Buenos Aires, 30 de março de 2008
Caro Drummond,
faz anos que tenho vontade de escrever para você, para responder uma pergunta sua que conheci nos meus tempos de faculdade. Trata-se do poema Cota Zero.
Cota Zero
Stop.
A vida parou
ou foi o automóvel?
Longe de mim escrever essa carta com pretensões de crítica literária. Outros já fizeram isso, e com certeza, muito melhor do que o que eu poderia fazer. Mas essa pergunta ronda a minha cabeça e coça os meus dedos para eu me sentar e dizer o que acho.
Muita coisa pára. Mas acho que, hoje, os carros já não param. Aqui na Argentina quem parou foram os tratores, em uma greve agrária de mais de 15 dias. Mas os carros, esses não param nunca. Esses andam cada vez mais rápido, desrespeitando leis de trânsito, placas, acostamentos, pedestres, fazendo com que o automóvel se transforme em uma arma na mão de motoristas despreparados, egoístas, irresponsáveis com a própria vida e com a vida dos demais.
Os carros não param. Capotam, batem e atropelam.
E a vida, pára? Acho que depende. O que é vida? Se pensamos que é apenas nascer, crescer, nos reproduzirmos e morrer, e enquanto vamos ensaiando a reprodução, trabalhar, comer, cagar, mijar e ver televisão, talvez a vida não pare, mas esteja parada há muito tempo. E não estou falando de nada religioso. Longe de mim a pretensão de dizer o que é a vida. Afinal, o que é bom para mim, pode não ser bom para outra pessoa. Mais longe ainda fazer um discurso dizendo que apenas quem tem deus (qual deles?) no coração tem a vida plena.
Mas sinto dentro de mim que a vida não é só a repetição de coisas que fazemos, enquanto esperamos a hora de morrer bater na nossa porta. Sinto que a vida é a beleza do encontro e a necessidade do isolamento para encontrar-me comigo de vez em quando.
Não sei se você leu a minha carta para os meus colegas de faculdade, mas nela eu falo um pouco sobre a arte do encontro, tema da redação do meu vestibular. Sinto que se não há fraternidade entre as pessoas, se não existe a busca da compreensão, se não há respeito pelos outros, a vida vai se tornando apenas uma casca ou algo imóvel. Para mim, viver no egoísmo, no individualismo, no “umbiguismo” faz do homem um ser sem vida, por mais que a pessoa esteja viva.
E o que eu vejo, Drummond, neste mundo onde vivo, é que a sociedade é basicamente “umbiguista”, preocupada apenas com o próprio umbigo, com o próprio bolso, com as próprias angústias e misérias. Cada um por si. Ou cada um por si e deus contra todos, como dizem os Titãs.
Pode ser que este seja um pensamento romântico, utópico, irreal, delirante, mas espero que me deixem com meu romantismo brega... prefiro o lema dos três mosqueteiros, “um por todos e todos por um”. Prefiro acreditar que a vida pode ser para todos, e que a palavra respeito pode ser nossa bússola. Na minha opinião, o poema, Drummond, hoje seria:
Stop.
A vida parou.
Um abraço, e que a força o acompanhe,
I.R.