quinta-feira, 30 de junho de 2016

transito

Foto: Heinz J. Reiter

crio curvas
em minha estrada de linha reta,
mas a linha nunca é direta
na hora de unir os pontos.
sou rua de sinal fechado,
avenida de sinal aberto,
sou ciclovia...
vazia...
vivo engarrafamentos
e o trânsito limpo que flui
sou faixa de pedestres,
silvestre e domesticado,
sobre o asfalto frio.
crio curvas
em minha estrada de linha reta,
e me curvo diante do mistério
de saber que as setas
não apontam...
só desbotam
em direção a lugar nenhum

I.R.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

valente

Foto: Guto Pinto

aquele momento
onde o mistério revelado,
abre novos mundos
e dá origem a novos mistérios,
aquele instante
em que a surpresa
diante da imagem
é um sinal de coragem,
pois ver e sentir é se apropriar...
aquela fração de segundo
diante da maravilha do tempo
capturado como registro
de livre interpretação
é um maravilhar-se atemporal
gerando outro maravilhamento,
brincadeira sem idade,
curiosidade,
gangorra visual.

I.R.

terça-feira, 28 de junho de 2016

o problema

Foto: Livia Lo Turco

o problema não é só o sistema,
esse sistema injusto,
o capitalismo selvagem nosso
de cada dia,
o problema é meu
por não combatê-lo,
não denunciá-lo.
o problema são as contradições
entre o que vivo e o que falo.
o problema não está no sistema
nem nos shoppings
ou nos caixas eletrônicos
o problema não está fora,
nunca está fora...
o problema é quando permito
que me arraste,
o final é quando me deixo engolir.

I.R.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

sobre ventos e marés

Foto: Antonio Manuel Pinto Silva

subo na marola
que corre pelo mar
como quem joga bolinhas
nas encostas nevadas.
confio nos ventos
e nesse descarrilar dos sentimentos
que não é loucura,
mas intensidade...
sinto intensidades contidas,
filtradas por razões aprendidas,
e pego essa marola que será onda,
que sei que me cerca, me ronda
pronta pra me dar o bote.
subo nessa onda, vagalhão que cresce,
quebra-mar que se rompe,
rasgando os medos amarrados com arame
deixando um caudal que renasce...
vagalhão que se faz tsunami.

I.R.

domingo, 26 de junho de 2016

sentir

queria sentir diferente,
pois senti pena...
mas compartilhei a tristeza
com um sorriso
dissimulado nos lábios.

I.R.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

eu poético

Foto: Ivo Alexandre Camargo

da minha cabeça saem ideias,
brotam eurecas
com uma lâmpada acesa.
da minha cabeça
nascem luminárias
como serpentes de olhos iluminados
como as dos cachos da medusa...
escrever não se trata da musa,
e nem mesmo se trata de mim.
pois o eu aqui escrito,
não pode ser exatamente descrito
ele tem vida curta
e não é o mesmo que surge
depois de cada ponto final.

I.R.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

concepção

Foto: Rafa Marco

não é a quantidade de pais
nem a de mães,
tampouco é a biologia,
mas o amor...
real, não uma alegoria,
o que fará de nós
melhores pessoas.
amar não é reprodução,
mas é na reprodução do amor,
independente de gênero,
que multiplicaremos os pães,
e geraremos justiça...

I.R.

terça-feira, 21 de junho de 2016

babel

Foto: José Roberto Bassul

o problema não são as muitas línguas,
porque diversidade é bom
e cada idioma
carrega em si uma forma
de ver o mundo,
de pensar o humano
e se relacionar com a transcendência.
problemática é a falta de comunicação,
(que, inclusive, excede a fala)
é trocar palavra por bala,
armar uma estrutura exclusiva,
sem querer entender
que o andaime é de todos,
palco de nossos malabarismos,
cenário de letras e algarismos
onde nos conectamos
apesar de nossas diferenças

I.R.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

quebra-nozes

Foto: Antonio Manuel Pinto Silva

a vida é labuta,
e mais do que luta,
ela é dança,
é balé...
vida na ponta do pé
e treino,
assim o difícil parece fácil,
e a dor não se vê mais
do que a beleza.
vida de piruetas
como baryshnikov...
vivências de esquivas,
como muhammad ali

I.R.

domingo, 19 de junho de 2016

em órbita

Foto: Jorge Amon Filho

na cauda de um cometa
de cabelos longos
coloquei meu não saber...
qual calda de chocolate,
como o sabor dos sonhos
que se desmancham nos lábios
pés? para quê?

I.R.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

as voltas da vida

Foto: Antonio Manuel Pinto Silva

as voltas da vida
não são círculos perfeitos,
mas sinuosidades,
acertos e defeitos.
as voltas da vida
são dedos desenhando na areia,
são meia volta e volta e meia,
são um looping,
são um doping...
as voltas da vida...
e o mundo girando
quando se fica tonto
e o corpo para de rodar

I.R.

terça-feira, 14 de junho de 2016

de pérola e glamour

onde quis pérolas,
um rastro de migalhas,
um resto de farelo mofado,
que nem os patos, de peito estufado,
querem comer.
onde quis pérolas do oriente,
bijuterias de um glamour ausente
me ofuscam nos camelôs...
onde quis eternidade,
resta a espera do rapa,
pra começar a correr.

I.R.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

na ponta do cacto

na textura do cacto,
o contato dos dedos
com a ponta dos espinhos,
sem carinho,
sem humanidade,
como um sono de cem anos,
feitiço no fuso da roca...
e a lágrima do cacto,
gota derramada,
na falta de um pacto de sangue
de que deveríamos
ser todos humanos

I.R.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

barulho

falo demais...
e escrevo demais
porque falo demais,
gero ruído
em um mundo já barulhento,
onde em pouco contribuo.
não quero o silencio dos que se calam,
mas se não silencio
é porque me escondo
sem falar do que realmente importa.

I.R.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

o aviso

Foto: Sergi Ronald

sob a luz tênue, o aviso
não estacione
não estacione
esconde o que não está escrito...
então, siga em frente,
se emocione,
se afaste das frias paredes
de uma contenção ilusória.
nenhum muro pode nos defender,
nenhuma fortaleza poderá nos proteger...
nada do que fizermos
irá evitar os sustos do inesperado
e nossos surtos de grandeza.

I.R.

terça-feira, 7 de junho de 2016

farol

Foto: Igor Ravasco

só navego como metáfora,
porque não sei navegar,
não tenho um barco,
temo as tempestades
e receio me enjoar...
mas navego na metáfora
e no farol que orienta,
luz espalhada
num prisma de arco-íris...
não confio em portos seguros,
viver é arriscar,
é descobrir...
metáfora dos sete mares,
história do descobrimento,
metáfora de um navegador errante
que entende
que nem todos os caminhos levam a roma

I.R.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

serpenteio

Foto: Jacqueline Hoofendy

não há pecado
na desobediência
onde o original
foi o desejo de originalidade.
conhecer o bem e o mal
decidir assumindo consequências,
crescer e ser humano...
o homem não nasce com manchas
que precise lavar
nasce para ser livre,
até de quem crê que o criou

I.R.

domingo, 5 de junho de 2016

alquimia

Foto: Silvio Dutra

bata os preconceitos no liquidificador,
peneire as ideias,
corte a raiz do machismo,
incorpore tolerância à massa
e sove com paciência
até ficar elástica
jogue no lixo as cascas de ódio,
cozinhe as verdade à parte...
marque o tempo,
asse a fogo lento,
mas cuidado para não queimar.
com a pedra filosofal nas mãos
transmutamos elementos em ouro,
obtemos o elixir da vida eterna...

I.R.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

via láctea

Foto: Wanderley Rocha

entre cruzeiros do sul
e três marias,
entre ursas maiores
e menores,
estrelas polares
vênus
e a suposta estrela de belém
pouso meus olhos...
entre as leis de kepler
e o cinturão de kuiper,
galgo galáxias,
nado nebulosas...
solto a veia cômica
entre a poeira cósmica,
para não perder a cordura,
para manter a doçura,
e ser nada junto com o nada

I.R.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

batalha naval

Foto: Bernard Chevalier

todos os dias nos desviamos
de cruzadores
e de cruzados em campanha...
porque todos os dias nos desviamos,
com vontade de nos desviar...
todos os dias driblamos encouraçados,
vestidos com nossas couraças,
nem sempre justas,
nem sempre certas,
porque não sabemos como nos libertar...
todos os dias nos escondemos
como submarinos,
olhando o vasto oceano pelo periscópio,
por prudência e por falta de coragem,
nos desviando das cruzadas
míopes, cegas, injustas e mesquinhas,
encapsulados no fundo do mar.
batalha de todos os dias
contra os quadrados que nos limitam,
munido de astrolábio e quadrante,
navegando a todo instante,
com um olho fixo no horizonte
e o outro na estrela polar.

I.R.