domingo, 6 de abril de 2008

Carta para a pipoca

Buenos Aires, 6 de abril de 2008

Querida Pipoca,

estava tentando me lembrar hoje há quanto tempo nós nos conhecemos, mas por mais que me esforce, não faço a menor idéia.

Minhas lembranças mais fortes são de quando eu era pré-adolescente, católico, coroinha e ia à missa quase todos os domingos, e comprava dois saquinhos de você na Praça do Guarani, quase sempre fiando um deles, com o pipoqueiro tio da Beth. Na semana seguinte eu pagava a minha dívida e fazia uma nova. Era uma espécie de reprodução em escala menor do que fazem certos governos de certos países do terceiro mundo.

Comprava sua versão salgada. Não gosto da sua versão doce. Não colocava leite condensado, pois acho isso um crime, um ultraje ao seu sabor. E, não sei o motivo, mas eram sempre dois saquinhos. Talvez pelo prazer de sempre deixar um deles fiado.

Na escola, comprava uma prima sua, aquela que parece isopor, que vem em um saquinho cor de rosa. Essa só existe em versão doce, e também comprava dois saquinhos, um para cada bolso do jaleco que eu era obrigado a usar.

É, mas acho que seus dias estão contados. Parece que agora é mais interessante plantar milho para fazer combustível, o biocombustível. Talvez seja a hora de irmos comendo as últimas broas, os últimos angus, as últimas pamonhas, as últimas humitas, os últimos tamales, os últimos curaus, as últimas polentas, os últimos sorvetes de milho verde e as últimas pipocas. É que o milho na nossa mesa tem os dias contados. E no cabo de guerra entre as empresas e nós, consumidores, sempre vamos sair perdendo, porque, afinal, para que alimentar alguns milhões de pessoas se é possível ganhar mais dinheiro com a venda de combustível “mílhico”?

Reconheço que é necessário encontrar alternativas ao petróleo. Mas não podemos achar bom que alimentemos os automóveis ao invés de alimentarmos as pessoas, ou que os preços dos alimentos sejam tão altos que apenas parte das pessoas tenham dinheiro suficiente para se alimentar. Aceito que parte do milho se transforme em combustível, mas não entendo a ganância que impõe que seja todo o milho. E agora todos plantam milho. Ah, não, estava me esquecendo da soja... a soja é excelente para o biocombustível. Vamos todos plantar soja, e desmatar o que há para desmatar, afinal, o que é mais importante, algumas milhares de espécies de plantas e animais ou o progresso do país? Se é possível ganhar mais dinheiro com a venda de combustível “sójico”, para que vamos nos preocupar com a Amazônia, por exemplo?

Bem, minha amiga Pipoca, também chamada de Pororó, Popcorn, Pop-corn, Palomita ou Pochoclo, agora faço uma pausa para comer um saquinho seu, dessas de microondas, já que fica pronta em três minutos e meio. Prático, não? Sim, salgada, como sempre. Mas fique tranqüila que não costumo exagerar no sal, já que o sabor também fica meio ruim. Espero que você resista ao avanço do biocombustível, para que o meu filho possa gostar de você tanto quanto eu gosto.

Um grande abraço,
I.R.

PS: Quando falar com ele, diga ao Visconde de Sabugosa que lhe mando um grande abraço.