terça-feira, 28 de agosto de 2012

promoção


Foto: Luciano Ogura Buralli

numa sociedade de valores invertidos
e perversos,
não valemos pelo que
ou por quem somos
mas valemos e somos o que temos,

e se não temos, somos nada,
seres desumanizados,
vendidos com desconto,
ignorados nas calçadas
abandonados por aí.

I.R.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

meus segredos


Foto: Luiza Mesquita

guardei os meus segredos,
tranquei-os em meu quarto
e joguei a chave fora.

mas o tempo,
esse que inexoravelmente não para,
foi descascando minhas portas

e a curiosidade alheia
essa que inexplicavelmente não termina,
foi tentando arrombar o meu quarto

e tive de remendar a entrada
com madeiras avulsas,
resguardar meus segredos,

e impedir a entrada de estranhos
quando a fechadura cedeu,

coloquei uma corrente,
com um cadeado,
apenas pelo lado de dentro

um cadeado que só eu vejo,
um cadeado com combinação,
cujo segredo nem eu conheço.

I.R.

domingo, 26 de agosto de 2012

arranha-céu


Foto: Bob Toledo

como diz o josé,
existem decadências de arranhar o céu.

e o arranha-céu decadente
amontoa uma casa ao lado da outra
antes de empilhá-las.

empilha vidas,
mina as vontades,
destrói a condição humana.

mas também como diz o josé,
o que parece decadente pode ser lindo,

edifícios amontoadores de sonhos,
ninho de valores,
construtores de andares cheios de esperança,
onde a condição humana resiste
e as vidas empilhadas trabalham
para fazer a realidade do céu entre nós.

I.R.

sábado, 25 de agosto de 2012

na cabeça


Foto: Antonio Mari

na cabeça
podemos levar
mais do que ideias,
.
.
.
ações.

I.R.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

cada um de nós é como um trem


Foto: Simone Soraes

cada um de nós é como um trem.

quando crianças, somos só maria-fumaça,
mas vamos crescendo,
vamos vivendo, experimentando,
testando, testando,
ensaio e erro,
atrelamos vagões atrás de nós,

os vagões dos anos,
do vividamente vivido.

e já trem e vagões,
carregamos cargas,
levamos objetos,
transportamos pessoas,
objetos, sentimento, emoções,

numa viagem sempre para a frente,
para a frente,
para a frente,
para a frente...

I.R.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

a asa e a âncora


Foto: Angela Zaremba

há dias em que nos sentimos presos,
amarrados,
ancorados,
e que nossa vida não vai,
mas também não vem.

há dias assim.

há dias em que sentimos
que não avançamos,
e não retrocedemos,

estagnados,
nos entregamos a deixar de sentir
nos braços de um conforto alienante.

há dias assim.
e assim podemos transcorrer os nossos dias.

ou não.

podemos escolher abrir as asas
e alçar outros e novos voos.
e as amarras passam a ser apenas
um lugar onde pousamos de vez em quando.

I.R.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

saga


Foto: Igor Ravasco

no mesmo barco estamos todos,
independente de nossa condição social,
de nossa cor,
religião ou sexo
estamos todos no mesmo barco
do planeta terra, 
no mesmo barco chamado vida,
independente de sermos seres humanos,
plantas, pedras, rios, animais...

e escrevermos nossa saga
significa tomarmos o remo em nossas mãos
e começarmos a remar.

I.R.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

colocação


Foto: Ilana Pariser

podemos olhar o sol se pôr
de maneira passiva.

ou podemos pegar um barco
e sermos parte da paisagem.

I.R.

domingo, 19 de agosto de 2012

24 Horas

(Texto traduzido)

Imagine”, me disse meu Rabino, “que você está morto. Você chega ao lugar para onde vamos depois de morrer e, entre uma coisa e outra, convence a quem o espera na entrada que lhe deixe regressar ao mundo um dia. Esta pessoa olha para você e lhe pergunta ‘24 horas?’ e você lhe diz que sim. Muito contrário ao seu plano, que de cara não incluía estar morto, você se encontra -de repente- outra vez na terra, com 24 horas pela frente. O que você faria?” Me perguntou. “Mas de verdade, o que você faria?”.

Pensei uns segundos e ele repetiu “mas, de verdade…”.
Disse: “Iria ver a minha avozinha” e pensei mais um segundo. “Gostaria de ver você, cumprimentá-lo”. Ele fez, por sua humildade e modéstia, um sorridente movimento de fastio com a mão e disse sorrindo: “O que mais? 24 horas. Uma hora para sua vovó e você depois passa pelo Templo para me cumprimentar e eu não estou, o que mais?”

Eu disse “iria ver o meu irmão, e lhe diria que é um imbecil por não ligar nunca para mim e lhe diria que Deixe sua terra natal e a casa do seu pai e vá ao lugar que De’s lhe mostrará, que deste mundo só levamos lembranças, e ligaria para a minha irmã e lhe diria que sou um imbecil por não ligar nunca para ela e lhe recordaria que deste mundo só levamos o que damos”.

Pensei mais um pouco. “Ligaria para a garota com quem estou saindo, eu a conheço há pouco tempo, mas sei que faria o sacrifício de passar o último dia comigo e lhe pediria que me acompanhasse o resto do dia, que não poderia me perguntar nada, só me acompanhar. Mandaria um e-mail ao líder do grupo escoteiro ao qual pertenci na minha infância, agradecendo-lhe pelo bom exemplo que me deu e eu tanto precisava na minha infância. E também para Julio, um amigo da minha mãe que foi uma grande influência para mim na minha infância. Ligaria para Inés e lhe diria para ensinar à sua filha a se deixar amar bem, e juntaria um minian e diria Kadish por meu pai e por Arnoldo, meu padrasto. Ligaria para Joaquín e diria a ele para nos vermos, para ir comer uma pizza no El Rey com Angelito, seu filho. Ligaria para meus amigos, um por um, e lhes pediria perdão pelas vezes que fui desagradável com eles. Pediria a De’s que me perdoe por todas as vezes que deixei passar a chance de fazer o correto.”

“Venderia o ouro que tenho e o levaria à Sra. Jorgelina para que ajude ainda mais os mais necessitados, a quem ela dedica grande parte da sua vida. Ligaria para o meu amigo, Daniel, e lhe agradeceria por tudo. Ele me diria que não tenho que lhe agradecer, e eu lhe diria que ‘sim, você sempre está bem’ e ambos riríamos. Eu lhe diria que é um excelente pai, esposo, filho e amigo, e que De’s já tinha me dado muitas mais bênçãos das que eu merecia, mas que se ainda me restava alguma, que pedia que as desse a seus filhos, porque sei que a única esperança que ele tem de ser feliz é ver seus filhos crescerem íntegros e felizes.”

“Agradeceria à minha madrasta pelos irmãos que me deu e escreveria no meu blog e no meu facebook ‘dê tudo o que você tem a quem mais necessita e seja feliz’, talvez essas sejam minhas últimas palavras, que o efeito da minha morte toque em alguém e em mil anos haja mais uma pessoa que seja feliz graças ao efeito mariposa.”

“Iria ao porto ver os barcos passar e faria as orações da tarde vendo o sol se pôr. Iria para minha casa e com um chá preto bem forte leria a parte do Conde de Monte Cristo onde Dantes explica aos filhos do dono da companhia naval o segredo da vida. Depois leria de A Esposa do Viajante do Tempo a cena onde ele a vê pela primeira vez na biblioteca. Leria de Flores para Algernon a cena onde ele se surpreende que o doutor não falasse híndi e de Paula leria o capítulo onde o viúvo de sua filha vem jantar com sua nova esposa. Colocaria meu Talit que trouxe de Israel -embora fosse de noite- e me sentaria para estudar a Torá, e depois deitaria com minha garota para dormir, depois de um dia muito, mas muito, muito bom. Até voltar”.

E se você tivesse dois dias?” me perguntou meu Rabino. Sua pergunta me tirou do êxtase no que tinha entrado com tanto desejo. Duvidei um momento. Em um instante me dei conta que estes exercícios teóricos não funcionam se você tiver mais de um dia. Eu o olhei com espanto.

Ele sorriu: “e se você tivesse uma semana?” me perguntou. Eu olhei para ele com a testa franzida. “E se você tivesse o resto da sua vida?”.

Senti um nó na garganta. Engoli a saliva e inspirei. Retive o ar um segundo, relaxei e depois expirei. “Entendo”, lhe disse e sorri, e ele sorriu comigo.

Alessio Aguirre-Pimentel

Tradução: Igor Ravasco

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

vida em trânsito


Foto: Tani Guez

na vida, é proibido retornar.

o que passou é passado
e o que já vivemos já está vivido.

impressas de alguma forma em nós,
trazemos marcas...
de pneus, de óleo,
de arranhões na lataria,
de detergente no para-brisas...

há uma placa que nos diz
que é proibido retornar.

estacionar? ainda não é a hora.

na vida, é permitido seguir em frente.

I.R.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

365 + 365


Foto: Magalí Lansky

não existe um dia igual ao outro,
e hoje não somos o que éramos ontem
ou há dois anos.

gota a gota vamos construindo um oceano,
por onde nosso barco navega
a caminho de aventuras e portos seguros e novas aventuras
gota a gota molhamos o deserto,
e o atravessamos juntos,
e seu povo é meu povo,
e seu deus é meu deus.

não existe um dia igual ao outro,
e hoje não somos o que éramos ontem
ou há dois anos,
nos amamos mais.

I.R.

sábado, 11 de agosto de 2012

bolha de sabão


Foto: Igor Ravasco

cada segundo que vivemos é frágil,
cada instante de vida,
o primeiro, o de agora ou o último...

o único.

cada segundo,
na angústia e na ternura,
existência frágil como uma bolha de sabão.

I.R.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

palavras cansadas


Foto: Igor Ravasco

palavras cansadas não dormem,
não descansam.

escoem pelo ralo,
desperdiçando um poema.

I.R.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

o que eu olho


Foto: Zé Naklem

o que eu olho não é
o que o outro olha.
o que vejo, só eu vejo
e o outro vê o que só ele vê

e o que olho e o que vejo,
não é só o quê,
é o como.

vontade, intenção, desejo,
a forma, o sentimento,
e tudo vejo
com um toque pessoal.

verdade própria.

quem não tem a sua?

I.R.

domingo, 5 de agosto de 2012

galhos secos


Foto: Igor Ravasco

todo galho seco sonha com ter folhas verdes.

mas se me engano e não sonha,
se já se acostumou a ser seco
e a não dar nada, nem sombra,

talvez seja melhor ser cortado,
não vá ser coisa que um dia caia podre
na cabeça de alguém.

I.R.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

aventura


Foto: Julia Escriva de Carvalho

no meio de uma montanha
de livros e revistas,
ou um oceano de revistas e de livros,
com uma onda que se levanta por trás.

entre letras, histórias e fotos

somos esse aventureiro,
escalador ou navegador solitário,
esse que entre as páginas
não só descobre um mundo...

vários mundos...

mas se descobre,
se vê, se lê.
e é.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

insubstituível


Foto: Grafira Dias

todo ser humano é único
e não há outro como eu, como você,
como cada um de nós.

somos irrepetíveis
e únicos
no que pensamos,
no que sentimos,
em como fazemos,
naquilo que dizemos,
em nossa ação,
na nossa emoção.

o mundo das máquinas,
o capitalismo selvagem,
esse mundo que nos transforma em objetos,
em peças de uma engrenagem,
quer nos fazer acreditar que ninguém é insubstituível.

mas todos somos insubstituíveis.
todos somos únicos,
(ninguém é melhor ou pior por isso)

e o lugar de cada um
só pode ser ocupado por cada um,
da sua maneira, do seu jeito,
de um modo completamente humano de ser.

I.R.