segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Carta para um triste

Buenos Aires, 31 de dezembro de 2007

Prezado triste,

Sinceramente, acho que a felicidade é para todos. Ou pelo menos está ao alcance de todos. Concordo que nem todo mundo sabe focalizar o que faz, ou como faz, tendo como objetivo ser feliz. Mas felicidade não é apenas uma coisa que se constrói, é algo que se percebe. Muitas vezes esperamos ser felizes, no entanto temos como condição para sentirmos a felicidade que alguma coisa muito importante, muito grande, muito especial, tenha acontecido. Talvez tenhamos perdido a capacidade de reconhecer a felicidade nas pequenas coisas. Talvez não percebamos que a felicidade não é algo externo, mas interno e que nosso trabalho é nos darmos conta de que ela está aí, presente.

Sabemos que, em geral, o ser humano não quer ter muito trabalho para conseguir as coisas. Perceber ou construir a felicidade, é algo que, a princípio, dá um pouco de trabalho, então é muito mais simples dizer que a felicidade não foi feita para nós... ou nós não fomos feitos para sermos felizes.

38 graus nesta cidade, e eu estou há muitos quilômetros da praia. A mãe do meu filho está dormindo. Os gatos estão dormindo. O bebê está crescendo dentro dela. Meus pais, meus irmãos e meus amigos estão longe. E, talvez pelo calor, ou pelo blog de um aluno, estou delirando sobre a felicidade. Ele também pode sentir que é feliz. E ser feliz não significa nunca mais ter momentos tristes, ou passar a viver em um tuperware, numa bolha ou numa nuvem de peido, como se diz aqui em Buenos Aires.

Ser feliz, para mim, é estar disposto a ver as coisas com olhos positivos. É procurarmos nos centralizar nas coisas boas que nos acontecem todos os dias ao invés de nos centralizarmos nas coisas desagradáveis que também nos acontecem todos os dias. Tudo é uma questão de foco. Coisas boas e ruins nos acontecem a vida toda, todos os dias. Qual das duas queremos como bússola?

Sei que o poetinha disse: Tristeza não tem fim, felicidade, sim. Mas cá entre nós, a tristeza é tão ou mais inspiradora do que a felicidade. A dor, normalmente, produz obras muito interessantes. E eu acredito na arte como um meio de extravasar a dor. O que não significa ser uma pessoa triste. Uma vez perguntaram à Amália Rodrigues, grande dama do fado, se para cantar fado era necessário estar triste. Amália respondeu que para cantar fado não era necessário ESTAR triste, era necessário SER triste. O que nunca tinha me ocorrido pensar, é que SER triste era a sua FELICIDADE.

Um abraço,

I.R.

Amor de Buenos Aires

Foto: Sandra Medeiros

Buenos Aires de largas avenidas,
Monumentos e bairros escondidos,
Gostaria de ser dos esquecidos
Por ti, minha cidade sem saídas

Buenos Aires do tango, das bebidas
E das vilas miséria (os excluídos)
Gostaria de estar entre os fugidos,
Exilados após várias partidas.

Só quero te sentir, ciudad portenha.
Então ouça meu grito e apenas venha...
Pergunta o que quiseres sem demoras.

Pergunta o que quiseres, prata esfinge,
Pois a minha resposta é o que me atinge;
Já sei que te decifro ou me devoras.

I.R.

Primeira carta para os leitores

Buenos Aires, 31 de dezembro de 2007

Prezados leitores,

Dirijo-me a vocês sem saber ao menos se vocês existem. Mas pensando que vocês podem ser reais, que podem estar agora com os olhos postos nestas linhas escritas por mim (já não produzidas com papel e caneta, mas digitadas com dois dedos no teclado de um computador) seria uma extrema falta de educação não lhes dizer umas palavras.

Antes de mais nada, gostaria de dizer que adoro escrever com papel e caneta. Principalmente nas passagens de metrô daqui de Buenos Aires. Elas são pequenas, minha letra é pequena, cabem os 14 versos do soneto sem nenhum problema e posso levar comigo para qualquer lugar. Mas para dizer a verdade, uma carta como essa não pode ser escrita em uma passagem de metrô, e de vez em quando é bom modernizar-se. Então, estou aqui com dois dedos no computador, escrevendo para quem me lê. Jamais consegui aprender a escrever num teclado com todos os dedos. Tentei numa velha Olivetti, ou era Remington, (sim, sim, sou do tempo das máquinas de escrever), tentei com meu primeiro PC, mas acabei desistindo, já que digito mais rápido com dois dedos mesmo... os dois médios (o que equivale aos dois pai-de-todos).

Falando em sonetos, confesso que cometi alguns. Não sei se sou poeta. Mas gosto de escrever. Acho que é uma boa maneira para me expressar, para dizer coisas nas linhas e nas entrelinhas, ou inventar histórias, criar rimas, e me divertir. Cometi meus primeiros poemas há quase 13 anos, e se ainda não os queimei, foi porque sempre guardei o desejo de recuperar algumas idéias contidas neles. Quem sabe um dia?

Estive vários anos sem escrever. Voltei há alguns anos, mas outros alguns anos depois fechei para balanço, situação na qual me encontro. Acredito que preciso me reciclar – idéias e forma. Até que, de repente, tive a idéia de publicar em um blog esses poemas que já tenho, não os de 13 anos anos atrás, que fique bem claro. Gostaria de tê-los lançado em um livro de... sim, claro, papel. Porém é caro, é difícil sem um patrocínio, sem um padrinho; e, sejamos sinceros, gente escrevendo tem aos montes, e a maioria é poeta. Eu não sei se sou.

E com a idéia do blog veio a idéia de escrever sobre qualquer coisa, em forma de carta. A carta é uma excelente maneira para me comunicar não só com o destinatário, mas com qualquer curioso que, não sendo meu destinatário, a queira ler. Sem falar que é uma maneira de voltar a colocar as minhas idéias no “papel”. Tá certo, sou meio obsessivo, mas isso é assunto para outra carta.

Então leitores, por enquanto é isso. Boa leitura, e feliz 2008.

I.R.

domingo, 30 de dezembro de 2007

Falsa Homenagem

Ela quer ser o tema da canção,
Ela quer, ela quer ser a mais bela;
Ausências de problemas quer ser ela;
Ela quer ser o centro da atenção.

Ela quer palpitar um coração;
Ela quer que acreditem que é donzela;
Ela quer serenata na janela;
Ela quer ser bem mais do que outras são.

Ela quer, mas lhe faltam predicados;
Faltam sujeito, objeto, namorados
Que não virão, ainda que ela rode

Pelo mundo, querendo e mais querendo,
Pois todos nós estamos já sabendo
Que ela quer, ela quer, mas já não pode.

I.R.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

A vida de fantasmas anda cheia

A vida de fantasmas anda cheia
E agora pela rua sempre os vejo...
Me saúdam, me abraçam, jogam beijo,
Me assustam com caretas no ar de areia.

Do presente retornam, em mim creia,
Os fantasmas tão cheios de desejo
De fazer das lembranças seu despejo,
Despejando em meu ser dúvida e meia:

Pois como posso vê-los se estão mortos?
(Suas faces, corpos, medos, modos tortos)
Estarão vivos, mortos, estão sós?

Sei que os vejo, visão tão esquisita...
É estranha, nem feia nem bonita,
É como estar olhando a todos nós.

I.R.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

carta e verso

onde antes havia carta
agora há verso.
onde antes havia uma carta triste,
quase um pedido de permissão,
agora há versos livres.
livres e prontos para continuarem sendo versos
esperando que as palavras se juntem em novos versos
até que um dia resolvam variar
e voltem a ser carta novamente.

I.R.