quarta-feira, 2 de abril de 2008

Carta para o Maniqueísmo

Buenos Aires, 2 de abril de 2008

Prezado Maniqueísmo,

imagino que a sua visão de mundo, dividida entre poderes opostos e incompatíveis, seja a maneira mais prática de se viver. Na sua prova de múltipla escolha, há apenas duas opções A ou B. Maneira prática, fácil e tentadora.

E, cá entre nós, se você escolheu um lugar para morar, esse lugar foi a Argentina, ou não? Não que aqui a vida esteja dividida entre poderes opostos e incompatíveis, mas quase. É Boca ou River, peronismo ou anti-peronismo, unitários ou federais, Crespo ou Batistuta (e se meu pai está lendo esta carta, deve estar se lembrando de uma história acontecida com ele certa vez em um táxi, mas isso é para outra carta), Canal 13 ou Telefe, etc, etc, etc.

Imagino que você não tenha querido morar no Brasil, porque não dá para dizer apenas Flamengo ou Corinthians, pois se não o que fazemos com o São Paulo, com o Palmeiras, com o Vasco, com o Fluminense, o Grêmio, o Internacional, o Cruzeiro, e tantos outros grandes clubes? Também não dá para dizer PT ou PSDB, pois teríamos que esquecer o DEM, o PMDB, o PDT e até o PSOL, que apesar de pequeno tem políticos com alguma projeção. Não podemos falar de Kaká ou Robinho. Temos que falar de Kaká E Robinho E Ronaldinho Gaúcho, se Deus quiser, com muita vontade de jogar.

Como você sabe, falo apenas sobre esses países porque é a realidade que conheço um pouco mais, não por causa de uma relação maniqueísta... ou Brasil ou Argentina... Não sei se você passou por outros países antes de se estabelecer por aqui. O que sei é que mesmo não se estabelecendo em lugar nenhum, o seu pensamento continuaria seduzindo boa parte das pessoas.

É tão fácil dizer... se não é bom, é mau. Se não trabalha, é vagabundo. Se trabalha demais, é um viciado em trabalho (ou tem problemas com o marido ou com a mulher). Se é gordo, é porque não pára de comer. Se é homossexual, é pedófilo. É simples e fácil e rápido classificar as pessoas, as situações e com isso tornar a nossa prova de múltipla escolha, que é a vida, uma avaliação mais fácil. E assim tentar conseguir uma boa nota.

Ame-o ou deixe-o. Isso disseram os militares sobre o Brasil em nossa última ditadura. Simples. Ou patriota ou comunista. Ou macho ou fêmea, ou sádico ou masoquista, ou preto ou branco, ou negro ou branco... e o azul, e o verde, e o vermelho, e o amarelo, e os gays, e as lésbicas, e os bissexuais, e os mulatos, e os caboclos, e os índios... onde ficam?

Não, senhor Maniqueísmo, o seu estilo de vida não é para mim. Passo. Prefiro um mundo com diferentes variantes, com diversas possibilidades. Nada nem ninguém é 100% bom ou 100% ruim.

Quem comete um crime, tem de pagar por ele. Mas essa é outra conversa. Defender um mundo sem a sua influência não significa que eu seja a favor de um mundo onde tudo seja permitido. Pensar que eu defendo isso seria um pensamento maniqueísta, se é que você me entende.

É por isso que eu já decidi. Depois de morto, não quero nem o céu nem o inferno. Prefiro passar uns tempos no purgatório, que é uma terceira opção.

Cordialmente,
I.R.