domingo, 19 de agosto de 2012

24 Horas

(Texto traduzido)

Imagine”, me disse meu Rabino, “que você está morto. Você chega ao lugar para onde vamos depois de morrer e, entre uma coisa e outra, convence a quem o espera na entrada que lhe deixe regressar ao mundo um dia. Esta pessoa olha para você e lhe pergunta ‘24 horas?’ e você lhe diz que sim. Muito contrário ao seu plano, que de cara não incluía estar morto, você se encontra -de repente- outra vez na terra, com 24 horas pela frente. O que você faria?” Me perguntou. “Mas de verdade, o que você faria?”.

Pensei uns segundos e ele repetiu “mas, de verdade…”.
Disse: “Iria ver a minha avozinha” e pensei mais um segundo. “Gostaria de ver você, cumprimentá-lo”. Ele fez, por sua humildade e modéstia, um sorridente movimento de fastio com a mão e disse sorrindo: “O que mais? 24 horas. Uma hora para sua vovó e você depois passa pelo Templo para me cumprimentar e eu não estou, o que mais?”

Eu disse “iria ver o meu irmão, e lhe diria que é um imbecil por não ligar nunca para mim e lhe diria que Deixe sua terra natal e a casa do seu pai e vá ao lugar que De’s lhe mostrará, que deste mundo só levamos lembranças, e ligaria para a minha irmã e lhe diria que sou um imbecil por não ligar nunca para ela e lhe recordaria que deste mundo só levamos o que damos”.

Pensei mais um pouco. “Ligaria para a garota com quem estou saindo, eu a conheço há pouco tempo, mas sei que faria o sacrifício de passar o último dia comigo e lhe pediria que me acompanhasse o resto do dia, que não poderia me perguntar nada, só me acompanhar. Mandaria um e-mail ao líder do grupo escoteiro ao qual pertenci na minha infância, agradecendo-lhe pelo bom exemplo que me deu e eu tanto precisava na minha infância. E também para Julio, um amigo da minha mãe que foi uma grande influência para mim na minha infância. Ligaria para Inés e lhe diria para ensinar à sua filha a se deixar amar bem, e juntaria um minian e diria Kadish por meu pai e por Arnoldo, meu padrasto. Ligaria para Joaquín e diria a ele para nos vermos, para ir comer uma pizza no El Rey com Angelito, seu filho. Ligaria para meus amigos, um por um, e lhes pediria perdão pelas vezes que fui desagradável com eles. Pediria a De’s que me perdoe por todas as vezes que deixei passar a chance de fazer o correto.”

“Venderia o ouro que tenho e o levaria à Sra. Jorgelina para que ajude ainda mais os mais necessitados, a quem ela dedica grande parte da sua vida. Ligaria para o meu amigo, Daniel, e lhe agradeceria por tudo. Ele me diria que não tenho que lhe agradecer, e eu lhe diria que ‘sim, você sempre está bem’ e ambos riríamos. Eu lhe diria que é um excelente pai, esposo, filho e amigo, e que De’s já tinha me dado muitas mais bênçãos das que eu merecia, mas que se ainda me restava alguma, que pedia que as desse a seus filhos, porque sei que a única esperança que ele tem de ser feliz é ver seus filhos crescerem íntegros e felizes.”

“Agradeceria à minha madrasta pelos irmãos que me deu e escreveria no meu blog e no meu facebook ‘dê tudo o que você tem a quem mais necessita e seja feliz’, talvez essas sejam minhas últimas palavras, que o efeito da minha morte toque em alguém e em mil anos haja mais uma pessoa que seja feliz graças ao efeito mariposa.”

“Iria ao porto ver os barcos passar e faria as orações da tarde vendo o sol se pôr. Iria para minha casa e com um chá preto bem forte leria a parte do Conde de Monte Cristo onde Dantes explica aos filhos do dono da companhia naval o segredo da vida. Depois leria de A Esposa do Viajante do Tempo a cena onde ele a vê pela primeira vez na biblioteca. Leria de Flores para Algernon a cena onde ele se surpreende que o doutor não falasse híndi e de Paula leria o capítulo onde o viúvo de sua filha vem jantar com sua nova esposa. Colocaria meu Talit que trouxe de Israel -embora fosse de noite- e me sentaria para estudar a Torá, e depois deitaria com minha garota para dormir, depois de um dia muito, mas muito, muito bom. Até voltar”.

E se você tivesse dois dias?” me perguntou meu Rabino. Sua pergunta me tirou do êxtase no que tinha entrado com tanto desejo. Duvidei um momento. Em um instante me dei conta que estes exercícios teóricos não funcionam se você tiver mais de um dia. Eu o olhei com espanto.

Ele sorriu: “e se você tivesse uma semana?” me perguntou. Eu olhei para ele com a testa franzida. “E se você tivesse o resto da sua vida?”.

Senti um nó na garganta. Engoli a saliva e inspirei. Retive o ar um segundo, relaxei e depois expirei. “Entendo”, lhe disse e sorri, e ele sorriu comigo.

Alessio Aguirre-Pimentel

Tradução: Igor Ravasco