quinta-feira, 14 de maio de 2009

Carta para um escravo



Buenos Aires, 14 de maio de 2009.

Prezado escravo,

Antes de mais nada, quero que fique claro que não estou escrevendo para os africanos trazidos para a América ou mesmo para os índios capturados e “domesticados” ou ainda para qualquer outro capturado de qualquer outra época e submetido ao trabalho braçal, serviçal, forçado, obrigado, etc.

Também não estou escrevendo para aqueles trabalhadores enganados a quem são prometidos mundos e fundos, mas que em pouco tempo descobrem-se sem fundos e atolados em dívidas com o patrão, isto é, com o seu novo dono.

Escrevo para você, escravo. Escravos. Todos nós. Escrevo para mim também. Eu, tantas vezes escravo de tanta coisa.

É tão fácil nos escravizarmos. É tão simples termos não apenas um, mas vários senhores. Sempre dispostos a nos disciplinar com pelo menos 50 chibatadas nas costas. Somos escravos dos nossos vícios, escravos dos nossos desejos, das nossas vontades, das nossas ideias, da sociedade, do que pensam ou pensarão de nós. Escravos de uma falsa liberdade.

Vivemos uma falsa e difundida liberdade. Acreditamos que podemos escolher, decidir. Mas uma escolha entre as opções A, B, C, D e NRA (Nenhuma das Respostas Acima) não é realmente um poder de decisão. Nossa liberdade é vigiada. Nossas escolhas são orientadas. Podemos marcar uma opção, mas apenas uma. Não há resposta pessoal. Não há prova discursiva.

Estamos, como ratos de laboratório, correndo dentro de uma roda. Não tratamos de conquistar o mundo. Não podemos conquistar nada além das possibilidades A, B, C, D e NRA, e apenas uma dela. E ai de nós que a resposta seja NRA, uma resposta que não quer dizer nada, não explica, não responde. Uma não-resposta que nos deixa parados sem nos dirigir a lugar algum.

Amigo escravo (digo isso também diante do espelho), não somos marionetes nas mãos de algum deus cruel ou alguma criança brincalhona. Somos fantoches de nós mesmos, arrotando uma liberdade de fachada e sentindo-nos felizes com isso. A Matrix não existe e Second Life é uma bobagem. O mundo “real” é chato assim mesmo.

Mas ser escravo, afinal, não é tão horrível quando na primeira pergunta a opção A é uma noite de carinho e amor com o filho dormindo e você com ânimo renovado. E na pergunta seguinte a opção B é ver o Vasco voltar à série A. E na próxima, a resposta é C, cervejada e churrasco com amigos... E NRA é a resposta de apenas uma pergunta: Quando você vai morrer? A- hoje, B- daqui a 20 anos, C- daqui a 40 anos, D- daqui a 60 anos e E- NRA.

Nessa vida, só espero que o chicote desça suave.

Um abraço,

I.R.