domingo, 31 de maio de 2009

dor

concordo com o meu amigo
quando ele, no auge ou no início
de uma nova situação,
diz que dói.
e me dói plagiá-lo,
mas não tenho culpa
se a dor que carrego em mim
é parecida com a dele.
é uma dor, assim, repetida,
anáfora
analisada por uma analista
que jamais esqueci.
é uma dor anatômica,
encaixada no meu coração,
como se encaixa
no coração do outro poeta
uma dor que não é vã.
é uma dor analítica
analisada por um análogo marxista
que, segundo meu critério anarquista,
não compreende muito de análise,
mas diz tudo para me agradar.
é uma dor que vem, não vai, e que tem volta,
e que nenhum analgésico a fará passar.
é uma dor que dá nos poetas
e que nem um ou nenhum anagrama, um dia, há de curar.
é uma dor que vive em mim, inexplicada,
anamnese que não se pode esfacelar.

I.R.

sábado, 30 de maio de 2009

Vigésimo-primeiro bilhete para um world músico

Buenos Aires, 30 de maio de 2009

Prezado,

sabemos que a alegria não tem idade, não tem gênero nem classe social. Estar alegre é um estado que nem depende de nós. Não somos. Estamos ou não. O que sim é claro para mim, é que quando ela se faz presente, devemos abraçá-la, celebrá-la, vivê-la, como se fosse a última (ou a primeira) vez.



Um abraço,

I.R.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

bhavachakra



princípio

uma raiz traz
a planta que brota

enquanto não há terra
o algodão molhado a alimenta
e eu coloco luvas de jardineiro

ela cresce, se fortalece, marca o meio

eu uso as suas flores num buquê
as suas frutas me alimentam
sua sombra me reconforta

mas existe um machado
salva-se a raiz

princípio

I.R.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

dadaísmo concreto

peito
aço
maravilha
beija
flor
maravilha
helicóptero
solucionática
maravilha
curriculum
escolar
maravilha
dadá





I.R.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

prateado

três dias em mar del plata...
saldo dívida pessoal,
com um pouco de chuva,
com erros congelados,
com palavras-dardo
(tiro ao negro),
com um vento frio
e um sol tímido,
minhas pernas doem de tanto andar,
a barriga procura mais um espaço
para lulas,peixes, alfajores, chocolates com amêndoa...
...
os erros são descongelados e secos com o pano errado
as palavras atingem o seu destino.
...
o gosto na boca é o da maresia
na próxima encarnação quero ser um lobo-marinho.

I.R.

sábado, 23 de maio de 2009

comodus maximus

o cômodo não é cômodo
incomoda e me desacomoda.
não há lugar
para alugar
e a gente não é agente imobiliário.

o luar é pálido
a moda é passageira
e cada vez mais gente
compra passagem só de ida.

tudo é transitório
e o trânsito é caótico.
fui católico
sou metódico.
sou barroco.
e procuro um canto oco
num opaco três por quatro.

I.R.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

de 'sastre'

sair das entrelinhas
e não ver estrelinhas prateadas
num céu de brigadeiro
não é fácil.

a maior nudez não é tirar a roupa,
é confessar-se.

o rio já não pode seguir o mesmo curso,
o leito foi desviado pelo garimpo
e as consequências
são apenas suposições e conjecturas.

minha maior nudez não é apenas confessar-me
é saber que preciso da confissão.

meu rio não tem ouro,
minhas águas têm mercúrio,
tenho crateras feitas por minhas mãos humanas...

as estrelas do mar e as do céu não são prateadas
nem o céu é de brigadeiro ou beijinho...

e as entrelinhas, as várias entrelinhas entrelaçadas
são a entretela da minha roupa velha.

I.R.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

O velho Kid

Aposentar-se aos 98 e não por tempo de serviço, mas por total impossibilidade, visto que o único morto artista de que se tem notícia foi Brás Cubas, não é pouca coisa.

O velho Kid era tão malandro que até a morte ele conseguiu driblar por bastante tempo e excelentes condições de motor.

Neste mundo agitado em que vivemos, um pouco de breque, um pouco de arte, são mais do que necessários. (Para os que têm tempo de ler.)

Com a presença de um jovem Ney Matogrosso, vejamos.



I.R.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Conselheiro/Instruído

22.
o passado difícil
foi pisado
e deixado onde deve estar.

irmão, afilhado,
a seu favor
ou contra você
substantivos e adjetivos antes dos parabéns:

violão
guitarra
violão

esquentado
sensível
divertido
alegre
amigo
ciumento

dono de umas tatuagens de gosto duvidoso
e de uma cabeça rapada como um fósforo

parabéns, coroa!
que sua vida seja música tocada pelos seus dedos
ou página web desenhada em madrugadas não dormidas.

I.R.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Encontro Marcado

Não sei se vou te ver no paraíso,
Ou se arderemos juntos lá no inferno,
Se estarei de gravata, jeans ou terno,
E você com cabelo crespo ou liso.

Sei que ela vai chegar sem dar aviso,
Esfriando nossos corpos qual no inverno.
Carinho?! Eu não sei se serei terno,
Não sei de minha sorte pós-juízo.

Pois então não marquemos um lugar;
Se é que existe um cantinho pra morar,
Descubramos na hora do mistério.

Agora, que não sei de quase nada,
Não quero combinar esquina errada,
Melhor nos vermos lá no cemitério.

I.R.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

entre o vazio e o nada com a língua no meio

o papel em branco
deu lugar ao espaço vazio;

o copo vazio
(o fim da cerveja,
um beijo sem língua)
não nos levam a nada;

o corpo vazio
esviscerado
a mente vazia,
oca não em branco,
dão pena.

e a pena não preenche

.....................

os espaços vazios
nem as linhas pontilhadas

suor em contagotas
seiva em cápsulas
sêmen em comprimidos
sangue de canudinho

e o vazio
embalado à vácuo
vendido pelo camelô
nos traz a dúvida,
mas não nos leva a nado.

I.R.

domingo, 17 de maio de 2009

Bilhete-advertência para as meninas sobre os meninos que aprendem a tocar violão

Buenos Aires, 17 de maio de 2009

Prezadas,

eu sei e vocês sabem que para impressioná-las ele passa horas tentando aprender o dedilhado inicial de Stairway to Heaven. Sabemos que depois que conseguir, passará outro tempo tocando com cara de bobo, peixe morto e cachorro pidão para conquistar alguma de vocês que seja ingênua ou bobinha o suficiente para acreditar nessa cara.

Meninas, não se deixem enganar. Podendo escolher, fujam dos que só tocam a introdução. Prefiram os que aprenderam a música toda.



I.R.

sábado, 16 de maio de 2009

guizo

o soro antiofídico que tomo
todos os dias
no café da manhã
quase não faz efeito
quando mordo a minha língua.

me arrasto.

não gosto.
não gozo.

e o gozo só reaparece
quando o gosto, no torno,
se torna doze vezes mais doce.

I.R.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Arauto ou o Homem de Origem Nobre e Instinto Guerreiro

63.
a ordem é aleatória.
pai,
poeta,
porraloca,
pós-atual neo-hippie,
amoroso,
companheiro,
delirante,
místico,
professor,
amigo.
que venham mais 63
para poder conhecer os bisnetos.

I.R. (ou B ou G)

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Carta para um escravo



Buenos Aires, 14 de maio de 2009.

Prezado escravo,

Antes de mais nada, quero que fique claro que não estou escrevendo para os africanos trazidos para a América ou mesmo para os índios capturados e “domesticados” ou ainda para qualquer outro capturado de qualquer outra época e submetido ao trabalho braçal, serviçal, forçado, obrigado, etc.

Também não estou escrevendo para aqueles trabalhadores enganados a quem são prometidos mundos e fundos, mas que em pouco tempo descobrem-se sem fundos e atolados em dívidas com o patrão, isto é, com o seu novo dono.

Escrevo para você, escravo. Escravos. Todos nós. Escrevo para mim também. Eu, tantas vezes escravo de tanta coisa.

É tão fácil nos escravizarmos. É tão simples termos não apenas um, mas vários senhores. Sempre dispostos a nos disciplinar com pelo menos 50 chibatadas nas costas. Somos escravos dos nossos vícios, escravos dos nossos desejos, das nossas vontades, das nossas ideias, da sociedade, do que pensam ou pensarão de nós. Escravos de uma falsa liberdade.

Vivemos uma falsa e difundida liberdade. Acreditamos que podemos escolher, decidir. Mas uma escolha entre as opções A, B, C, D e NRA (Nenhuma das Respostas Acima) não é realmente um poder de decisão. Nossa liberdade é vigiada. Nossas escolhas são orientadas. Podemos marcar uma opção, mas apenas uma. Não há resposta pessoal. Não há prova discursiva.

Estamos, como ratos de laboratório, correndo dentro de uma roda. Não tratamos de conquistar o mundo. Não podemos conquistar nada além das possibilidades A, B, C, D e NRA, e apenas uma dela. E ai de nós que a resposta seja NRA, uma resposta que não quer dizer nada, não explica, não responde. Uma não-resposta que nos deixa parados sem nos dirigir a lugar algum.

Amigo escravo (digo isso também diante do espelho), não somos marionetes nas mãos de algum deus cruel ou alguma criança brincalhona. Somos fantoches de nós mesmos, arrotando uma liberdade de fachada e sentindo-nos felizes com isso. A Matrix não existe e Second Life é uma bobagem. O mundo “real” é chato assim mesmo.

Mas ser escravo, afinal, não é tão horrível quando na primeira pergunta a opção A é uma noite de carinho e amor com o filho dormindo e você com ânimo renovado. E na pergunta seguinte a opção B é ver o Vasco voltar à série A. E na próxima, a resposta é C, cervejada e churrasco com amigos... E NRA é a resposta de apenas uma pergunta: Quando você vai morrer? A- hoje, B- daqui a 20 anos, C- daqui a 40 anos, D- daqui a 60 anos e E- NRA.

Nessa vida, só espero que o chicote desça suave.

Um abraço,

I.R.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

"riso rosato"

se o plural de arroz é arrozes,
então comemos arrozes.
eu jamais comi a rose,
e não gosto de rosa
cor, flor ou guimarães.

I.R.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Vigésimo bilhete para um world músico

Buenos Aires, 12 de maio de 2009

Prezado,

bolero? flamenco? cigala e valdés. profundo. triste. e sendo triste, profundamente triste, me faz chorar... lágrimas negras...



I.R.

domingo, 10 de maio de 2009

Países Baixos

O meu Palau quer invadir
a sua República Tcheca.

Você me prometeu o Cuzco,
mas meu Peru e meu Kosovo
se contentam com a sua Chechênia.

Viva a natureza!
Todo mundo ONU!

I.R.

sábado, 9 de maio de 2009

Segundo bilhete para um músico brega

Buenos Aires, 09 de maio de 2009

Prezado,

já sabemos que não sou o detentor da verdade sobre o bom gosto, o mau gosto, o gosto de morango com creme ou o gosto de cabo de guarda-chuva. Sou um mero ouvinte.

E em meus ouvidos ressoam os versos de Pessoa.

Sou mero ouvinte. Nem bom nem mau.

E em meus ouvidos tocam os versos de Magal.

Um abraço,

I.R.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

eu decoro, tu decoras ou art déco

não sei nada de cor
nem de cor...
minha memória e minha retina
não decoram o branco ou o gelo
o preto ou o grafite.

não sei decorar...
minha memória e meu bom gosto
colocam coisas kitsch
coisas bregas
em qualquer lugar.

a ação de decorar
descolora a minha mente em branco
e sou apenas um decalque
um acessório
que não decora a própria cor.

sou decoração colocada
por um decorador ou por mim mesmo
sobre a geladeira.

I.R.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

concrescível

o concreto está armado
até os dentes
e cerca,
delimita,
ataca por todos os lados
pronto para concretizar.

quem pode, observa.
quem não reflete, aplaude.
quem, com crédito, questiona
já conhece o seu final.

o labirinto de creta
está armado
até os dentes,
o carretel é curto
não há cera suficiente nos ouvidos.
minotauro se aproxima
e é difícil acreditar.

I.R.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

sonho e realidade

o sonho é a realidade psicanalítica
de quem não acordou.
e a realidade é o sonho inclassificável
de quem não sabe se está acordado.
complicado?
não para mim que nada explico
e que não postulo verdade alguma.
creio que a realidade é sonho
e o sonho é realidade,
e o real e o legal disso tudo
é que posso vivê-los acordado ou dormindo,
ou sonolento,
ou num estado que ainda não surgiu.
realidade-verdade,
como o nome besta
de um programa televisivo qualquer.
sonho-imaginação,
e loucura, por que não!?
realidade-sonho, assim prefiro.
verdade-imaginação, tudo ilusão.
mentira? não.
devaneio, combustão,
crenças de um brasileiro,
(de nome russo)
que (como MaiaKowsky)
é todo, todo, cor-ação.

I.R.

terça-feira, 5 de maio de 2009

floralia

a borboleta ameaça pousar na flor
mas desiste.
ela, a flor, é de plástico
e não tem néctar.
eu varro o lixo para baixo do tapete
e troco a água das flores artificiais.
as flores mortas que um dia tiveram vida
formam uma coroa
e as do jardim esperam uma borboleta
que depois de morta
será varrida para baixo do meu tapete,
que não voa como uma borboleta
mas tem flores bordadas
e as bordas puídas.

I.R.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Dando sequência ao meme - 6 contra 1

Se você quiser uma explicação longa e detalhada sobre os memes... Agora, podemos resumir a "o meme é considerado uma unidade de evolução cultural que pode de alguma forma autopropagar-se."

A bola chegou rolando de Curitiba, rolada redondinha, na medida, pelo radiogordo. O mote? 6 discos (vale cd ou fita k7), 6 álbuns que eu "levaria para uma ilha deserta", por serem essenciais para mim. E um que eu jogaria no fogo eterno por achar uma decepção.

Vamos aos seis primeiros... em ordem alfabética:

Buena Vista Social Club - Vários Autores



Este álbum me abriu os ouvidos para a música cubana. Sem falar no documentário, que mais de uma vez me levou às lagrimas. Música quente, de qualidade indiscutível, marcante, alegre, que mesmo em mim que não sei me dá vontade de dançar.



Clara Nunes - Clara (O canto das três raças)



Este álbum marcou a minha infância no toca-discos de casa. Nele, comecei a degustar o samba. E o destaco ao invés de destacar outros, porque acho o canto das três raças uma dos sambas mais bonitos e mais tristes da música brasileira.



Fágner - Traduzir-se/Traducir-se



Este álbum, também conhecido no toca-discos, foi um dos que me apresentou a língua espanhola. Não foi o primeiro, mas o que mais me marcou. Foi o álbum que aprofundou Mercedes Sosa, me apresentou Serrat e Camarón de la Isla. Sempre degustei cada uma de suas músicas. A começar pelo poema de Florbela Espanca.



Goran Bregovic - Underground



O filme é ótimo, mas a trilha sonora me deixou em estado de graça. Tudo o que ouvi de música balcânica teve Underground como ponto de partida. Fanfara Ciocarlia, Kocani Orkestar, Mahala Rai Band, Esma Redzepova, Saban Bajramovic e muitíssimos outros.



Lenine e Marcos Suzano - Olho de Peixe



Para resumir, fico com uma frase que um amigo me disse uma vez sobre esse álbum. "Um dia, a música brasileira será dividida entre antes e depois Olho de Peixe".



Tarancón - Gracias a la Vida



Não gosto de todas as músicas desse álbum, mas das que gosto, gosto muito. Foi o disco que me ensinou que havia música em espanhol, fora do Brasil, que colocou a Argentina, a Bolívia e o Peru no meu mapa musical, quando eu tinha uns 7 ou 8 anos.



E por último, a minha decepção.

Chico César - De uns tempos para cá



Adoro Chico César. Gosto muito do trabalho que faz, adoro o seu som, e a última vez que chorei ouvindo o Hino Nacional Brasileiro foi há muitos anos com Chico César cantando a capela num amistoso da seleção brasileira no Japão.

Mas quando ouvi o seu penúltimo trabalho, De uns tempos para cá, não consegui gostar. Ouvi, reouvi, tentei de novo e nada. Não teve jeito. Do mesmo jeito que apareceu com um simples toque, foi embora com outro. Não gostei de música nenhuma.



E para que o meme continue seu caminho, gostaria de passar a bola para:

M.E.K. - El Zoocalo

F.P. - Eurindia

Patricio - Dos profes en Iowa

Um abraço a todos,

I.R.

domingo, 3 de maio de 2009

O que Suplantou

1 ano.
e de tudo que poderia desejar
prefiro que sejam duas coisas...
que me suplante em coragem,
em culhão mesmo...
e que seja muito,
mas muito mesmo
e de verdade
feliz.

I.R.

sábado, 2 de maio de 2009

zoo

tenho medo de barata
e a urina do rato pode transmitir leptospirose.
o barbeiro traz a doença de chagas,
os cães e morcegos, a raiva.
e os mosquitos? Ah, os mosquitos!...
febre amarela, dengue, vírus do oeste do Nilo...
e com os macacos conhecemos o ebola,
e a aids.
e tem vaca louca,
gripe aviária,
a solitária do porco
que também traz
a gripe suína.

começo a pensar que nesse zoológico de horrores,
o velho noé é o único culpado

I.R.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

o trabalho que dá

no dia do trabalho
reconheço que o mais difícil,
o mais trabalhoso,
é manter alguma coerência.

para nós, burguesia com internet
tv a cabo,
comida e cultura,
ralar é duro, mas não é o pior.

digo isso com a certeza de ser um santo
ou um canalha

que ao olhar para as próprias mãos
vê a carícia ou o tapa,

que nos olhos esconde
o afeto ou o desprezo,

um eu
generoso ou mesquinho,
ou puro ou vil ou oito ou oitenta
que costuma ser ou amoroso ou sórdido ou indiferente...

um eu
inquilino da hipocrisia ou locatário das virtudes
de um castelo de cartas ou de areia.

I.R.