quinta-feira, 29 de maio de 2008

A la catalana

A rumba me convida pra dançar
E arromba alegremente os meus ouvidos
Com os dedos faço tímidos mexidos
Porque temo até mesmo envergonhar

A rumba arruma um jeito de eu bailar,
Danço no pensamento e nos sentidos
Rumo ao baile dos muitos reprimidos
Onde sou só mais um pra derrubar

Mas antes de viver em uma tumba
Vou me encontrar nos passos de uma rumba
Com a coragem daqueles que se arriscam

E serei meu mistério, terei duende,
Um espírito vivo que compreende,
Um bruxo cujos olhos já não piscam

I.R.





I.R.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Carta para um divorciante

Buenos Aires, 28 de maio de 2008.

Prezado Divorciante,

Pretendia escrever uma carta, ou melhor, um billhete para outra pessoa, para explicar que ando um pouco ausente por motivos de força maior... Motivos “capitalísticos”. Não podia desaproveitar a chance de pagar parte das dívidas fazendo uma boa tradução. O desagradável era o assunto, muito mais do que o cansaço na cabeça, nos dedos e no peito (quem me mandou ter uma péssima postura enquanto digito?) que a tradução gerou.

Mas resolvi escrever para você, agora que vi na televisão um dos motivos para o divórcio aqui na Argentina. Um dos motivos é a falta de amor. Isso mesmo, a falta de amor, e nada mais. Antes, era necessário um “culpado” e uma “vítima” para ser apresentado ao juiz na hora do divórcio. Eta mundo maniqueísta! É claro que existem casamentos ou relações que terminam por causa do comportamento, das atitudes, de uma das pessoas. Agora, esperar que todo final de relação tenha um culpado e uma vítima é negar que às vezes o culpado também é vítima e a vítima também é culpada.

Mas, claro. Que prático é dizer: - A culpa é sua! Eu sou um santo/a! Se bem que muitas pessoas acabam dizendo aquela frase tão verdadeira quanto as boas intenções de um deputado que foi eleito comprando votos: - O problema não é você, sou eu. Você é um/a santo/a, mas eu é que não estou bem.

Isso me leva a pensar que mesmo que a falta de amor seja agora motivo para divórcio, poucos terão culhão ou ovário suficiente para dizer ao parceiro: - Olha, você é uma pessoa legal, mas o amor entre nós acabou. Ou: - Olha, descobri que você não é a pessoa que eu sonhava, que eu fantasiava, que eu queria que fosse, e o amor se perdeu em algum ralo. Ou ainda: - Olha, acho você uma merda, e o amor que eu tinha por você era pouco e se acabou.

Definitivamente, acho que serão poucas as pessoas que farão isso. As pessoas continuarão traindo os seus parceiros, continuarão minando suas relações com palavras ásperas, com atitudes grosseiras, com falsas promessas, e na hora do divórcio continuarão preferindo o papel de vítima, com olhos de sofrimento e atuações, muitas vezes, dignas de um Oscar.

Mas não sou psicólogo, não sou advogado, não sou sexólogo. Sou apenas alguém que viu uma reportagem, e fez um intervalo porque a tradução estava me sufocando. Ou me afogando (em merda), já que o assunto da mesma é "água e esgoto".

Bem, fico por aqui. Tenho que continuar trabalhando.

Um abraço,

I.R.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Flores do mal

Neste mundo de gente tão canalha
Gente hipócrita, ruim, de gente má
Onde ser bom é ser quem sofrerá
Onde o muito é bem menos que a migalha

Reina um demônio verde que estraçalha
Nossa carne; e de cal joga uma pá
E sem saber sobre isso o que será
Não sei se é uma armadilha ou minha falha

Essa gente cruel são flores mortas
Carniceiros que têm as almas tortas
Que a nós, de boa fé, nunca socorrem

Por isso então (e sei, não é fantástico)
Que agora eu compro só flores de plástico
Porque as flores de plástico não morrem.

I.R.

PS:


Mas se você preferir com a participação de Marisa Monte... sem imagem...



I.R.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

A sombra à sombra assombra

É fácil não fazer literatura
Quando nós lemos algo que aprisiona,
Que bate forte em nós, nos manda à lona,
Esse algo que se quer, que se procura.

É fácil se envolver com uma leitura
Quando a revolução ela detona,
E o homem pra si mesmo telefona
Pra lembrar que se é livre na escritura.

E os novos mundos lidos ou escritos
Podem ser tristes, podem ser bonitos...
Mudos ou lindos, vivo este momento.

E eu que descanso à sombra de um romance,
Vejo um poema vir e não dar chance
De eu descobrir a sombra deste vento.

I.R.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Carta para os meus alunos e ex-alunos

Buenos Aires, 21 de maio de 2008

Prezados alunos (e ex-alunos),

Como vão vocês, tudo bem? Eu espero que sim. Não cito nomes porque vocês são muitos e, apesar de ter uma boa memória visual, tenho uma péssima memória para os nomes. E nesses 10 anos, já nem faço idéia de quantos vocês foram e nem mesmo de quantos são.

Gostaria de lhes dizer algumas poucas coisas. Vocês já sabem que tentei ser uma pessoa séria, mas não consegui. Acabei descobrindo que podia fazer um trabalho sério sem ser uma pessoa séria. Bem, quanto ao trabalho sério, espero que vocês possam senti-lo ou vê-lo da mesma forma que eu o vejo. Eu tenho um compromisso com vocês, que é ajudá-los a “adquirir” a língua portuguesa, e procuro me desempenhar da melhor maneira possível.

E aí entra outra história. Será que sou um bom professor? Será que consigo transmitir essa flor do Lácio, chamada língua portuguesa? Será que junto com a língua consigo passar um pouco da história, da cultura, da diversidade do Brasil e do jeito de ser do brasileiro? Sinceramente, não sei. Imagino que para alguns sim, e isso se reflete, inclusive, no quadro de mensagens do Carta e Verso. E, acho que para outros não. Ninguém pode pretender ser perfeito, ou impactar em todas as pessoas da mesma forma.

Eu acredito na diversão, e que o processo ensino-aprendizagem pode e deve acontecer em um ambiente relaxado, sem tensão. Mas até que ponto uma aula minha é divertida, não faço a menor idéia. Afinal, não sou comediante, mas sim professor de português. O meu trabalho não é divertir as pessoas, só que eu tenho a sensação de que fazer o mesmo sem uma pitada de diversão seria condenar vocês, alunos, a mais momentos chatos que a própria vida já nos dá de graça.

Para mim, as aulas são encontros. São momentos em que estamos juntos durante a semana e podemos e devemos gerar uma boa energia. Assim, recarregamos as nossas baterias, conhecemos gente nova (nos casos dos grupos), entramos em contato com coisas diferentes, música, literatura, costumes, história, e até língua portuguesa.

Espero estar sendo ou ter sido um bom professor para vocês. Alguém que aproxima as ferramentas, mas que deixa vocês as usarem. Alguém que mostra o caminho das pedras para vocês, mas os deixa vocês fazerem o caminho. Alguém que ajuda, mas que não é o dono da verdade. Alguém que tem a humildade de dizer não sei, ao invés de inventar palavras ou definições. Alguém que gosta de falar, mas que sabe ficar quieto para que o aluno seja o verdadeiro protagonista.

Espero, alunos e ex-alunos, que vocês tenham boas lembranças das aulas e deste professor que escreve para vocês. E espero, ainda mais, que as aulas tenham servido. Tanto em relação ao idioma, quanto em relação à vida.

Um abraço para todos,

I.R.

PS: Devo dizer que foi um renovado prazer, inoxidável, orgasmático, quase sexual, ter estado com (escrito para) vocês nesta quarta-feira, 21 de maio de 2008, faltando dois dias para a sexta-feira.

terça-feira, 20 de maio de 2008

IncoModa

A moda é muda, e muda e me dá medo
Em um mundo que vive de aparência
Em um homem vazio e sem consciência
Na Oscar Freire ou na Farme de Amoedo

No marketing tem ela o seu segredo
Pois vender sempre mais é sua ciência
Um abismo social, uma indecência,
Um cheiro de perfume que eu não fedo

Pois a moda, a nós muitos, escraviza,
O cérebro destrói, lobotomiza,
E traz um falso brilho, luz que cega

E as roupas que se usam, tão ridículas,
Me fazem ver no meio das partículas
Que a moda também pode ser bem brega

I.R.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Maruska

Pré-soneto: Vários podem ser os disparadores que me levam a escrever um poema. E não se trata aqui de fazer uma análise de um poema, mas, sim, de lembrar dos versos de Fernando Pessoa. O poeta é um fingidor./ Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente.

A Maruska tem lindas orelhinhas
Tem também a Maruska lindos dedos
E eu quero apresentar-lhe os meus segredos
E com ela fugir do que são rinhas

Maruska tem carinhos e carinhas
Seu sorriso dissipa os muitos medos
E ao conversarmos crio outros enredos
E as dúvidas entrego todas minhas

Mas apesar de toda a sua beleza
O que me hipnotiza com certeza
E me faz do romance ser ator

É que juntinho, eu e mais Maruska
Vamos sumir no mundo no seu fusca
Maruska lei, Maruska bom humor

(Em homenagem à música Maki Maki de Goran Bregovic)



I.R.

sábado, 17 de maio de 2008

Carta para F. e M.

Buenos Aires, 17 de maio de 2008.


Prezados F. e M.,

Antes de comentar um pouco sobre o assunto que me motivou escrever para vocês, a feira do livro, quero dizer umas coisinhas.

Primeiro, parece brincadeira, mas já faz mais de um ano que nos conhecemos. E, por mais que não nos conheçamos profundamente, sinto um grande apreço por vocês. Vejo em vocês pessoas inteligentes, afetuosas, e que mantém um relacionamento muito bonito, mesmo com as briguinhas de vez em quando. Na minha humilde opinião, e acho que ela não conta muito, acredito que vocês se completam.

Mas esta carta não é para falar de vocês, mas da feira do livro. Concordo com vocês quando falam em seus respectivos blogs sobre esse excesso de consumismo que se respira nesse evento. Esse piso sem vida, essa espécie de passarela, tapete vermelho, por onde desfilam leitores-consumidores, realmente pode ser muito chocante. E mais do que isso, pode causar dor nas pernas depois de estar por mais de 3 horas caminhando entre stands caros, entre livros de caráter duvidoso e entre consumidores ávidos por ofertas, entre os quais mais ou menos me encontro.

Hã? Como mais ou menos ávido por ofertas? É. Procuro bons preços. Sempre tenho a ilusão de que os preços serão mais competitivos do que nas livrarias da avenida Corrientes ou da calle Florida. Vou sabendo que é ilusão. Em anos que freqüento a feira sei que isso é muito mais um desejo do que uma realidade. Mas procuro ofertas. Só que não compro apenas por ser uma oferta. Algo tem que me atrair no livro. Às vezes, muito mais do que o autor. Às vezes um bom título, ou uma boa orelha, uma boa quarta capa, sei lá, não há ciência. O livro tem que gritar o meu nome e implorar para que eu o compre. E como posso fazer isso com um salário de professor? Ofertas!

Agora, é verdade, a feira do livro é como um salão do automóvel. É como uma exposição rural, uma feira de bois e vacas. Talvez seja por isso que a façam nas instalações da Sociedade Rural... Seria necessário pesquisar mais sobre o assunto. As pessoas caminham, olham, tocam, compram os mesmos best-sellers que comprariam em qualquer livraria, fazem caras de intelectuais e mantém conversas de típica masturbação mental. Mas isso é a casca, é o que se vê por cima, e que, é claro, também está presente.

No interior dessa casca, existe uma outra feira. Me recuso a aceitar que tantas árvores mortas sirvam apenas como “papel higiênico”. No interior da casca, vejo gente em busca de algo, vejo gente que lê, e “consome” cultura, além de consumir batatas fritas e refrigerantes a preços abusivos.

Pessoalmente, destaco os livros que comprei, a bom preço e a boa história. Quanto às Ofertas, com o maiúsculo, acho bom não ter essa ilusão para o ano que vem. Se eu quiser preço, é melhor ao sebo do Parque Rivadavia.

Bem, M. e F., acho que me excedi nos comentários. Vocês já devem estar cansados de tanto blá-blá-blá. Está na hora de eu dormir, pois já é tarde.

Um abraço, e até amanhã na aula,

I.R.

PS: F., não me incomoda que você lembre a derrota do Vasco para o Boca. Deve ser a faixa diagonal o elemento que nos torna “pechos fríos”.

M., muito obrigado por me mostrar a pilha dos livros por 10 pesos.

I.R.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

RN ou Tamanho zero

A roupa de bebê é pequenina
Pequenina do jeito do bebê
É roupa de algodão ou de crochê
E roupa pra menino ou pra menina

Agora essa roupinha é minha sina,
Essa que compro, filho, pra você,
Que seu olhinho azul quase não vê
E que pro lava-roupas se destina

E a verdade que todos já ouviram
É que muitos amigos te vestiram,
Tiveram tantos gestos tão amáveis

Mas na roupa não paro de pensar
Pequenina que pouco vai usar
Pequenino com roupas descartáveis

I.R.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Cactus aridus

Essa aridez que eu sinto na garganta
E os meus lábios, tão brancos, tão rachados,
São sinais dos meus muitos machucados,
De uma boca que é muda e já não canta

Se escutam minha voz que se levanta,
É uma inverdade, estão todos errados,
É miragem - desertos desgastados -
De um cacto, meio homem, meio planta

Um cacto, uma aridez, uma miragem,
Um anti-herói mesquinho, sem coragem,
Vagando num deserto noite e dia,

Fugindo de uma arena de combate,
Em busca de um oásis de resgate
Pra essa sede que nunca se sacia.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Carta para a Bebete

Buenos Aires, 12 de maio de 2008.


Prezada Bebete,


Não importa se você é bonita ou feia, se usa franjinha, calça apertada, se é emo, homo, hétero, bi, branca, negra ou amarela. Esta carta é para dizer a você uma coisa muito importante.

E não me importa se você é vesga, se tem manchas na pele, se tem marcas de catapora, se é rica ou pobre. Não me interessa se você é virgem, se já deu pra meio mundo ou só pra toda torcida do Flamengo. Esta carta tem uma única intenção, a de dizer uma coisa importante para você. Tá curiosa?

Segura um pouco a sua curiosidade. Bebete, saiba que você é sempre bem-vinda, e todos os que aparecem por aqui, seus amigos, seus inimigos, seus conhecidos e seus desconhecidos. Não importa nada, Bebete, apenas o fato de você ser uma pessoa. E só por isso, você tem todo o meu respeito.

Ah, e não me importa se você é católica, se você é muçulmana, testemunha de Jeová, budista, macumbeira, atéia ou puta. Ou se você é violenta, da paz e do amor, maconheira, advogada, médica, política ou moradora de rua.

Bebete, o que me leva a escrever esta carta é que preciso dizer uma coisa para você. Uma coisa que ficou engasgada na minha garganta há muito tempo. Mas, como tudo tem o seu tempo, chegou a hora de te contar. Chegou a hora, Bebete.

E quero que você tenha certeza de que meu respeito por você independe de qualquer coisa. Não há nada que me faça ter maior respeito por você que o simples fato de você ser uma pessoa. E eu, no fundo, ainda acredito que o ser humano tem jeito. Talvez não devesse acreditar, mas fazer o quê? Acho que ter me tornado pai me deu mais umas pitadas de esperança.

Tá curiosa, Bebete? Eu sei que tá. Eu sei que você não agüenta com seu gênio. E deve estar achando que estou enrolando ou que, na verdade, não quero contar e estou fazendo isso apenas para torturá-la. Mas não é nada disso. Só quero que você tenha um mínimo de paciência. Que aprenda que tudo tem a sua hora.

Ok, mas eu conto. Bebete, esta carta é para convidar você. Bebete, vãobora, pois já está na hora.


Do seu,

I.R.

PS:

domingo, 11 de maio de 2008

Barroquiando

Uma igreja barroca entre meus dedos
Roça e me faz perguntas jesuíticas
Questões de inquisição e pouco míticas
Ou místicas; questões para os meus medos

Uma igreja barroca e meus segredos
As secretas respostas às suas críticas
Também secretas, tantas e analíticas
Uma guerra sem terços nem torpedos

Apenas as perguntas mais veladas
Esperando as respostas mais erradas
Pra me vencer, igreja tão mundana

E me engolir, tal qual tivesse boca
Pra me fazer imagem, rês barroca
No presépio que o próprio céu profana

I.R.

PS: Para os que tem tempo, paciência, vontade, desejo de passar quase 10 minutos em outra dimensão, recomedo esta substância alucinógena: "Bach", favor não confundir com os florais, nem com qualquer outra coisa que se fume, se injete, se beba ou se cheire (ou inale, para quem preferir o uso desse verbo).



I.R.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Seus olhos

Seus olhos, uma angústia disfarçada,
Sorriem pra si mesmos se enganar
Olhos que já não podem ensaiar
Crônicas de uma morte aprisionada

Seus olhos com uma cor condicionada
Pelo rir, pelo ser, pelo chorar,
Não sabem como é belo não olhar,
Seus olhos com uma cor alaranjada

Olhos que necessitam telescópio,
Procuram numa fé somente um ópio,
Seus olhos com memória meio ingrata

São olhos de remela e de glaucoma
Dos Deuses lá da Grécia e lá de Roma
Esses olhos de vidro e catarata.

I.R.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Carta para o Santiago

Buenos Aires, 07 de maio de 2008.

Amado Santiago,

Esta é a segunda carta que escrevo para você. Espero que essas linhas que te escrevo fiquem circulando por este blog até você ter idade e maturidade suficientes para ler sozinho. De qualquer maneira, tenho certeza de que antes de ler essas histórias, reais, você já vai conhecê-las por transmissão oral.

Há quatro dias, Santiago, você veio ao mundo. Isso aconteceu no “Sanatorio de La Trinidad”. Vale o esclarecimento que “sanatório” em espanhol é hospital, clínica, não é lugar para loucos. Se bem que no sábado, dia 3, acho que eu merecia um sanatório mesmo, por causa da loucura de ver você nascer.

Seu nascimento me provou uma coisa muito simples. Eu não sou tão covarde quando pensava ser. Não sou tão fraco. Durante meses, sua mãe e eu assistimos programas que mostravam partos, programas que mostravam bebês, e, principalmente nos partos, e mais principalmente nas cesarianas, eu não podia ver nada dos programas. Me dava aflição, muita aflição. E isso que esses programas mostram pouco e quase nada.

Mas muito bem, meu filho, chegou o dia da sua cesariana. Sua mãe foi para a sala de cirurgia, para que lhe dessem a anestesia, e eu fui levado para uma salinha, onde me deram uma roupa amarela para vestir. Eu fiquei parecendo um patinho. E foi assim que me levaram para a sala de parto. Me fizeram lavar as mãos, e me disseram para não tocar em nada. Depois dessa indicação, me sentaram ao lado da sua mãe, que estava deitada em uma “cama”, sendo aberta para você vir ao mundo. Eu fiquei sentadinho, e meu medo de tocar em algo era tanto, que nem encostei na sua mãe. Foi preciso um médico colocar a minha mão na mão dela.

Desta maneira, de mãos dadas, sua mãe e eu, é que vi você vindo ao mundo. Vi o seu primeiro choro, quando cortaram o seu cordão umbilical, a sua primeira puxada de ar, e quando sua mãe disse no seu ouvidinho enquanto te dava o seu primeiro beijo: “não, chora; não chora”.

E nem tão covarde, vi o seu primeiro xixi, e estive presente na sua primeira vacina. Vi quando você começou a aprender a respirar e, mesmo ainda não tendo trocado uma fralda sua (vamos devagar com o andor porque o santo é de barro), não tive o menor nojo ao ver os seus primeiros cocôs. Agora, meu filho, tenha certeza, a sua mãe os lamberia se fosse necessário. Eu sou pai... e não sei se chegaria a tanto. Mesmo assim, eu sei que você já sabe que amo você.

Um beijo do seu papai,

I.R.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Soneto para o meu ruivo



Agora que te vejo, pequenino,
Meu coração se invade de ternura
Eu e sua mãe te olhamos com doçura
E te amamos, pequeno e bom menino

Seu nascimento é mágico, é um sino
Anunciador da essência humana, pura,
E que só se tranforma em alma dura
Pois teimamos em criar outro destino

Já que o nosso destino é ser feliz
Alegria que jorra em chafariz
Então seja bem-vindo ao nosso jogo

Um jogo onde o melhor é não supor
Um jogo cuja "regra" é só o amor,
Bem-vindo, nosso filho cor de fogo.

I.R.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Bilhete

Estou fazendo, hoje, 400 meses de vida.
Mas a vida, tal qual a conhecia, terminou.
Santiago nasce amanhã.
E amanhã, com 400 meses e um dia,
começo a reaprender a viver.

I.R.