segunda-feira, 30 de dezembro de 2024
querer
sexta-feira, 20 de dezembro de 2024
um poema
dentro
de um porta-retrato, um poema,
debaixo de um computador, de um celular,
dentro de uma cuia de chimarrão, um poema.
numa conversa com amigos,
tomando um vinho, uma cerva, um cachorrito,
versos e mais versos.
na hora da angústia, no momento da alegria,
na dor, na dúvida, na falsa certeza,
há odisseias e lusíadas,
há poemas luzidios, reluzentes,
há curas e sessões de análise.
dentro de um poema há vários poemas,
o meu escrito, o seu reescrito na leitura,
o nosso que se dá no encontro,
no desarmar da armadura...
no disjuntor desarmado
depois de um pico de energia.
Igor Ravasco
quarta-feira, 18 de dezembro de 2024
bicarbonato
o que ainda não resolvi
e o que já tô resolvendo,
meus dramas,
minhas tramas,
meus traumas...
e meus sonhos terapêuticos
que despertam
o que não ouso mencionar.
há muitos caminhos por onde ando,
nesse interior onde me descubro,
onde acerto, onde falho...
há muitas estradas na vida,
num viver que não tem atalho
Igor Ravasco
sexta-feira, 13 de dezembro de 2024
clarim
quarta-feira, 4 de dezembro de 2024
singeleza
queria
escrever um poema
pra você ler num sarau.
um poema simples,
poesia rasteira,
como pernada de capoeira,
palavra pendurada no varal.
queria escrever um poema
pra ser lido sem dicionários,
sem ajuda dos universitários
ou a eliminação de alternativas...
queria escrever sem arcaísmos,
sem arcabouços,
um poema em troços...
mas talvez não possa, não queira,
não saiba... sei lá, não sei.
formam poemas que não escrevi
segunda-feira, 25 de novembro de 2024
estilos
meu corpo olha teu corpo,
que olha meu corpo,
que olha o teu,
que olha o meu...
num jogo de espelhos enfrentados,
céu de espelho, sóis,
mundos, alteridade...
modernidade retrô
em frente da vida que se empilha,
ao lado da vida que se espalha,
se apaga e se transforma...
pode informar as horas?
a hora é essa e sempre é agora,
não na conformidade
de que é só o que nos resta,
mas na suavidade
de ser a cada instante
Igor Ravasco
quinta-feira, 21 de novembro de 2024
ciclos
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
terral
tenho estrelas na pele,
tantas quanto uma galáxia,
trago constelações na minha pele,
mas nenhuma tatuagem
nessa viagem interestelar.
acredito na impermanência
e nenhum desenho ou palavra
é tão permanente
a ponto de eu querer sofrer essa dor,
numa existência onde a dor
é uma experiência inevitável.
então escrevo versos
como quem ri, quem chora,
como quem geme,
quem grita ou quem late.
tatuo o eu das dores que pari
com a cor de flicts,
com dentes de chocolate
Igor Ravasco
quarta-feira, 6 de novembro de 2024
-tomia
a autotomia
é a autonomia
da automutilação.
mutilação espontânea
de partes do corpo
que nem sempre se regeneram,
mas a calda dos calangos sim.
a autotomia é, para o humano, a antimonotonia,
a atomização da palavra,
reduzida a finas partículas
e um caudal de imagens, de símbolos,
címbalos, que nos lembram
que não somos lagartos,
mas somos poetas, somos gente
que perde, perde caldas, fragmentos,
espontaneamente perde partes,
num instinto de sobrevivência.
Igor Ravasco
segunda-feira, 28 de outubro de 2024
passado por água e sal
o
que damos nome
e o que nem sabemos nomear
é a consciência do inconsciente,
ponte que se estende,
se entende, entre dois mundos,
decifrando mitos, derrubando muros.
minha lágrima, salgada como toda lágrima,
é mais que uma lágrima, é um mar.
e é no mar onde volto às origens,
onde volto a ser animal marinho.
é na lágrima, meu mar, que informo
tristeza, alegria, fantasia, carinho...
riqueza de sentido...
porque o mar é curativo,
e a lágrima que escorre
mostra que a cura vive dentro de mim.
Igor Ravasco
quinta-feira, 24 de outubro de 2024
'latidos'
o não
ter o que dizer (o não poder),
quando se quer falar, mas não se pode,
pois há saída, mas não ação,
sufoca.
o lado b do vinil que não faz sucesso
é um abscesso, tinta para uso externo,
sepulcro caiado, publicidade de margarina.
queria escrever um poema de amor,
mas esse é o embate...
escrevo como quem late
para uma bicicleta, uma caravana,
queria escrever para quem amo,
para quem ama, rima assonante,
mas escrevo como quem uiva,
talvez para a lua, talvez de dor.
e agora josé? e agora francisco?
qual é o buraco na tua rua?
qual é a trave no teu olho, qual é o cisco?
Igor Ravasco
terça-feira, 22 de outubro de 2024
bocanada
tusso,
mas não fumo,
e, se tusso, pra mim é tácito
que minha tosse é emocional.
e eu sei, eu sempre soube,
que minha tosse é o acúmulo do não dito,
é o cúmulo de um eu aflito,
querendo aumentar os decibéis
de sua voz
com a autoridade de um locutor,
de um solo de um tenor,
de um trovão que antecede a chuva
que molha o solo.
tusso em busca de uma golada de ar fresco,
porque a respiração antecede a rajada
e o raio é certeiro.
preciso de ar puro, preciso de prana.
quinta-feira, 10 de outubro de 2024
um, sete, um
pra não enganar ninguém,
repetir sempre faz bem...
não sou poeta nem artista.
sou um 171 das palavras,
um estelionatário,
faço um estelionato literário,
mas sem levar vantagens,
nem causar prejuízos,
além de dois segundos de perguntas.
sou apenas um reflexo,
um espelho de corpo inteiro,
um vigarista sem nexo nem interesse...
então, que fraude sou?
que golpe eu aplico?
que xou da xuxa é esse?
I.R.
terça-feira, 8 de outubro de 2024
síntese
quero ser sintético, não tão sintático,
simpático, sem ser otário,
escrever este diário, quase rezando,
para um não-deus sincrético.
quero ser herético e semântico,
um não-romântico,
vibrando em sintonias quânticas,
em frases cômicas,
sob um céu cor de crômio.
não quero a hipotermia, nem a hipotenusa,
quero ver a medusa, de cabeça cortada,
me lembrando a estátua de pedra,
que um dia eu fui.
I.R.
quinta-feira, 3 de outubro de 2024
intu(indo)
intuo teu sendo,
tateio tua senda,
tua percepção, fruição...
com gosto de fruta madura
colhida por fortuna no pé,
de pé... e acordado.
intuição é mais que pressentir;
é sentir...
e dar voz... (à própria voz).
I.R.
sábado, 28 de setembro de 2024
vibrante
acho rimar sorriso com preciso,
do verbo precisar, sinônimo de necessitar,
brega,
e o mundo não precisa desses versos.
assim como não preciso do seu sorriso,
mas gosto de olhar pra ele,
gosto de trazê-lo,
ou visualizá-lo em sua ausência.
adoro seu sorriso, exibido com precisão
por sua boca grande e por seus olhos.
mas, conste em ata,
amo sua gargalhada
e o que ela desata,
expressão de humor, de amor... de vida.
e vida em abundância.
I.R.
quinta-feira, 26 de setembro de 2024
perambulando
sexta-feira, 20 de setembro de 2024
anátema para eros
anamnese feita,
analisada pelo analista,
análise de diálogo, de escuta:
há na obra uma anáfora
que, transbordando uma ânfora,
troca a metáfora pelo anacoluto.
há na obra um anagrama,
uma anarquia,
há dois seres, anatomia,
voltando da anabiose
(sinônimo bonito para a hibernação).
I.R.
terça-feira, 17 de setembro de 2024
assim seja
te ponho na mira,
te cheiro na mirra do incenso
da missa pagã da manhã,
que nada apaga.
(lenha macia como o lençol.)
você me lê e sabe,
meus amigos me leem e intuem.
enquanto penso em voz alta,
navegando nessa caravela,
recatado e lascivo.
sinto que há vida e sei o porquê.
sinto... porque estou vivo.
I.R.
quarta-feira, 11 de setembro de 2024
vastidão (revisitada)
olha, ouve.
vê, vê.
vem, vou...
viagem de vagões inusitados,
vulneráveis...
verdades e vacilações.
o variado de sempre
ou o de várias vezes,
o variado novo.
ouvindo o vento de novo,
sorvendo o vinho,
vivendo...
(com a intensidade de um vaga-lume)
sábado, 7 de setembro de 2024
absurdo
as aparências não enganam,
são só aparências,
(não são essências florais,
nem florais de bach)
são apenas a essência do que se vê...
e quem vê cara, não vê coração.
essencial é ser a pessoa que se é
(que sou)
-essencialmente-
-somente-
assumir minha própria existência,
beber no poço das minhas contradições.
talvez o progresso seja um engodo
e o caminho circular...
vou dando sentido a esse nonsense
I.R.
domingo, 1 de setembro de 2024
cabo da nau
não acredito em deus,
(ou talvez em quase todos eles)
mas acredito na tia que canta o louvor,
acompanhando o violão do sobrinho.
acredito em sua fé,
que não é a minha,
e somos um no amor à música.
me alegrei com sua alegria
cantei com ela, com gosto,
enquanto ela louvava seu deus
e eu celebrava a nossa humanidade.
I.R.
sábado, 24 de agosto de 2024
ravascando
sei
lá se você ravasca,
se sai da casca,
se você se lança
só sei que nessa dança
eu ravasco...
será que se você ravascasse...
não sei, eu ravasco,
mas não ravasqueio,
porque ravasquear
não é ravascar,
e se ontem ravasquei,
se amanhã ravascarei
é porque ravascar não se define, afinal.
I.R.
quinta-feira, 22 de agosto de 2024
reflexo
coloco
a criança no verso,
ponho a palavra no berço.
refletido na janela,
me reconheço palavra e criança,
no berço, no verso, no reverso da medalha
que já não uso,
eu tão esclarecido e tão obtuso,
tão adulto e tão infantil.
ansioso, zen e sem paciência,
na adultez e na adolescência,
sou palavra, verso, berço, criança,
alegria, tristeza e esperança...
sou do verbo ser, ser do verbo estar.
I.R.
quarta-feira, 14 de agosto de 2024
possivelmente
segunda-feira, 12 de agosto de 2024
energia
sábado, 10 de agosto de 2024
ambiente (de/dis) simulador
se a realidade é uma simulação
quem está jogando esse the sims?
meu sim, meu não,
o que me entristece, o que celebro...
meu coração e meu cérebro
em rota de colisão,
chegada do caos
jogando uma pá de cal no meu cais.
um banho sem sais, sal direto na ferida,
cérbero que me espera na porta.
(um cão ou três cães?)
I.R.
sexta-feira, 9 de agosto de 2024
bivalve
não é algo nem algoz, é alvo.
e eu sei qual é
o objetivo da página em branco,
da mente em branco,
do coração em brancas nuvens,
que não escreve versos de amor.
o objetivo de não ser subjuntivo,
mas subjetivo, e escrever o que sinto.
porém pressinto que, pra sentir,
não devo mentir, não devo inventar.
então, eu preciso perceber
que não se trata do alvo,
mas de algo...
muito além de acertar.
I.R.
segunda-feira, 5 de agosto de 2024
as coisas são
as coisas
são o que são...
o sol renasce e ‘remorre’ todos os dias,
a lua tem fases
e os pinguins de vez em quando
chegam à praia grande,
não como as baleias,
que têm sua temporada de vir.
alguns jovens jogam altinha,
alguns não jovens ouvem música
em grandes caixas de som.
as coisas são como são,
mas como me afetam
o mar, o sol, a bola,
a música alheia, os pinguins,
a mulher cheirosa que passa,
enquanto sou um com a praia grande,
isso diz respeito a mim.
as coisas são como são
e eu, grão de areia,
vou sendo como vou
I.R.
terça-feira, 30 de julho de 2024
in-certeza
projeto,
desejo, anseio,
me organizo, pretendo,
e me abro aos imprevistos,
inclusive no imprevisto
de esquecer essa palavra.
penso, questiono, duvido,
dou ouvido, desconfio,
e me abro a não saber.
não entendo as certezas,
porque não as temos,
e não as temos,
porque elas não existem...
ou talvez existam
(nesta contradição e na morte).
I.R.
sexta-feira, 26 de julho de 2024
capital
na amizade,
no amor, na vida,
permito a permuta,
e prefiro relacionamentos de troca,
não relações de capital.
o capitalismo arquiva a emoção,
engessa a poesia,
com seus agiotas e banqueiros,
seus cobradores de impostos.
o capitalismo de amores supostos,
sem brilho nem luz, só mais-valia,
sabe que nem tudo que brilha é ouro,
e não esconde um tesouro
mas um outro num hoje abrumado.
e se não me queimo no fogo da paixão,
não me queixo,
prefiro o sem sentido...
choque térmico de um banho-maria invertido,
banho de sal grosso na beira do rio.
I.R.
segunda-feira, 22 de julho de 2024
respostas
‘porque sim’
não é resposta,
porque não explica,
só deixa a consciência aflita,
e gera um efeito cascata,
como bola de neve,
deixando uma ansiedade
que nunca nos faz nada bem.
mas nem todo porquê é claro,
matemático, científico,
nem todo motivo é específico,
e nos tira da nebulosa.
é preciso decantar, ou talvez cantar
e permitir que as ideias serenem,
longe do canto da sereia,
dos encantos do tritão.
respostas são processos
que me levam tempo
respostas são elementos
que nem sempre eu vou ter.
I.R.
quinta-feira, 18 de julho de 2024
reverbera
eis que
numa era,
o era já era,
num golpe,
num dia,
num gole,
num coice,
sem ira
nem eus,
até o fim,
assim,
sem réus,
na foice...
e foi-se
I.R.
domingo, 14 de julho de 2024
executante
quinta-feira, 11 de julho de 2024
(des)vario
quando seremos quem somos,
quando seremos sem máscaras?
mas como dizer quem somos,
se também somos nossas máscaras?
somos casca e conteúdo
o que aparentamos ser,
o que somos sem saber.
somos começo e fim, enfim...
mas por que escrevo no plural,
se no fundo falo de mim?
talvez porque seja plural,
porque sou e somos plurais,
como alguém dissociado, como deus...
ou fernando pessoa.
I.R.
domingo, 7 de julho de 2024
leitura em como dá
e se eu escrevesse sem pontos
nem vírgulas e quebrasse
o verso em qualquer lugar
como se leria o poema com que
intenção
se entenderia o que se passa
na minha cabeça enquanto escrevo
a dificuldade de entender o que penso
além de toda
dificuldade
de apenas ler e sentir que
o texto significa alguma coisa
em uma existência que busca
sempre existe algum sentimento
o único vazio é a falta de sentido
I.R.
terça-feira, 2 de julho de 2024
reflexões de bolso
a alegria
não é mais
nem menos efêmera
que a tristeza...
vou pensando, enquanto ando
e as chaves batem no bolso,
como um guizo de cascavel.
tenho sangue venoso e arterial,
não sou venenoso,
pelo menos de forma literal.
continuo a caminhada,
um pé depois do outro, ao pé da letra,
e penso na palavra-chave...
ela também pode fechar.
quarta-feira, 26 de junho de 2024
o silêncio
sábado, 22 de junho de 2024
algo de mim
terça-feira, 18 de junho de 2024
avenida corrientes
caminho pela avenida
como se passeasse em meu museu,
visito salas, observo sedimentos,
as camadas que se acumulam,
mas não habito esse lugar, esse momento,
vivo outro instante...
meu passado só tem a função
de ser um livro de consulta,
um dicionário, um livro de história,
uma fonte de pesquisa
que, ao estar na memória,
não será precisa,
mas que eu preciso, impreciso,
pra entender todo dia como chego aqui.
sábado, 15 de junho de 2024
recepção
domingo, 9 de junho de 2024
volteiro
terça-feira, 4 de junho de 2024
desgelado
sonho com o sabor
do sorvete caído no calçadão,
derretido, de gosto desconhecido,
que eu desvio para não pisar.
a casquinha intacta,
talvez contendo pena e tristeza,
não atrai os cachorros
e é grande para as formigas.
me lembro de esquecer histórias antigas,
enquanto os postes, mais do que a lua,
iluminam por onde passo,
à medida que o sorvete derretido seca
e me afeta, sem medida,
me atinge com metáforas
que não quero escrever.
I.R.
quarta-feira, 29 de maio de 2024
há muitas formas de se viver,
vive-se como se quer,
como se pode, ou como dá,
vive-se o presente
com a coração no passado,
ou com a cabeça no futuro,
assumindo um lado,
em cima do muro.
vive-se livre, preso,
vive-se em processo,
com trauma,
com fracasso e com sucesso.
vive-se satisfeito,
triste, sem jeito ou alegre,
na mansão ou no casebre, vive-se,
até o último batimento cardíaco,
a última sinapse,
que um dia a todos nos chegará.
I.R.
segunda-feira, 20 de maio de 2024
rumando
não sou mais
criança,
afirmo com insegurança...
afinal, o que são meus anos
diante dos quatro bilhões da terra?
não vivi nem vinte mil rotações,
nem cinquenta translações...
mas como se mede a maturidade?
não sou mais criança,
afirmo sem a esperança
de que isso seja verdade.
carrego em mim a inocência
e a maldade das crianças
domesticadas pelo convívio social.
não sou mais criança,
afirmo depois de fazer manha
numa segunda de manhã.
I.R.
sábado, 18 de maio de 2024
rondando
armo a roda
e volto a rodar
enquanto amo sair do radar,
espaçonave movida à corda
solta no espaço sideral.
os astros não podem falar de mim,
nem determinar quem sou.
saturno não tem mais poder
do que um anacoluto.
sou praticante do asteísmo
não dogmático,
um pouco de ironia,
autocrítica e humor ácido
liberam a bile,
facilitam a digestão do filé.
armo a roda, pulo elástico.
neste mundo caótico,
nos faz bem
apreciar o seu lado fantástico.
não sou mais criança,
mas não sou em relação a quê?
I.R.
sexta-feira, 17 de maio de 2024
rendendo
não faço ronda,
não escrevo rondó,
não sou de rondônia,
não sofro de insônia,
nem passo o rodo.
sou um nada,
parte de um todo,
mas não me rendo,
me teço em renda,
vestido de arruda,
e me vejo só rindo
armando uma roda
pra voltar a rodar
segunda-feira, 13 de maio de 2024
xó, que queixa...
no meio
do crescimento desordenado,
da ocupação desenfreada,
entre as línguas de óleo do imediatismo,
o sol surge como uma carícia no rosto
no horizonte da praia dos anjos.
no meio da especulação imobiliária,
da ocupação pras férias desenfreada,
entre o cheiro fétido do esgoto,
o sol se põe no horizonte mágico
da praia grande,
sob aplausos de pessoas
que não levarão seu lixo,
que já alimentaram as gaivotas
em busca de uma foto pras redes sociais.
a prainha já não se vê da estrada,
e de lá, como no forno ou nas prainhas,
pouco se vê, em dias de superlotação.
arraial é um labirinto onde não nos perdemos,
mas que se perde aos poucos,
quase sem saber de onde veio,
meio que sem saber para onde vai,
sem planejamento, com escassa memória,
em nome de um progresso que só faz destruir.
I.R.
sexta-feira, 10 de maio de 2024
trapos
o verso é uma onda,
e as ondas só existem em movimento,
o verso é o som do vento,
e eu preciso gerar conexões
para gerir silêncios.
a pausa precisa nasce na vírgula,
que sabe girar, que sabe quem é,
sem nem mesmo jurar,
sem ao menos sorrir.
não acredito em juramentos,
mas creio no momento,
no sentimento,
no acalanto na desilusão...
no alimento na mesa e nas bocas
na arte que constrói e não dissimula,
vida que se assemelha à luta
se reiventa e se semeia na desolação
I.R.
quarta-feira, 8 de maio de 2024
español
entre produtos
e prateleiras,
falam espanhol no mercado,
falam e riem em espanhol,
no espanhol do rio da prata
- no mercado da praia grande -
no meu espanhol portenho.
a moça quer fermento biológico,
o açougueiro não sabe o que é “levadura”,
faço ponte do cabo à cidade da fúria
no espaço de milésimo de segundo
e na mudança de entonação, pronúncia,
vocabulário... nesse itinerário
que me leva de volta,
como se estivesse “en el chino”(...)
falam espanhol dentro do mercado,
onde eu falo espanhol dentro de mim.
I.R.
terça-feira, 7 de maio de 2024
graça
sou
o que sou
e também o que são,
ser humano complexo e insípido,
sal da terra e terra salgada infértil,
sou o que sou e o que são,
tempero na temperatura certa,
que em quantidades erradas
desidrata, incha, mata...
sou o que sou, sou o que são,
raso e abissal...
mas de ilusões também somos
terça-feira, 30 de abril de 2024
uma tarde de outono no cabo
o sol do
verão de outono
torra minha pele e minhas ideias,
me trazendo miragens,
caras conhecidas de outra vida,
que não sabem quem sou.
o sol tórrido me tira o ânimo,
a ‘ânima’ e a fome,
desanima meus passos,
enquanto desconheço esta cidade,
seus apostadores da mega-sena,
suas construções.
passo pela porta aberta do mestre,
que não está, nem seu olhar,
nem seu humor ou suas histórias.
o sol me faz suar, como pele que chora.
nem sempre há sombra possível,
e isso não é incrível, é apenas vida...
presente também em tanta ausência.
I.R.
quinta-feira, 25 de abril de 2024
saltar
quarta-feira, 24 de abril de 2024
urdidura
a emoção é
uma fibra
que precisa ser estimulada,
expelida, expirada,
sopro vital que nos mantém em pé.
páginas em branco não existem,
são folhas trancadas com cadeados
que escondem segredos carregados de emoções,
que são fibras que precisam ser cutucadas
com a vara curta e com a cara de pau
que o medo à exposição adora trancafiar,
sem confiar no fio de ariadne
nem nas migalhas de pão de maria e joão
que nos levarão a algum lugar,
algum final de enredo, alguma casa,
alguma toca, alguma doca...
(nem sempre em segurança)
I.R.
quinta-feira, 18 de abril de 2024
espelho
eu me olho
no espelho
e constato que minha barba
já está quase toda branca.
mas não é a barba de igor,
este que escreve o poema,
nem a barba do eu lírico,
que sendo personagem,
depende de mim para existir.
eu me olho no espelho
e vejo a barba branca do leitor,
esse eu com o poema nas mãos,
que sei que a barba branca não é a barba branca,
que sou mulher, que sou adolescente,
que compro lâminas de barbear todo mês,
que tenho barba preta, ruiva, até mesmo branca,
mas a minha barba branca do espelho,
que leio no poema,
é algo que só pertence a mim,
enquanto leio,
enquanto devaneio.
não me chamo igor,
não sou eu lírico,
sou eu empírico,
me olhando no espelho da leitura,
sem julgamentos de beleza ou feiura,
olhando minha barba branca que aparo
e que acaricio,
depois de escovar os dentes,
antes de tomar café
I.R.
quarta-feira, 17 de abril de 2024
dubito
a dúvida é
uma janela pro multiverso
que não se ocupa do que faço,
mas das várias possibilidades
do que não fiz,
das alegrias e das culpas do que vou fazer.
a dúvida não tem dívida com o presente.
contas saldadas,
sem tristeza ou ansiedade,
sem “e se...” e sem saudade.
sem “e se...”, só “e, sim”.
a dúvida é o que carcome,
o que impulsiona,
a dúvida consome e emociona,
a dúvida é uma porta para o mistério,
um prato cheio ou um caso sério...
a matrioshka das nossas decisões.
duvido, logo sou.
sexta-feira, 12 de abril de 2024
repouso
terça-feira, 9 de abril de 2024
(por)tanto
segunda-feira, 8 de abril de 2024
diversos
terça-feira, 2 de abril de 2024
química
a alquimia
de amalgamar
o impensável, o improvável,
o impossível,
não me faz menos ou mais sensível,
mas consciente do amor que dei
(que dou)
e das insensibilidades que distribuí.
nessa caminhada, andei de salto alto,
de chinelo com meia,
chutei a porta de saída de coturno,
fui feliz e fui soturno,
sortudo e infeliz...
mas na arte da desnudez,
nesse desnudamento de quem sou,
ao entrar na vida do outro,
quero entrar descalço,
e encarar qualquer percalço
como quem vê o nascer do sol
na areia da praia de manhã.
I.R.
quarta-feira, 27 de março de 2024
"animado"
domingo, 24 de março de 2024
soneto do (des)entrosamento
quinta-feira, 21 de março de 2024
na contramão
o dedo que
aponta é rígido,
enquanto a língua que julga é afiada
e avança à jugular,
saindo de uma boca que não ri.
vomitamos verdades, lições de moral,
e impomos certezas sobre o que vemos,
com a beleza de um vazamento de óleo,
de um desastre ambiental,
com o encanto de um lixão a céu aberto
(mas olhos nem sempre são confiáveis)
...
cada um tem suas sombras,
suas sobras de um inteiro imperfeito.
nessa vida, de telhado de vidro,
que vai além de só causa e efeito,
quero aprender a cultivar o silêncio
I.R.
segunda-feira, 18 de março de 2024
vidrado
penso na fragilidade
do vidro,
sinto a impermanência do vidro,
e a possibilidade da pedrada na vitrine,
enquanto o sol filtrado no vitral
ilumina imagens coloridas.
penso na delicadeza do vidro,
em sua natureza e vulnerabilidade,
copos, taças, cúpulas, tijolos, telhados,
e a probabilidade ou o medo
da queda, da pedra, do trincado...
frasco, tela, janela, vidraça,
a garrafa de vinho e a de cachaça...
vivo a fraqueza dos meus óculos
e a franqueza com que me olho no espelho
I.R.
quinta-feira, 14 de março de 2024
ponto de vista
o bebê que
fui em 75,
o jovem que fui em 92,
o adulto que fui ontem,
ou em 22,
coexistem e coexistirão
com meus futuros eus
num desenho intrincado,
meio ‘os girassóis’, ‘guernica’, ‘mona lisa’,
meio ‘medusa’ ou só um copo trincado
que contém e que vaza...
já não sou tábula rasa
depois de tantos contos,
sou um ‘ligue os pontos’
cuja imagem nem sei qual é
e que não verei (o que os outros verão)
quando eu chegar a meu ponto final
I.R.
sexta-feira, 8 de março de 2024
vibrações
a palavra escrita
é um invento sólido,
que como um bólido,
cruza papéis ou telas,
e entra pelos nossos olhos
ou pelos dedos de nossas mãos.
enquanto a palavra falada...
(cantada,
recitada, excitada)
é o elemento gasoso,
um som gozoso
que entra e sai pelos ouvidos
de corpos exauridos,
desde o nascimento da fala
(ou da canção)
antes do surgimento do amor líquido,
antes mesmo da invenção do amor
...
nunca há silêncio
quando escrevo,
hoje a chuva refresca a minha manhã.
I.R.
sexta-feira, 1 de março de 2024
açoite
não há sóis,
não há sois,
nem eu nem vós,
ou voz... não há sons,
só o silêncio da guerra
e o passado de quem não tem vez.
há um nós... sós...
e um nó na garganta
em estado de s.o.s.
I.R.
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024
mar-íntimo
tudo começa
na areia,
área onde timidamente se molham os pés,
às vezes sem que se queira,
e passo a passo vamos,
panturrilha, joelho, coxa,
cintura, a água no peito,
nos ombros,
onde carrego tanta coisa...
mas não é com um mergulho,
com uma braçada,
nem mesmo numa remada,
que se estabelece intimidade.
é preciso se dar, além de receber,
é preciso ler, interpretar e se abrir
é um descobrir-se gigante,
sendo tão ínfimo.
I.R.
quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024
quinta-feira de cinzas
no dia a
dia da rotação,
talvez a rota do homem esteja rota,
numa profusão de discursos
sobre deus, sobre o amor,
mas com o desamor em curso em sua ação.
o homem arrota verdades
de um deus criado à sua semelhança,
um deus da desesperança,
contra seu semelhante,
o deus da fome, das armas,
da palavra que fere, da indiferença,
o deus de um homem
que prefere continuar roto
escrevendo um roteiro de ficção,
uma fake life com final feliz
I.R.
domingo, 4 de fevereiro de 2024
prenhez
pairo um
poema,
porque posso parir
num papiro, num papel,
enquanto paro...
pairo numa gota de silêncio,
porque posso pairar,
parar, espairecer,
e não mais parecer,
mas ser o que sou.
afio a língua, amolo o olho,
procuro colo,
planto e colho,
sou alguém que está sendo
um dia de cada vez.
I.R.
segunda-feira, 29 de janeiro de 2024
dédalo
na beira da
areia da praia,
por cima dos brejos
e nas encostas dos morros,
vão se estendendo seus becos,
suas poucas avenidas de traçado irregular,
suas travessas e ruas sem saída...
e minhas travessuras,
meus pensamentos ou o que vivo
talvez sejam só um reflexo de sua geografia,
de suas ramificações,
de seu crescimento desordenado
e agora vertical...
sou como o Arraial,
um labirinto que sempre termina no mar.
I.R.
terça-feira, 23 de janeiro de 2024
ars
a arte se
reparte em cores,
sons e cromossomos,
e cria uma unidade divisível
e impossível a olho nu.
o corpo nu
gera um universo de possibilidades,
na velocidade de um dirigível em chamas,
o que me chama a atenção pra fragilidade,
ou nossa intenção de transcendência
na obra, na reforma, na restauração,
óleo sobre tela, tear de tecelã,
clave de sol da manhã até anoitecer,
trabalho feito em madeira, em osso, em papel,
enquanto escrevo o que posso,
ou caminho a caminho de novos ângulos
sobre aquilo que não tem por quê.
I.R.
quinta-feira, 18 de janeiro de 2024
pupa
tenho pensamentos breves,
entrecortados,
gosto de poemas curtos e amores leves,
e já acreditei no amor romântico
com suas fantasias, farsas, farpas e dores.
já tive minhas doses de engano,
já menti pra mim,
mais do que pros outros.
enganei... me enganei... me iludi...
e agora lentamente adulteço,
aconteço de outras maneiras,
sem pose, sem posse, sem performance,
nem romance de sonho encantado.
só eu inteiro posso ser parceiro
(...)
amar é tão bom quanto ser amado
I.R.
segunda-feira, 15 de janeiro de 2024
taquicardia
a emoção do
momento
contrasta com a serenidade do agora,
esse à flor da pele
que me impele e se mostra possível,
a cabeça que já não finge demência,
o corpo que já não está dormente,
a mente posta na quietude
e nas inquietações...
e o coração...
esse que brinca como menino,
pula, salta,
se contrai e se dilata,
esse que está atento e se distrai...
o meu coração quica
como bola de borracha a caminho do gol
I.R.
terça-feira, 9 de janeiro de 2024
versar
não é uma
questão só de movimento,
mas de movimento com direção
(nem sempre definida)
não se trata da inércia do movimento,
mas de um movimento anti-inércia,
que vibra, que emociona,
e desmorona para construir,
desconstrói para erigir,
derruba pra levantar.
chegar não me importa,
quero abrir novas portas
viver o caminho,
acompanhado e sozinho,
onde o fui, o vou, o ia e o irei
são junto com o iria a minha condição,
a minha confissão
de que ainda sou nos textos de ir
‘eleuqa oninem euq moc otsog’ ri.
I.R.
terça-feira, 2 de janeiro de 2024
49
se a
contagem do tempo não me importa,
existem convenções das que gosto,
não me diz nada 2024,
como não me disse 2003, 5784, 1986...
mas hoje, naquilo que a convenção
chama de 2 de janeiro,
me divirto por inteiro,
faço quarenta e nove,
num dia em que normalmente chove
e escrevo neste receituário
que vou a caminho
do meu primeiro cinquentenário...
(quero ter no mínimo dois)
I.R.