quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Carta para um telespectador

Buenos Aires, 7 de fevereiro de 2008

Prezado professor de inglês, o telespectador,

Não estou escrevendo para você para trocarmos figurinhas sobre nossas aulas, afinal, sou professor de português, e meu inglês é pior do que o do Falcão cantando Black People Car.

Preciso confessar uma coisa a você. Estive ouvindo uma conversa sua com outra professora, e não pude deixar de achá-la... hhhmmmm... como dizer... bem, divertida, para não dizer muito instrutiva no que se refere à contradição humana.

O que primeiro me chamou a atenção foi quando você disse a ela que adorava ler, que gostava mais de ler do que de ver televisão. Ela disse a você que também, e que nem possuía tal aparelho. Ao que você acrescentou que isso era ótimo, e que você até gostaria de não ter tevê, já que é fácil ligar o aparelho e se ver acompanhando algum programa apelativo, bobo, culturalmente vazio, ridículo, uma típica perda de tempo.

Primeiro ponto: desde quando a televisão nos dominou ao ponto de sermos obrigados a assistir os seus programas mesmo quando não queremos? Se realmente você prefere ler, não entendo porque não usa o controle remoto para desligar a tevê. Ah, mas televisão não é coisa de intelectuais, eu tinha me esquecido.

Bem, a sua conversa prosseguiu, e eu já não insistia mais em tentar ler o meu livro (a sua conversa estava tão interessante quanto). E, confesso, quis pular da poltrona onde estava quando você disse que mesmo preferindo ler e admitindo ver (ah, sim, a contra-gosto, tinha me esquecido) os piores programas da televisão argentina, o problema da televisão era que a TV a cabo custa caro. E gastar 80 pesos para ter acesso a não sei quantos canais é um absurdo.

Segundo ponto: que parte eu perdi... afinal, você gosta de televisão e é pão-duro, ou estava querendo tirar onda de intelectual?

Não acredito que a televisão emburreça, nem que não vê-la seja sinônimo de alguma coisa. Acho que os programas devem ser vistos com olhos críticos, mas os jornais também devem ser lidos com os mesmos olhos, e também os livros, e as músicas que ouvimos e as conversas que temos, e o trabalho que fazemos... acho que nunca devemos perder esse olhar crítico... se bem que é tão fácil desligá-lo. Mais fácil do que desligar a televisão.

Talvez não interesse a você, mas eu também gosto de ler... e de ver televisão... e de ouvir música. Em casa, prefiro ver televisão. No metrô prefiro ler. Nos ônibus a melhor pedida é música. Esperando os alunos prefiro ler, quando não fico ouvindo conversas alheias como a sua. Essa divisão não é tão estrita assim. Procuro evitar esses costumes por medo ao TOC.

Vou ficando por aqui. Morfeu me chama.

Um abraço,

I.R.

PS: Se você encontrar o Francisco Miguel de Moura, diga a ele que o Blog dele é muito interessante e que lhe mando um abraço. Agradeça por ele ter lido um de meus poemas e feito um comentário gentil.