quinta-feira, 20 de março de 2008

Carta para Lorena Bobbit

Buenos Aires, 20 de março de 2008


Prezada Lorena Bobbit,


nunca pensei que um dia eu fosse escrever para a mulher que se tornou famosa ao cortar, arrancar, decepar o pênis do marido. Pois é, mas agora é exatamente o que estou fazendo. Como vai, tudo bem? Você tem visto o John? Soube que ele fez um filme pornô, aproveitando a fama de ter tido o pênis cortado e depois reimplantado. Você acabou fazendo dele um homem famoso.


Mas não foi para falar da história de vocês que eu resolvi escrever. É que esta semana eu entrei em contato com alguém que pertence ao mesmo clube que você, o dos cortadores de pênis. Calma, calma, não pense que aqui em casa a coisa ficou descontrolada, pegaram uma faca e num segundo cortaram uma parte de mim. Nada disso. Peloamordedeus!!! Então que história é essa de eu escrever para você?


Eu te explico. O que me cortaram foi um pênis escrito. Mais do que cortado, ele foi cortado, arrancado, pela raiz, quase como se fosse para uma cirurgia de mudança de sexo. Que saber detalhes? Eu conto.


Na semana passada, eu estava fazendo uma tradução para um programa do canal Discovery. O programa falava sobre coisas relacionadas aos pés e ao ato de caminhar, como os sapatos, por exemplo, ou o chulé. No final do programa, havia uma referência ao mito de que o tamanho dos pés corresponderia ao tamanho do pênis. E não há maneira mais discreta de chamar o órgão sexual masculino do que essa... pênis.


Bem, Lorena, mas a pessoa que fez a correção do meu trabalho não pensava dessa forma. Me mandaram um e-mail pedindo que essa palavra fosse substituída. Mas, pera lá, o que esperavam que eu colocasse? Pau? Cacete? Caralho? Piru, pinto, pistola, bilau, geba ou jeba, etc, etc, etc? Eu respondi dizendo que não seria possível trocar a palavra. Cada linha de texto precisava respeitar um espaço de 34 toques (não daria para chamá-lo de “órgão sexual masculino”, pois a frase tinha outras palavras também), e a palavra pênis é a o que há de mais científico e discreto. Pois é, respondi o famoso INPS (infelizmente não pode ser). E a decisão da produtora foi editar o vídeo, e tirar toda a parte que fizesse referência no vídeo e no texto à palavra pênis. Arrancaram meu pênis, metaforicamente, pela raiz.


Essa falsa moral me surpreendeu. Primeiro me perguntei, por que esse vídeo pode ser visto no Canadá, nos Estados Unidos, na Argentina, na íntegra, com a palavra pênis, e no Brasil o vídeo tem de ser censurado? Qual é o problema com o pênis, se quase a metade da população tem, e a metade que não tem, em sua maioria, gosta dele? Certos programas podem dizer coisas picantes na televisão, mas um documentário da Discovery não pode dizer a palavra pênis. Qual foi o problema desse pênis, tinha fimose, e nem a Discovery nem eu, quando fiz a tradução, percebemos?


Pois é, a falsa moral me surpreendeu, mas se penso um pouco mais, essa atitude não deveria ter me surpreendido, afinal, o mundo está cheio de gente assim. Gente que combate os marajás, mas sofre um impeachment por corrupção, gente que combate a prostituição, mas tem de renunciar por ter contratado os serviços de uma agência de prostitutas, gente que condena o uso da palavra pênis em um documentário, mas que vê em Bruna Surfistinha uma filósofa do século XXI.


São esses censores os que estão criando uma geração assexuada, para quem o sexo é mais do que um tabu, é um problema. Uma geração sem pênis ou vaginas. Uma geração censurada.


É isso, Lorena, espero que você esteja bem, e que as facas da sua casa estejam todas cegas, para a proteção dos seus novos namorados. E se você quer saber se o tamanho do pé tem relação com o tamanho do pênis, o médico disse que não é bem assim, a melhor maneira para saber é testando, tipo um test-drive, ou então ver a distância entre a ponta do dedão e a do indicador, quando o homem simula uma pistola com esses dedos.


Bem, vou almoçar. A gente se fala.


Um abraço,

I.R.