sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Dia extra

Eu, sem linearidade e sem contexto,
Só persigo uma idéia e sou romeiro
E sou passista urbano e passageiro
E os vários personagens do meu texto

Neste 2008, ano bissexto,
29 do mês de fevereiro,
Eu preciso dizer (eu cangaceiro):
Pra viver não preciso de pretexto

Mas eu sou do cangaço e da volante
Eu sou a inconsistência de um instante,
Cegueira de Lampião, rei do cangaço

E não sou o que faz, sou o que atiça,
Justiceiro não sou, quero justiça
Quero a força que faz o que eu não faço.

I.R.

Eu tenho fé na deusa Coca-Cola;
Na santa Disneylândia eu tenho fé;
Nos mocassins da Itália crê meu pé;
E da Kellogg's eu creio em sua granola.

No McDonald's creio, pois se imola
Por mim, e me oferece um bom café;
Também creio na Volks, como ela é,
E só não tenho fé em marca de bola.

A minha fé, de mim é o que mais prezo,
Eu tenho muita fé e sempre rezo
Com cheque, com dinheiro e com cartão.

E meus deuses estão sempre contentes,
Pois e meus irmãos, embora doentes,
Não deixamos jamais nossa oração.

I.R.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Meias mentiras

Verdade que conheço é o nascimento
Deste conhecimento que eu não tive
Pois só conhece aquele que já vive
E só nasce o que vive o vão momento

Das verdades eu quero o firmamento
Quero meias verdades que não tive
Pois não sei se ao nascer eu lá estive
E só quero afirmar conhecimento

Eu só quero nascer, - e nada mais -
Que a vida e o conhecer sejam meus pais,
Quero estar quando quebrem minhas grades.

(Mas verdades não são pra serem ditas,
Nem todas as verdades são escritas,
Nem todas as verdades são verdades.)

I.R.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Carta para o blogueiro Jose Francisco

Buenos Aires, 26 de fevereiro de 2008

Prezado José Francisco,

Depois de ter lido uma entrada sua no blog http://lagosalternativa.blogspot.com/, não pude deixar de escrever para você.

Preciso escrever para dizer que estou de acordo com você que eventos como o Cabofolia, feitos de qualquer maneira para o enriquecimento a qualquer custo são uma porta aberta para tirar o sossego e a paz dos moradores, não só de Cabo Frio, mas de qualquer cidade que o abrigue. Concordo em que muitas vezes o relacionamento homem-mulher de uma micareta, ou mesmo do carnaval de Salvador, reproduz velhos e pré-históricos conceitos de machismo, onde a “pegação” é a base de tudo, e a mulher também se torna parte importante desse processo, não mais apenas como objeto da “pegada”, mas também como “pegadora”.

Estou de acordo que a “fauna” atraída pelo Cabofolia é, em sua maioria, aquela formada pela massa pouco ou nada crítica, mas entrar numa discussão profunda sobre a massa não pensante, não crítica, de manobra, vaquinha de presépio, chame como quiser, não seria para uma carta, mas para um tratado sociológico. Só gostaria de dizer que esse tipo de pessoa não é exclusiva de eventos como o Cabofolia, mas encontramos todos os dias pelas esquinas, blogs, orkuts, shows de rock, casas de forró e barzinhos com música ao vivo da vida.

Agora, você já sabe, não é, depois de tanta concordância, vem a discordância. E onde eu discordo totalmente de você, é ao dizer que isso é fruto do axé. Você, textualmente diz: O axé representa tudo aquilo contra o qual eu e muita gente de bem luta. O que é isso, José? E a favor de quê essa gente de bem luta? (Essas definições sempre me causaram medo... gente de bem...) Se a gente de bem luta contra o axé, qual é o papel nesta farsa para quem gosta desse estilo musical?

Esta carta não pretende ser uma defesa incondicional da axé music, já que não sou fã de carteirinha do estilo e não curto grupos como É o Tchan, Companhia do Pagode, Terra Samba, Tchakabum, pois acho que suas letras são apelativas, e toda a sua estética parece ser um comercial de açougue, com a exibição de carnes nas vitrines. Mas reconheço que, ao menos, o grupo É o Tchan tem ou tinha uma enorme base de samba de roda baiano.

Sabe, José, o “inimigo” neste caso, é a mídia musical que aliena e determina o que escutar, é o empresário que pensa apenas no seu lucro sem se importar com o bem-estar da população, mas não é o axé. Ou você vai me dizer que não existem grupos de rock alienantes? Ou você vai me dizer que todo rock é independente e libertário e nenhum grupo responde aos interesses da mídia musical? Ou ainda, você se arriscaria a dizer que o show dos Stones em Copacabana foi um mar de tranqüilidade?

O “inimigo”, José, é o círculo vicioso que faz com que, na falta de educação, elejamos governantes que fazem seus próprios negócios e que até na prática do pão e circo, nos dão apenas circo, e não nos dão o pão da cultura (sem falar no pão comida mesmo). E é essa falta de educação cíclica que nos faz manobráveis, governáveis, influenciáveis pelos caprichos da moda e da mídia musical. A mesma mídia que nos vende Terra Samba nos vende NXZero. O mesmo gosto pelo dinheiro que cria o Cabofolia, leva os Stones para o Rio (evento que não foi organizado por altruísmo, já que não existe almoço grátis, tem sempre alguém pagando).

Bem, José, é isso. Não escrever um testamento. Talvez volte ao assunto em outra carta. Manda um abraço para aquela sua amiga, a Ana, de Portugal. A gente se vê por aí.

Um abraço,

I.R.

PS: Fiquei pensando, os que participaram da Marcha da Família com Deus pela Liberdade também se consideravam gente de bem. Ou não?

Chicléeeeeeeeeetêeeeeeeeee!!!

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Mesa posta

Estão colher e garfo, está a faca
E sobre a mesa está também a taça
Eu estou com a fome de uma traça
(E por fome, com rima e imagem fraca)

Inteira comeria até uma vaca
Querendo recomer a minha graça
Vomitando os desastres e a desgraça...
(Sobre a mesa a colher, o garfo e a faca.)

Sobre a mesa arrumada com carinho
Me espera uma garrafa de bom vinho
Me espera uma panela de ideais

Pois a mesa arrumada pra quem gosta
A mesa posta está, está bem posta
Está posta pra ceia dos demais.

I.R.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Valete ou Coringa?

Fui pruma jogatina no Carvalho,
Com pôquer, bacará, também roleta,
Mas como a minha sorte está bem preta,
No dominó perdi, e no baralho.

Joguei o que eu não tinha e o que eu não valho,
Tentei até fazer uma mutreta,
Mas sem cara-de-paus e sem careta,
Passei no fio da espada do trabalho.

Pra casa do Carvalho fui confiante,
Mas o rei de ouros, de outros, num instante
Me prendeu, como um polvo, um octopus

E o meu bolso, o mais pobre dessas eras
Teve seu dado doado pras panteras
Dado à dama de copas e de copos,

I.R.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Carta para uns falsos profetas

Buenos Aires, 21 de fevereiro de 2008

Sres. Falsos Profetas,

Pensei muito se devia escrever-lhes esta carta ou não, mas acredito que me calar, fingir que nada está acontecendo ou aconteceu, seria uma covardia muito grande para adicionar à minha longa lista de covardias.

Acho incrível como falar é fácil. Como diz a minha mãe, e não sei com quem ela aprendeu, as pessoas falam porque língua não tem osso. Por que estou dizendo isso para vocês? Porque sei que vocês andam por aí falando de amor. Mas de que amor vocês podem falar?

Sabem aquelas pessoas que comem mortadela e arrotam caviar? Com vocês é parecido. Vocês vivem rancor, discriminação, indiferença, moralismo e arrotam virtude, e saem por aí pregando o amor.

De que amor vocês podem falar, quando para vocês os que devem ser bem tratados são aqueles que já pertencem ao seu rebanho? Cegos! Então não vêem que as pessoas podem ser boas indepente do deus que adoram ou da filosofia que seguem? Que um ateu pode ser tão boa ou melhor pessoa que alguém que está todo dia por aí batendo na porta dos outros para convertê-los ou de alguém que passa o dia ajoelhado dentro de uma igreja?

Mas não sou eu quem vai apontar para vocês na rua, a fim de que todos vejam a máscara que usam e como por trás dessa aparência existe a cara da amargura, da tristeza e do ressentimento. Vocês sozinhos se encarregam de cair em contradição, e o amor que pregam, e o deus que defendem (esse deus mesquinho), e que querem impor aos demais, se mostram como são… vazios.

Falsos Profetas, acordem, despertem. Despertem para a realidade de que o amor não pode seguir uma lista de regras. Desçam dos seus pedestais, desçam da torre de onde vigiam, não a vinda de algo bom, mas a vida dos que não são como vocês. Desçam e descubram que o paraíso e a felicidade podem ser vividos agora e que o fim do mundo chega para todos no dia da morte de cada um.

E eu espero que um dia nós possamos nos encontrar, com a esperança de que não haja crítica, de que não haja um porém. Espero que um dia vocês possam parar de falar de amor, para descobrir o que é sentir amor, pois vocês sabem que isso jamais sentiram.

Enquanto isso, falsos profetas, peço a Jeová, Deus, Alá, Olodumaré, Zambi e Tupã que perdoem vocês, pois não sabem o que fazem.

Cordialmente,
I.R.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Tempo

Um relógio parado sobre a mesa,
Já guarda a minha foto e me vigia,
Marcando essas não horas do meu dia,
E os não segundo todos com clareza.

São cinco para às dez, e com certeza,
Eu já não ouvirei sua gritaria,
Que tenta me acordar, fotografia,
E nem seu tique-taque com franqueza.

Sou foto numa noite interminável,
E vivo o não bater tão agradável
Do relógio do dia que não passa.

E assim como não passam já os instantes,
Não penso em amanhã, tampouco em antes,
Apenas no presente e na sua graça.

I.R.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Cem bairros portenhos

Eu me aposento agora, eu me retiro,
Não ponho em minha boca um verso ao menos,
Não quero flores mortas, véu de Vênus,
Ferido com palavra, com ela firo.

Na floresta, o meu último suspiro
Eu vou dar como os outros, tão serenos,
Sem abasto pros planos meus, tão plenos,
Vou queimar estes versos que respiro.

Vou queimar as barrancas e as barracas,
E beber das barricas, das cloacas,
Descansar os meus versos no final.

E planto nessa nova agronomia,
Coleta e recoleta da alquimia,
Procurando aprender ser paternal.

I.R.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Carta para papai e mamãe

Buenos Aires, 18 de fevereiro de 2008.

Amados papai e mamãe,

Espero não ter errado a data, mas sei que se não foi no dia 18, foi no dia 19 de fevereiro que lá nos idos de 1970 vocês se casaram.

Já se passaram 38 anos de casamento. Apesar de saber que papai costuma comemorar a data no dia 3 de novembro, dia em que vocês começaram a namorar, nós sabemos que a alegria e o frescor do namoro não se comparam ao dia-a-dia de alegrias e dificuldades de um casamento. A rotina de um namoro não se parece nem de longe à rotina de um casamento. E sei que vocês também sabem disso.

Quantas histórias vocês já viveram juntos, não? Quantas risadas, quantos choros, quanta alegria, quanta dor, quanto erro, quando acerto, quanta vida...

E hoje estou aqui para agradecer pela insistência de vocês em que desse certo. Olho para vocês de longe e os vejo muito diferentes um do outro. E é nessa diferença que percebo que se completam, que são uma só carne, como diz o livro.

Papai mais delirante (com todo respeito), mamãe mais pé no chão. Papai místico, mamãe prática. Papai dando um duro no trabalho, mamãe dando um duro em casa e na administração do dinheiro que papai pede até para ir trabalhar. Papai politizado, mamãe politizada, papai culto, mamãe culta, papai carinhoso, mamãe carinhosa, papai poeta, mamãe musa.

Obrigado por terem apostado tudo nesse casamento. Obrigado, mamãe, por ter insistido em que valia à pena, e obrigado, papai, por ter se tornado melhor pessoa. Obrigado por terem me dado a vida e cuidado dela por tantos anos. Obrigado por serem meus amigos e por estarem sempre presentes.

Só sinto muito vocês torcerem pelo Flamengo, mas é melhor não falarmos disso. Já que hoje quem sente muito em torcer pelo Vasco sou eu. Mas a vida é assim, não somos perfeitos, nem eu, nem vocês.

Espero que vocês possam vir conhecer o neto. E tomara que no fim do ano o neto possa ir até vocês, com o pai e a mãe dele incluídos.

Continuem sendo muito felizes! Amo vocês,

Um beijo,

Seu filho.

PS: Quando Edmundo foi bater o pênalti, vocês não ficaram aliviados de antemão?

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Criação

Quem foram criador e criatura
Quem fez a quem, quem foi o marceneiro
O filósofo, o ator, o bonequeiro
Quem pôs a mão na massa e fez mistura

Quem foi o pai de amor, o de doçura
Quem fez o pão do céu, quem foi padeiro
Quem foi que deu a vida por inteiro
E por primeiro fez uma diabrura

Eu quero oferecer minha resposta
Que eu ganhei na roleta, numa aposta
Minha resposta a crentes e ateus

As dúvidas, não mais, não me consomem
Na evolução foi Deus quem fez o Homem
E na outra mão, o Homem criou Deus

I.R.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Década portenha

Buenos Aires, madrasta com doçura
Amar-te e te odiar é condição
Pra viver em teus bairros, este chão,
Pra sorrir, em teus braços, de amargura

A tua tristeza aberta, alegre e pura
Alegria - amargor, contradição,
Tem no tango a sua máxima expressão
E na murga o sabor da pele escura

E eu bem sei, Buenos Aires, do meu risco,
Andando na Florida, no Obelisco,
De ser apenas um dos seus mil bichos

Mas sigo te enfrentando com mestria
Dez anos numa quase idolatria
Rendido ao teu rigor e aos teus caprichos.

I.R.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Carta para uma amiga

Buenos Aires, 12 de fevereiro de 2008

Querida amiga,

a gente não percebe como os anos passam rápido. Sei que é um pouco lugar-comum dizer isso, mas os anos voam. A vida passa na velocidade de um raio ou de um piscar de olhos. (Introdução típica da "Filosofia de Bar".)

Parece que foi ontem... eu estava na faculdade, era uma quinta ou sexta-feira, quando meu pai nos apresentou e disse que eu seria seu aluno no ano seguinte. E fui seu aluno, e sendo seu aluno me tornei seu amigo.

Os anos passam, minha amiga, e a gente não percebe que deveria ter dito certas coisas específicas, e, se as dissemos, nunca temos a certeza de se as dissemos da maneira como gostaríamos de tê-las dito. Sei que parece confuso, mas para quem entendia a minha letra e as minhas idéias nas provas, isto aqui não é nada.

Não posso deixar de agradecer a você por ter me apresentado Cortázar quando eu estava no terceiro ano de faculdade, apesar de sua matéria ser Literatura Portuguesa. Não posso não agradecer a você pelo enorme incentivo que me deu quando eu dava meus primeiros passos poéticos. A sua paciência na hora de ler meus rabiscos, de dar idéias e até de tentar me fazer publicar (em papel), coisa que, afinal, todos já sabemos, não aconteceu.

Há mais ou menos 5 anos não nos vemos, ou não nos víamos. Nesse período, eu sei que você ficou doente e pelo que me disseram, você já não era você. Há alguns meses procurei seu nome no Google. Havia um endereço de e-mail, mas já estava desativado e a mensagem voltou.

Há mais ou menos 5 anos não nos vemos, ou não víamos, mas eu tinha a esperança de voltar a vê-la, de que você estivesse bem e tivesse voltado a ser você. E que a gente pudesse bater um bom papo, e que você me contasse as suas histórias e que eu contasse a você sobre este blog enquanto o samba corresse solto entre um copo e outro de cerveja.

É, amiga, mas não vai dar. Nesta vida já não vai dar. A esperança, neste caso, morreu. Ficam comigo as histórias. Ficam as boas lembranças. Ficam nossas reuniões com outros professores e vários colegas no Dose Dupla. Ficam os poemas que escrevi na sua casa tomando café da manhã. Fica também a ausência destes últimos anos, alheia à minha vontade.

Quem sabe, um dia a gente se encontra? Só não tenho certeza se tem cerveja no céu.

Um beijo,
I.R.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Circo ou castelo de cartas

Um castelo de areia em Castelar,
Um castelo de cartas já marcadas,
Um circo sem leões ou palhaçadas
Eu fiz e vi sozinho desabar.

Um castelo, nas nuvens, solto no ar,
As cartas, de um castelo, enfeitiçadas,
Circo onde sou as feras mais domadas
Eu vi e vi sozinho terminar.

Porque os castelos têm os seus revezes
E as cartas (ou os e-mails) têm suas teses
E o circo somos nós, um picadeiro.

E em Castelar desabam meus castelos
E os naipes e as mensagens são farelos
E o circo queima a lona e não há bombeiro.

I.R.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Palavreado

Palavras complicadas não são Belas
São apenas difíceis de entender
Palavras que são ditas sem prazer
São as doenças que deixam as seqüelas

As palavras, pro mundo, são janelas
Word, excell, windows, Gates e o saber
Portas pra desbravar e conhecer
Palavras em quem penso, e eu penso nelas

Palavras não são feias nem bonitas
Não estão traqüilas, calmas ou aflitas
Não estão num castelo com um fosso

Até que uma palavra descobriu
Que paz é igual a puta que pariu
E o verbo se fez carne para o almoço

I.R.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Carta para um telespectador

Buenos Aires, 7 de fevereiro de 2008

Prezado professor de inglês, o telespectador,

Não estou escrevendo para você para trocarmos figurinhas sobre nossas aulas, afinal, sou professor de português, e meu inglês é pior do que o do Falcão cantando Black People Car.

Preciso confessar uma coisa a você. Estive ouvindo uma conversa sua com outra professora, e não pude deixar de achá-la... hhhmmmm... como dizer... bem, divertida, para não dizer muito instrutiva no que se refere à contradição humana.

O que primeiro me chamou a atenção foi quando você disse a ela que adorava ler, que gostava mais de ler do que de ver televisão. Ela disse a você que também, e que nem possuía tal aparelho. Ao que você acrescentou que isso era ótimo, e que você até gostaria de não ter tevê, já que é fácil ligar o aparelho e se ver acompanhando algum programa apelativo, bobo, culturalmente vazio, ridículo, uma típica perda de tempo.

Primeiro ponto: desde quando a televisão nos dominou ao ponto de sermos obrigados a assistir os seus programas mesmo quando não queremos? Se realmente você prefere ler, não entendo porque não usa o controle remoto para desligar a tevê. Ah, mas televisão não é coisa de intelectuais, eu tinha me esquecido.

Bem, a sua conversa prosseguiu, e eu já não insistia mais em tentar ler o meu livro (a sua conversa estava tão interessante quanto). E, confesso, quis pular da poltrona onde estava quando você disse que mesmo preferindo ler e admitindo ver (ah, sim, a contra-gosto, tinha me esquecido) os piores programas da televisão argentina, o problema da televisão era que a TV a cabo custa caro. E gastar 80 pesos para ter acesso a não sei quantos canais é um absurdo.

Segundo ponto: que parte eu perdi... afinal, você gosta de televisão e é pão-duro, ou estava querendo tirar onda de intelectual?

Não acredito que a televisão emburreça, nem que não vê-la seja sinônimo de alguma coisa. Acho que os programas devem ser vistos com olhos críticos, mas os jornais também devem ser lidos com os mesmos olhos, e também os livros, e as músicas que ouvimos e as conversas que temos, e o trabalho que fazemos... acho que nunca devemos perder esse olhar crítico... se bem que é tão fácil desligá-lo. Mais fácil do que desligar a televisão.

Talvez não interesse a você, mas eu também gosto de ler... e de ver televisão... e de ouvir música. Em casa, prefiro ver televisão. No metrô prefiro ler. Nos ônibus a melhor pedida é música. Esperando os alunos prefiro ler, quando não fico ouvindo conversas alheias como a sua. Essa divisão não é tão estrita assim. Procuro evitar esses costumes por medo ao TOC.

Vou ficando por aqui. Morfeu me chama.

Um abraço,

I.R.

PS: Se você encontrar o Francisco Miguel de Moura, diga a ele que o Blog dele é muito interessante e que lhe mando um abraço. Agradeça por ele ter lido um de meus poemas e feito um comentário gentil.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Marimbondo

Um marimbondo voa sobre mim
E pousa, sem pedir, sobre a cabeça
E espero que se vá, desapareça
Mas desce pela barba até seu fim

Eu sem saber do que ele está a fim
Peço que o marimbondo só me esqueça
Rezo pra que ele não se estabeleça
Nem peça pra que eu diga sempre sim

Mas ele é insistente e curioso
E eu temo até o temor de ser medroso
O medo de temer a luz que míngua

E o marimbondo a ler os meus segredos
Voa por entre todos os meus medos
Ferroa sem perdão a minha língua.

I.R.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Sua responsabilidade

Se o seu filho é um tarado pense bem
Antes de colocá-lo num colégio
Pois de freiras seria um sacrilégio
Só de homens, problemas mil também

Numa praia nudista sem ninguém
Ao seu filho um conselho bom e régio,
O canto da sereia é sortilégio
E a vida vale mais do que um vintém.

Porém se você crê que tem um santo,
Esqueça os meus conselhos, o meu canto,
E deixe tudo isso para um lado.

Mas vi seu filho atrás de uma vizinha,
De uma cabra, uma pedra e uma galinha,
E sei que o seu filhinho é um tarado.

I.R.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Carta para um folião

Buenos Aires, 2 de fevereiro de 2008.


Prezado folião,

Para dizer a verdade, nem sei por que estou te escrevendo. Você agora está na folia, e não vou ficar aqui discutindo se você está ou não feliz. Não vou ficar filosofando sobre a alegria ou a falsa alegria do carnaval. O fato é que agora você está indo atrás do trio elétrico, está se preparando para ir ao sambódromo (o de São Paulo, ao do Rio só amanhã), já saiu no bloco, já foi atrás do Galo da Madrugada, e eu, meu amigo estou aqui, sentado na tampa da privada, pois este é o único lugar limpo da minha casa.

Sabe, folião, quero logo esclarecer uma coisa, não estou com inveja. Gosto muito pouco desse carnaval que vejo pela tevê. Gostava de ver as Escolas de Samba, pelo menos quando era pequeno. Hoje, até isso perdeu um pouco a graça. Serão os efeitos da portenhização, se perguntará algum leitor. Posso garantir que não. O carnaval nunca foi meu forte.

Não me importa que você esteja no bloco da Ivete, ou no Camaleão. Não me importa se você vai desfilar na Mangueira, ou saiu no Simpatia é Quase Amor, ou no Bloco do Feijão. Eu não tenho, não sinto inveja de você.

Agora, adoraria poder Estar, com E maiúsculo na minha casa, tomando a mesma cerva gelada que, com certeza, você está tomando agora.

Hoje começa o carnaval portenho. Aqui, ao contrário daí, era feriado nacional. Mas a última ditadura retirou esse feriado do calendário. Na terça-feira vai haver uma passeata, no mínimo, diferente. Os grupos de carnaval daqui vão protestar querendo o feriado de volta. O carnaval daqui resiste.

E não me importa se a alegria é falsa ou verdadeira. Há tanta coisa falsa correndo solta por esse mundo. Só gostaria, folião, que essa cerva que eu tanto gostaria de tomar e que você, com certeza, está tomando, fosse apenas isso, uma cervejinha, e não uma arma solta na mão de um maluco inconseqüente. Que a sua festa respeite a festa alheia, e que todos, felizes ou falsamente felizes, possam chegar em casa em paz.

No mais, feliz dia de Iemanjá, use camisinha e respeite as pessoas que não curtem (tanto) o carnaval.

Um abraço,

I.R.

PS: Para você ver outro carnaval... é um pouco longo e talvez canse ver tudo. Mas vale pela questão cultural, e de estar disposto a conhecer outras coisas. Mas isso é assunto para outra carta.