se não é bom, é mau. Se não trabalha, é vagabundo. Se trabalha demais, é um viciado em trabalho (ou tem problemas com o marido ou com a mulher). Se é gordo, é porque não pára de comer. Se é homossexual, é pedófilo. É simples e fácil e rápido classificar as pessoas, as situações e com isso tornar a nossa prova de múltipla escolha, que é a vida, uma avaliação mais fácil. E assim tentar conseguir uma boa nota.

Ame-o ou deixe-o. Isso disseram os militares sobre o Brasil em nossa última ditadura. Simples. Ou patriota ou comunista. Ou macho ou fêmea, ou sádico ou masoquista, ou preto ou branco, ou negro ou branco... e o azul, e o verde, e o vermelho, e o amarelo, e os gays, e as lésbicas, e os bissexuais, e os mulatos, e os caboclos, e os índios... onde ficam?

Não, senhor Maniqueísmo, o seu estilo de vida não é para mim. Passo. Prefiro um mundo com diferentes variantes, com diversas possibilidades. Nada nem ninguém é 100% bom ou 100% ruim.

Quem comete um crime, tem de pagar por ele. Mas essa é outra conversa. Defender um mundo sem a sua influência não significa que eu seja a favor de um mundo onde tudo seja permitido. Pensar que eu defendo isso seria um pensamento maniqueísta, se é que você me entende.

É por isso que eu já decidi. Depois de morto, não quero nem o céu nem o inferno. Prefiro passar uns tempos no purgatório, que é uma terceira opção.

Cordialmente,
I.R.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Urbano

Na busca da verdade, encruzilhadas
Encontramos aos montes por minuto
E é necessário ser bastante astuto
Pra fugir das verdades congeladas

Pois se podemos ir do nada aos nadas
Podemos ser gigante ou diminuto
Ou estarmos alegres ou de luto
É que as ruas não estão todas traçadas

E se não há verdade, mas verdades
Há mentiras em mim, sinceridades,
Há todos os desejos de uma vida

E eu querendo seguir vários caminhos
Me perco na verdade dos bons vinhos
Me encontro neste beco sem saída

I.R.