segunda-feira, 31 de março de 2008
De um eu poético
E se as rimas parecem sempre as mesmas,
Enchendo cinco folhas ou três resmas
Com angústias e amores bem vividos,
É porque não escrevo os meus latidos
Ou minhas caminhadas entre as lesmas,
Já que as voltas da vida quase as mesmas
São: com sorrisos, choros e gemidos.
E a mágica é escrever novos poemas,
Usando quase sempre os mesmos temas,
Vivendo nova angústia, outra agonia,
Ou a nova paixão inesperada;
Até que não me reste a mim mais nada
E só passe a fazer metapoesia.
I.R.
domingo, 30 de março de 2008
Carta para Drummond
Caro Drummond,
faz anos que tenho vontade de escrever para você, para responder uma pergunta sua que conheci nos meus tempos de faculdade. Trata-se do poema Cota Zero.
Cota Zero
Stop.
A vida parou
ou foi o automóvel?
Longe de mim escrever essa carta com pretensões de crítica literária. Outros já fizeram isso, e com certeza, muito melhor do que o que eu poderia fazer. Mas essa pergunta ronda a minha cabeça e coça os meus dedos para eu me sentar e dizer o que acho.
Muita coisa pára. Mas acho que, hoje, os carros já não param. Aqui na Argentina quem parou foram os tratores, em uma greve agrária de mais de 15 dias. Mas os carros, esses não param nunca. Esses andam cada vez mais rápido, desrespeitando leis de trânsito, placas, acostamentos, pedestres, fazendo com que o automóvel se transforme em uma arma na mão de motoristas despreparados, egoístas, irresponsáveis com a própria vida e com a vida dos demais.
Os carros não param. Capotam, batem e atropelam.
E a vida, pára? Acho que depende. O que é vida? Se pensamos que é apenas nascer, crescer, nos reproduzirmos e morrer, e enquanto vamos ensaiando a reprodução, trabalhar, comer, cagar, mijar e ver televisão, talvez a vida não pare, mas esteja parada há muito tempo. E não estou falando de nada religioso. Longe de mim a pretensão de dizer o que é a vida. Afinal, o que é bom para mim, pode não ser bom para outra pessoa. Mais longe ainda fazer um discurso dizendo que apenas quem tem deus (qual deles?) no coração tem a vida plena.
Mas sinto dentro de mim que a vida não é só a repetição de coisas que fazemos, enquanto esperamos a hora de morrer bater na nossa porta. Sinto que a vida é a beleza do encontro e a necessidade do isolamento para encontrar-me comigo de vez em quando.
Não sei se você leu a minha carta para os meus colegas de faculdade, mas nela eu falo um pouco sobre a arte do encontro, tema da redação do meu vestibular. Sinto que se não há fraternidade entre as pessoas, se não existe a busca da compreensão, se não há respeito pelos outros, a vida vai se tornando apenas uma casca ou algo imóvel. Para mim, viver no egoísmo, no individualismo, no “umbiguismo” faz do homem um ser sem vida, por mais que a pessoa esteja viva.
E o que eu vejo, Drummond, neste mundo onde vivo, é que a sociedade é basicamente “umbiguista”, preocupada apenas com o próprio umbigo, com o próprio bolso, com as próprias angústias e misérias. Cada um por si. Ou cada um por si e deus contra todos, como dizem os Titãs.
Pode ser que este seja um pensamento romântico, utópico, irreal, delirante, mas espero que me deixem com meu romantismo brega... prefiro o lema dos três mosqueteiros, “um por todos e todos por um”. Prefiro acreditar que a vida pode ser para todos, e que a palavra respeito pode ser nossa bússola. Na minha opinião, o poema, Drummond, hoje seria:
Stop.
A vida parou.
Um abraço, e que a força o acompanhe,
I.R.
sexta-feira, 28 de março de 2008
Feira americana
Sua alegria espontânea é de fachada
Uma atuação brilhante, mas bichada
Perfeita sedução pé-de-chinelo
A quem você engana em seu castelo?
A muitos, eu já sei sem saber nada
E sei também da alma desalmada
Que você mostra a todos qual flagelo
Se você dá farelos e migalhas
Se em vez de coisas boas só dá tralhas
Reconheço, no fundo me dá dó
Pois sei que você vive numa farsa
É um urubu fingindo que é uma garça
Que quer comprar a vida num brechó
I.R.
quinta-feira, 27 de março de 2008
Um pouco de Dédalo
E não termina nunca o labirinto
Há sempre o que sentir, por isso eu sinto
E sento e sou levado em palanquim
Não fui e não cheguei, também não vim
Num críptico caminho vinho tinto
Não fui primeiro ou sexto, e não fui quinto
Sou primeiro-ministro e mandarim
E também nesta corte sou o bobo
Cordeiro disfarçado como lobo
Pintando de nanquim vício por vício
E com labirintite vou sem rumo
Ando, caminho, corro e me consumo
No fim que pode ser também início
I.R.
quarta-feira, 26 de março de 2008
Carta para os (ex-)colegas de faculdade
segunda-feira, 24 de março de 2008
Dese(j)o
Caminho pelo mundo, vou em paz
À espera de você que não vem mais,
Razão por que o querer-te já aniquilo
La esperanza que tuve por un hilo
Angustia de saber que vos no estás
Me hizo no querer quererte más
Aún queriendo, aún siendo intranquilo
Ridículo eu me sinto se te quero
Covarde se eu não fosse tão sincero,
Inteligente e doce: o mais amigo
Ahora... perdoname la ansiedad
La angustia es que te quise de verdad...
Espero que la paz siga conmigo.
I.R.
domingo, 23 de março de 2008
Sonetos subterrâneos
Quis fazer um poema pessimista
Mas no que se repara à simples vista
É que ou sou infeliz ou imaturo
Quis um mote sombrio, outro inseguro
Quis ser do sofrimento um grande artista
E embora a minha mente mais insista
Percorro em meus vagões outro futuro
Que vive a cada instante a sua vez,
Sofrendo uma incessante timidez
Que some em alguns flashes momentâneos
E me espalho nos versos destes trilhos,
E sou meus ancestrais, e sou meus filhos,
E escrevo meus sonetos subterrâneos.
I.R.
quinta-feira, 20 de março de 2008
Carta para Lorena Bobbit
Buenos Aires, 20 de março de 2008
Prezada Lorena Bobbit,
nunca pensei que um dia eu fosse escrever para a mulher que se tornou famosa ao cortar, arrancar, decepar o pênis do marido. Pois é, mas agora é exatamente o que estou fazendo. Como vai, tudo bem? Você tem visto o John? Soube que ele fez um filme pornô, aproveitando a fama de ter tido o pênis cortado e depois reimplantado. Você acabou fazendo dele um homem famoso.
Mas não foi para falar da história de vocês que eu resolvi escrever. É que esta semana eu entrei em contato com alguém que pertence ao mesmo clube que você, o dos cortadores de pênis. Calma, calma, não pense que aqui em casa a coisa ficou descontrolada, pegaram uma faca e num segundo cortaram uma parte de mim. Nada disso. Peloamordedeus!!! Então que história é essa de eu escrever para você?
Eu te explico. O que me cortaram foi um pênis escrito. Mais do que cortado, ele foi cortado, arrancado, pela raiz, quase como se fosse para uma cirurgia de mudança de sexo. Que saber detalhes? Eu conto.
Na semana passada, eu estava fazendo uma tradução para um programa do canal Discovery. O programa falava sobre coisas relacionadas aos pés e ao ato de caminhar, como os sapatos, por exemplo, ou o chulé. No final do programa, havia uma referência ao mito de que o tamanho dos pés corresponderia ao tamanho do pênis. E não há maneira mais discreta de chamar o órgão sexual masculino do que essa... pênis.
Bem, Lorena, mas a pessoa que fez a correção do meu trabalho não pensava dessa forma. Me mandaram um e-mail pedindo que essa palavra fosse substituída. Mas, pera lá, o que esperavam que eu colocasse? Pau? Cacete? Caralho? Piru, pinto, pistola, bilau, geba ou jeba, etc, etc, etc? Eu respondi dizendo que não seria possível trocar a palavra. Cada linha de texto precisava respeitar um espaço de 34 toques (não daria para chamá-lo de “órgão sexual masculino”, pois a frase tinha outras palavras também), e a palavra pênis é a o que há de mais científico e discreto. Pois é, respondi o famoso INPS (infelizmente não pode ser). E a decisão da produtora foi editar o vídeo, e tirar toda a parte que fizesse referência no vídeo e no texto à palavra pênis. Arrancaram meu pênis, metaforicamente, pela raiz.
Essa falsa moral me surpreendeu. Primeiro me perguntei, por que esse vídeo pode ser visto no Canadá, nos Estados Unidos, na Argentina, na íntegra, com a palavra pênis, e no Brasil o vídeo tem de ser censurado? Qual é o problema com o pênis, se quase a metade da população tem, e a metade que não tem, em sua maioria, gosta dele? Certos programas podem dizer coisas picantes na televisão, mas um documentário da Discovery não pode dizer a palavra pênis. Qual foi o problema desse pênis, tinha fimose, e nem a Discovery nem eu, quando fiz a tradução, percebemos?
Pois é, a falsa moral me surpreendeu, mas se penso um pouco mais, essa atitude não deveria ter me surpreendido, afinal, o mundo está cheio de gente assim. Gente que combate os marajás, mas sofre um impeachment por corrupção, gente que combate a prostituição, mas tem de renunciar por ter contratado os serviços de uma agência de prostitutas, gente que condena o uso da palavra pênis em um documentário, mas que vê em Bruna Surfistinha uma filósofa do século XXI.
São esses censores os que estão criando uma geração assexuada, para quem o sexo é mais do que um tabu, é um problema. Uma geração sem pênis ou vaginas. Uma geração censurada.
É isso, Lorena, espero que você esteja bem, e que as facas da sua casa estejam todas cegas, para a proteção dos seus novos namorados. E se você quer saber se o tamanho do pé tem relação com o tamanho do pênis, o médico disse que não é bem assim, a melhor maneira para saber é testando, tipo um test-drive, ou então ver a distância entre a ponta do dedão e a do indicador, quando o homem simula uma pistola com esses dedos.
Bem, vou almoçar. A gente se fala.
Um abraço,
I.R.
quarta-feira, 19 de março de 2008
Vivaldiana
De coisas sem saber se elas virão,
Mas por inteiro ver cada emoção
Como uma tentativa; a mais sincera.
Deixar o barco solto, essa galera,
Tentando ser; tentando (a tentação),
E no calor ser quente qual verão
E ter a flor de toda primavera.
Vibrando a cada novo tique-taque
Com a força de dois Bozos e um Mandrake
Indo do paraíso até o inferno
Eu sei que bem mais tarde terei sono,
Mas sabendo o sabor (frutas de outono)
Hibernarei com ardor ao vir o inverno.
I.R.
terça-feira, 18 de março de 2008
Versos de efeito
De quase sempre ser frase vazia
Que no homem um pensar ainda não cria
Além dessa armadillha que é o efeito
E como pra fugir já não há jeito
Monto frases que nunca deveria
E vejo em velhas frases todo dia
Que aceitam o que escrevo, e não aceito
E como escrevo aquilo em que não creio?
Mentira! Leia o tema que te leio
Sinta o efeito que tem todo este jogo
E se deixe enredar pela armadilha
Da falácia, que é mãe, irmã e filha
Do efeito que nos traz o verbo em fogo.
I.R.
segunda-feira, 17 de março de 2008
Carta para a Língua Portuguesa
Buenos Aires, 17 de março de 2008
Querida Língua Portuguesa,
última flor do lácio, inculta e bela. Como não citar os versos de Olavo Bilac... não que eu goste de Olavo Bilac, para dizer a verdade não tenho muita simpatia pela pessoa que foi. Sei que os seus poemas merecem algum destaque na história da literatura brasileira, mas o poeta como pessoa... bem, passo. Mas a senhora sabe que talvez essa seja a frase mais famosa dita para defini-la. Ou estou enganado?
Bem, dona Língua, senhora com quase mil anos, mas séculos de transformações, para mim é um prazer ser um falante seu. Sei que todas as línguas têm as suas particularidades e riquezas, mas eu não conheço todas as línguas, e não posso falar sobre elas. (Para dizer a verdade, conheço a senhora, e conheço a sua irmã, a Língua Espanhola, e a sua prima Inglesa eu fui obrigado ao menos a reconhecê-la na rua.) Mas bem, como eu dizia, ser seu falante é um prazer.
Adoro pensar em suas possibilidades, nos sons dos seus fonemas, da sua vastidão e presença em quase todos os continentes deste mundo. Talvez a senhora já saiba, mas o que mais me atrai em ser seu falante é o fato de a senhora ser uma língua extremamente musical, pelo menos na sua versão que eu conheço.
Ah, é verdade, ia me esquecendo desse detalhe. A senhora é mesmo um ser complicado... senhora de quase mil anos, cheia de caprichos, de manias... dividida em diferentes pronúncias, em diferentes versões... a lusitana, a brasileira, a moçambicana, a angolana, a cabo-verdiana, a são-tomense, a guineense e a timorense (talvez ainda exista uma versão macauense, mas eu precisaria de um leitor de Macau que comentasse um pouco esta carta), mas sei que essas diferenças de pronúncia também acontecem entre um baiano e um gaúcho, ou entre um paraibano e um carioca. Seu mundo é vasto, velha jovem senhora!
Mas essas diferenças de pronúncia, de vocabulário, e até alguns detalhes gramaticais, não nos impedem de nos entendermos, de sermos todos “filhos” da mesma língua. E a senhora sabe que meus colegas portugueses e moçambicanos que passeiam por este blog dão fé disso.
E não acredito nessa palhaçada inventada como forma de dominação de que algumas pessoas falam certo e outras falam errado. E a senhora sabe que os inventores disso são os pedantes que acham que é bom manter esse sistema informal de castas em que vivemos. Mas isso é assunto para outra carta.
Só que tem uma coisa, e eu vou confessar para a senhora. A senhora sabe que sou professor. Sou professor de... sim da senhora... e conheço colegas de profissão que não nasceram como “filhos” seus, mas como “sobrinhos”. E, já que estou confessando, sei que a senhora sabe que alguns a tratam com muito respeito, que alguns a pronunciam como se deve, e que passam isso a seus alunos. Mas outros a maltratam, pronunciam um idioma que não sei qual é, e que, pelo menos hoje, ainda não existe. E sabe o que é pior, esses meus colegas exigem que seus alunos tenham uma pronúncia de “filho” do idioma. É, mas não sabem que rola e rola são duas coisas muitíssimo diferentes, e que pão e pau também, e que cal e cão, e xota e jota, e massa e maçã, e toco e toco, que “quem” não tem plural e que censo é sinônimo de recenseamento. Pois é, mas esses colegas têm o poder da caneta vermelha, o das portas da aprovação e da desaprovação, e se sentem um pouco deuses e acreditam que são seus “filhos”... mas são “sobrinhos”, e nem todo “sobrinho” (sejamos honestos) tem direito à sua herança.
É, dona Língua Portuguesa, obrigado por ser minha pátria, como diz Caetano. Obrigadíssimo por ser o meu ganha-pão. E quanto aos seus “sobrinhos”, não seja muito dura, mas quando puder, puxe um pouco a orelha deles.
Um grande beijo,
I.R.
sábado, 15 de março de 2008
Contra o portunhol
E que me faz sorrir ou me consola
O meu idioma, um solo (ou uma bola)
É língua que eu não quero que congele
É língua que ele escreve com um L
É rola que avoa e que não rola
É sonho que no sono não se atola
Que o novo novamente se revele
Me rebelo a favor desse idioma
E antes de que esse amor mais me consoma
Me entrego a tentação de uma maçã
E a massa que se forma em minha mente
Se assa em forma que nunca se desmente
Que a língua é minha mãe e minha irmã
I.R.
quinta-feira, 13 de março de 2008
Portenho
Dessas difíceis, duras de agüentar,
Dessas que dão vontade de chorar
E fazem ver a vida sem beleza,
Procuro em minha débil natureza...
Procuro uma alegria sem cessar;
(Mas sem saber ao certo onde buscar)
Procuro num sorriso uma certeza.
Procuro e me entristeço, encontro nada...
Achando a busca em si equivocada
Pesando que esta vida é toda ingrata...
Até que em meio à súplica e ao rogo,
Eu sinto que me queima e invade um fogo
Ao ver o sol nascer no Rio da Prata.
I.R.
quarta-feira, 12 de março de 2008
Receita de Xaréu
Bote o sol quando um belo dia raia,
Bote morros e gruta, bote praia,
Acrescente bastante azul do mar.
Comece pouco a pouco a misturar;
Misture o ar com o sol e tenha arraia,
A gaivota com o peixe, e entenda a vaia,...
E o caldo da mistura é bom provar.
Então prove o gostinho do tempero...
Devagar, não precisa o desespero,
Falta botar um pouco mais de sal.
Só assim a receita estará pronta,
E ao devorarmos tudo e além da conta,
Teremos o gostinho do Arraial.
I.R.
terça-feira, 11 de março de 2008
Carta para a Vida
Buenos Aires, 11 de março de 2008
Amada Vida,
como é bom estar em contato com você todos os dias. No dia 2 de maio completaremos 400 meses de contato direto. E sou feliz por isso, apesar de saber que não posso, nem poderei me sentir plenamente realizado.
Parece contraditório, e talvez até o seja, mas toda a minha felicidade vai ter uma leve ponta (ou uma grande sombra, depende do dia) de tristeza, ao ver que existe tanta gente sofrendo neste mundo. E não falo do sofrimento da perda de alguém, ou de uma doença, coisas que são tristes, mas são inevitáveis nessa aventura de viver. Mas penso nas pessoas que sofrem por não ter o que comer, que sofrem por não ter onde morar, por não terem trabalho digno, ou simplesmente não terem trabalho. A minha felicidade não consegue ser suficientemente egoísta a ponto de esquecer essa realidade, que não é fruto da Vida, mas conseqüência da atitude dos seres humanos, daqueles que detém o poder e o usam a serviço do mal, em benefício próprio ou de poucos.
Mas agora, com a proximidade da chegada do Santiago, tenho sentido essa coisa indefinível do milagre da Vida muito mais perto. Acompanho o seu crescimento na barriga da mãe, sinto os seus chutes, as suas cabeçadas e me emociono ao mesmo tempo em que me impressiono em saber que há um ser vivo, um ser humano, uma pessoa crescendo aí dentro.
Há pouco mais de uma semana fomos a uma ultrassom 4D. Nesse dia, choveu como há muito tempo não chovia em Buenos Aires. Bairros ficaram alagados, comerciantes perderam mercadorias, houve um terrível caos de trânsito, mas nós estávamos em outro mundo, conhecendo o rosto do Santiago, com 28 semanas e 3 dias, dando uma de difícil e se escondendo com as mãos e com os pés. Mas nós o vimos, e eu posso dizer que ele é o joelho mais lindo do mundo.
Só que Você tem seus caprichos, eu sei. E só como um capricho seu eu posso entender o que me aconteceu na sexta-feira. Nessa última sexta, aprendi que Você, a Vida, passa tão rápido, que dura apenas três estações de metrô. E que a gente tem de saber vivê-La, tem de aproveitá-La, curti-La a cada instante. Depois de um dia cansativo de trabalho, às onze da noite... Um senhor entra na estação Uruguay do metrô, linha B. Ele se senta e na estação Callao começa a passar mal. Na estação Pasteur, ele já está quase imóvel, e chega morto à estação Pueyrredón. Ele está ali, a menos de dois metros de mim. Com a boca e os olhos abertos, o pé torto, a mão com as palmas viradas para cima, com a expressão de quem passou a ser apenas um corpo, apenas um corpo.
É, Vida, eu sei que Você é assim. Nascer e morrer são o pão e Você é o recheio deste nossa passagem por aqui. Aos que podemos, acho que nos cabe escolher o melhor recheio. Aos que não podem, acho que nos cabe fazer alguma coisa para que todos tenham acesso a essa “liberdade”.
Não sabemos quando Você vai chegar. O Santiago, por exemplo, sabe que chega em maio, se não for apressado. E sabemos ainda menos que Você vai embora. Pode ser hoje, pode ser daqui a 70 anos, num vagão de metrô. Mas, sinceramente, não importa não saber; nem mesmo não saber se Você vai continuar depois disso que chamamos de morte.
O que me interessa hoje é caprichar no recheio. Um bom queijo, um bom molho, alguns frios (apesar dos protestos dos meus pais vegetarianos), um tomate seco... e acompanhar esse sanduíche com um bom copo de guaraná.
Até sempre, um abraço,
I.R.
segunda-feira, 10 de março de 2008
Encruzilhada sem saída
Só posso humildemente duvidar,
Pois se saber ajuda a caminhar,
Não saber nos ajuda a ter perguntas.
As idéias eu quero manter juntas,
Me ajuda a não saber, só perguntar;
Me ajuda ao vir saber imaginar;
E nada responder ao que perguntas.
Mas eu não digo nada nem a mim,
Não respondo à pergunta não ou sim,
Vivo o talvez de toda indecisão.
Que não responde nada nesta vida,
Pois se encontra num beco sem saída;
Saber ou não saber, eis a questão.
I.R.
sexta-feira, 7 de março de 2008
Relacionamento Moderno
E bem atualizado o seu orkut
Tem blog e um novo amor pelo que lute
Mesmo sem conhecê-lo ou tê-lo perto
Sabe apenas que se amam, que isso é certo
E não há na internet o que refute
É amor de verdade, não um chute
E não há um anti-vírus descoberto
Mas depois de um amasso virtual
A conexão perdeu o seu sinal
E a banda larga agora é uma tragédia
Um cavalo de tróia no pc
E o fim de um grande amor sem um porquê
Um fora com um tchau na wikipédia
I.R.
quinta-feira, 6 de março de 2008
Carta para o Ônibus
Buenos Aires, 6 de março de 2008
Prezado Ônibus,
há tantos anos convivemos e eu nunca lhe mandei sequer um bilhetinho. Acho que está na hora. Não quero parecer um desagradecido, ou alguém que usa seus serviços apenas por falta de opção. O que não está longe da verdade.
"Meu" primeiro ônibus, de que tenho memória, foi um Salineira. É incrível como essa empresa, a Salineira, monopoliza o mercado de transporte coletivo na Região dos Lagos do estado do Rio de Janeiro. Cabo Frio, Arraial do Cabo, Araruama, São Pedro d'Aldeia, Búzios e mais alguns etc, estão à mercê dos desejos do Rei Chico da Salineira. (E disso pouca gente reclama. Publicamente, então, ainda menos.) Foi à bordo de um ônibus da Salineira que eu passei meus piores enjôos urbanos. Eu sentia vontade de vomitar todas as vezes que andava de ônibus. Eu tinha espírito, ou estômago, de rico e não sabia.
Foi também num Salineira onde, pela primeira vez, com 13 anos, eu andei sozinho de ônibus. Para mim, ir a Cabo Frio sozinho foi toda uma aventura. Mas os anos se passaram e minha relação com os ônibus foram mudando, à medida em que eu também mudava, ou me mudava.
Com 17 anos fui estudar em Belo Horizonte. E de repente me vi cercado por inúmeras linhas de ônibus, todas definidas por números. Os ônibus, em si, eram todos iguais, o que mudava era a cor deles. Havia amarelos, azuis e vermelhos, só. O resto, era com os números. No primeiro dia que arrisquei pegar um sozinho, fui visitar minha tia, que, nessa época, morava lá. Talvez ela não se lembre, mas apareci tardíssimo na casa dela, pois tinha tomado o ônibus para o lado errado. Eu, completamente caipira, estava acostumado com a Salineira, que sempre começava e terminava a viagem no mesmo ponto. Na minha cabeça não existia essa história de um ônibus ir de um lugar a outro e terminar a viagem. Para mim, todo ônibus era circular.
Vencido esse desconhecimento, em pouco tempo me tornei amigo dos ônibus de Belo Horizonte, mas naquele dia, eu voltei para casa de táxi, com um dinheiro que ela me deu.
Depois, aos 23 vim para Buenos Aires. E aí, você sabe, amigo Ônibus, as diferenças eram maiores. Ônibus com números, cores, trajetos, língua diferentes. Ônibus com "máquinas caça-níquel" que entregam a passagem. E, apesar de tantas diferenças, e da obrigatoriedade de juntar moedas para poder viajar, a adaptação foi mais tranqüila. Talvez porque eu já não fosse mais tão caipira. Mas, confesso que foi nessa época que eu me rendi às vantagens de outro meio de transporte... o metrô. Eu adoro o metrô... principalmente para ler, e porque as viagens são bem mais rápidas.
Só que paixão antiga é paixão antiga... e os ônibus tem uma magia que o metrô não tem. O vento batendo no rosto, dormir fazendo malabarismo para não cair no colo do passageiro ao lado, a aposta sobre qual passageiro vai descer primeiro e vai deixar um lugar vazio, e se você vai conseguir sentar ou não.
Tá bem, talvez eu esteja exagerando e andar de ônibus não seja tão romântico assim. Talvez seja um inferno, principalmente naqueles dias em que está tão cheio que nem a alma consegue subir. Ou que depois de um dia de trabalho, no verão, você entre e já encontre lá dentro, aquela murrinha, aquele cheiro de mil jaulas usadas.
Talvez. Mas acordei de bom humor, e essa carta é um agradecimento, não uma crítica. Pode ser que a crítica eu a escreva daqui a pouco, depois de voltar do trabalho.
Ontem ouvi na televisão uma mulher que dizia que sem carro, ela preferia não sair de casa. Eu descobri que eu também. Sem meu Mercedes, com motorista e espaço para 42 sentados e quantos der em pé, eu tambem não saio. De jeito nenhum!
Um grande abraço, do seu usuário,
I.R.
terça-feira, 4 de março de 2008
Soneto dos ponteiros
Enquanto a vida ocorre ao meu redor
Espera eterna, um Tédio do melhor
(- Por favor, uma caixa e duas rosas)
Tédio pra mim. As flores? Horrorosas,
De um plástico barato, do pior,
E os ponteiros trabalham sem suor
Mas com as insistências mais raivosas
E enquanto a vida ocorre à minha volta
Um ponteiro minúsculo se solta
E me diz que os ponteiros vão ser francos
Hoje o dia será todinho lento
Mas eu devo ficar desperto e atento
Pra receber mais mil cabelos brancos
I.R.
segunda-feira, 3 de março de 2008
Ardente
De um farol, de um sinal em amarelo...
Ou ser o castiçal deste castelo
Medieval, com as velas que não pus.
Pensei que ela quisesse... e recompus
As luzes de natal que eu sempre velo,
Sua casa feita brasa já em farelo,
Pensei nela lampião que lá reluz
Pensei que ela quisesse uma fogueira;
Pensei e repensei a noite inteira;
Pensei entregue apenas ao costume...
Pois ela não queria nada ter,
E não queria ainda nada ser...
Queria apenas ver um vaga-lume.
I.R.
domingo, 2 de março de 2008
Carta para a dona Opção
Buenos Aires, 02 de março de 2008
Prezada dona Opção,
Tenho pensando muito na senhora. Para ser franco, há muito tempo. Sempre me atraiu a idéia de que se faço uma escolha, deixo de lado um número imenso de possibilidades.
Cada escolha que faço, cada decisão que tomo, gera um número infinito de possibilidades que serão apenas isso mesmo, possibilidades. Como se existissem infinitos universos paralelos coexistindo, não só na minha vida, mas na Vida, no Mundo, na Existência de todos nós e em nossas inter-relações.
E pensar nisso é um exercício de “Ses”. Se eu não tivesse vindo para Buenos Aires... Se eu não tivesse me casado... Se eu não tivesse me separado... Se não tivesse conhecido outra pessoa... Se não tivesse comprado aquela caixa de camisinha que tinha Aquela que furou... O problema é que esse exercício não tem fim. E se os avós paternos dela não tivessem saído da Grécia... Se meu bisavô materno não tivesse ido de Portugal para o Pará... Se meus pais não tivessem se conhecido...
Sempre há muitas opções, muitas possibilidades, e na escolha de uma delas, que nem sempre é consciente, esses universos paralelos vão se formando. E eu também sinto isso na hora de escrever um poema. Quando escolho uma palavra para um verso, deixo de escolher outra. Quando escrevo um verso deixo de escrever outro. Se escolho uma palavra ou um verso, o poema diz uma coisa; se escolho essa palavra ou esse verso o poema deixa de dizer essa outra coisa que poderia dizer, mas que não diz, e que passa a existir apenas no mundo da possibilidade, no universo paralelo dos poemas.
Às vezes tenho a sensação de que a vida é um desses livros onde o leitor decide o final (claro que dentro de algumas opções... afinal não acredito que tenhamos plena liberdade de escolha, mas isso é assunto para outra carta).
A questão é que pelo menos, nós, leitores, estamos vivos e podemos ler os livros de nossas vidas. Mas e aqueles cujas possibilidades de escolha, de existência, de vida, foram subtraídas e anuladas?
Discute-se agora no Brasil o uso ou não de células-tronco embrionárias para pesquisas. Eu sei que para portadores de diferentes doenças esse tipo de pesquisa poderia chegar a uma cura, e que para eles essas pesquisas são uma ponta de esperança. E entendo o desejo que eles têm de que essas pesquisas sejam feitas. Compreendo o sofrimento que tem, e reconheço que nada do que tenho ou tive chegou perto do sofrimento por que essas pessoas e seus familiares passam.
Mas não consigo entender a frieza que essas pessoas têm, e que é a mesma dos cientistas, ao dizerem que o uso de embriões não é um problema, já que no embrião ainda não há vida. Como não há vida? Por acaso algo sem vida pode crescer sozinho, num ambiente propício, lógico, e se transformar no que cada um de nós é? Algo sem vida, pode se tornar vivo como num passe de mágica? E em nome da ciência e da Humanidade, dizem que a lei só permite pesquisas com embriões congelados há mais de 3 anos ou inviáveis e com o consentimento dos pais (alguém pode ser pai de um embrião morto?)... como se isso fosse amenizar o Não-Vir-a-Ser desses embriões. Esses seres vivos, tratados como material de reposição, algo como uma loja de auto-peças para seres humanos, não tem direito de escolha. Não sabem, nem vão saber o que é a opção. Não terão direito a decidir o seu próprio final nesse livro que cada um de nós lê.
Para quê? Afinal, há gente demais, e pesquisar em embriões é Humano, e qualquer semelhança com práticas nazistas é invenção de quem é contra a modernidade. Ah, mas eu ia esquecendo, para os cientistas o embrião não tem vida... Claro, cada época com sua propaganda para nos vender aquilo em que queremos acreditar. No século 17, para justificar a escravidão, a Igreja Católica dizia que o negro não tinha alma. No século 21, para justificar o seu assassinato, a “Igreja” Ciência diz que o embrião não tem vida. E nós, como bons interesseiros, acreditamos no que mais nos convém.
Sabe, dona Opção, amo a vida. Eu não poderia viver sabendo que para estar vivo tive de eliminar a vida e o futuro de uma pessoa. Optei por amar a vida, sim, mas não a qualquer preço.
Bem, vou ficando por aqui. Qualquer dia passo para a gente tomar aquele chimarrão com “bizcochitos de grasa”.
Um abraço,
I.R.