quinta-feira, 6 de março de 2008

Carta para o Ônibus

Buenos Aires, 6 de março de 2008


Prezado Ônibus,


há tantos anos convivemos e eu nunca lhe mandei sequer um bilhetinho. Acho que está na hora. Não quero parecer um desagradecido, ou alguém que usa seus serviços apenas por falta de opção. O que não está longe da verdade.


"Meu" primeiro ônibus, de que tenho memória, foi um Salineira. É incrível como essa empresa, a Salineira, monopoliza o mercado de transporte coletivo na Região dos Lagos do estado do Rio de Janeiro. Cabo Frio, Arraial do Cabo, Araruama, São Pedro d'Aldeia, Búzios e mais alguns etc, estão à mercê dos desejos do Rei Chico da Salineira. (E disso pouca gente reclama. Publicamente, então, ainda menos.) Foi à bordo de um ônibus da Salineira que eu passei meus piores enjôos urbanos. Eu sentia vontade de vomitar todas as vezes que andava de ônibus. Eu tinha espírito, ou estômago, de rico e não sabia.

Foi também num Salineira onde, pela primeira vez, com 13 anos, eu andei sozinho de ônibus. Para mim, ir a Cabo Frio sozinho foi toda uma aventura. Mas os anos se passaram e minha relação com os ônibus foram mudando, à medida em que eu também mudava, ou me mudava.

Com 17 anos fui estudar em Belo Horizonte. E de repente me vi cercado por inúmeras linhas de ônibus, todas definidas por números. Os ônibus, em si, eram todos iguais, o que mudava era a cor deles. Havia amarelos, azuis e vermelhos, só. O resto, era com os números. No primeiro dia que arrisquei pegar um sozinho, fui visitar minha tia, que, nessa época, morava lá. Talvez ela não se lembre, mas apareci tardíssimo na casa dela, pois tinha tomado o ônibus para o lado errado. Eu, completamente caipira, estava acostumado com a Salineira, que sempre começava e terminava a viagem no mesmo ponto. Na minha cabeça não existia essa história de um ônibus ir de um lugar a outro e terminar a viagem. Para mim, todo ônibus era circular.

Vencido esse desconhecimento, em pouco tempo me tornei amigo dos ônibus de Belo Horizonte, mas naquele dia, eu voltei para casa de táxi, com um dinheiro que ela me deu.

Depois, aos 23 vim para Buenos Aires. E aí, você sabe, amigo Ônibus, as diferenças eram maiores. Ônibus com números, cores, trajetos, língua diferentes. Ônibus com "máquinas caça-níquel" que entregam a passagem. E, apesar de tantas diferenças, e da obrigatoriedade de juntar moedas para poder viajar, a adaptação foi mais tranqüila. Talvez porque eu já não fosse mais tão caipira. Mas, confesso que foi nessa época que eu me rendi às vantagens de outro meio de transporte... o metrô. Eu adoro o metrô... principalmente para ler, e porque as viagens são bem mais rápidas.

Só que paixão antiga é paixão antiga... e os ônibus tem uma magia que o metrô não tem. O vento batendo no rosto, dormir fazendo malabarismo para não cair no colo do passageiro ao lado, a aposta sobre qual passageiro vai descer primeiro e vai deixar um lugar vazio, e se você vai conseguir sentar ou não.

Tá bem, talvez eu esteja exagerando e andar de ônibus não seja tão romântico assim. Talvez seja um inferno, principalmente naqueles dias em que está tão cheio que nem a alma consegue subir. Ou que depois de um dia de trabalho, no verão, você entre e já encontre lá dentro, aquela murrinha, aquele cheiro de mil jaulas usadas.

Talvez. Mas acordei de bom humor, e essa carta é um agradecimento, não uma crítica. Pode ser que a crítica eu a escreva daqui a pouco, depois de voltar do trabalho.

Ontem ouvi na televisão uma mulher que dizia que sem carro, ela preferia não sair de casa. Eu descobri que eu também. Sem meu Mercedes, com motorista e espaço para 42 sentados e quantos der em pé, eu tambem não saio. De jeito nenhum!

Um grande abraço, do seu usuário,

I.R.