segunda-feira, 11 de novembro de 2024

terral

tenho estrelas na pele,
tantas quanto uma galáxia,
trago constelações na minha pele,
mas nenhuma tatuagem
nessa viagem interestelar.
acredito na impermanência
e nenhum desenho ou palavra
é tão permanente
a ponto de eu querer sofrer essa dor,
numa existência onde a dor
é uma experiência inevitável.
então escrevo versos
como quem ri, quem chora,
como quem geme,
quem grita ou quem late.
tatuo o eu das dores que pari
com a cor de flicts,
com dentes de chocolate

Igor Ravasco

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

-tomia

a autotomia é a autonomia
da automutilação.
mutilação espontânea
de partes do corpo
que nem sempre se regeneram,
mas a calda dos calangos sim.
a autotomia é, para o humano, a antimonotonia,
a atomização da palavra,
reduzida a finas partículas
e um caudal de imagens, de símbolos,
címbalos,  que nos lembram
que não somos lagartos,
mas somos poetas, somos gente
que perde, perde caldas, fragmentos,
espontaneamente perde partes,
num instinto de sobrevivência.

Igor Ravasco



segunda-feira, 28 de outubro de 2024

passado por água e sal

o que damos nome
e o que nem sabemos nomear
é a consciência do inconsciente,
ponte que se estende,
se entende, entre dois mundos,
decifrando mitos, derrubando muros.
minha lágrima, salgada como toda lágrima,
é mais que uma lágrima, é um mar.
e é no mar onde volto às origens,
onde volto a ser
 animal marinho.
é na lágrima, meu mar, que informo
tristeza, alegria, fantasia, carinho...
riqueza de sentido...
porque o mar é curativo,
e a lágrima que escorre
mostra que a cura vive dentro de mim.

Igor Ravasco

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

'latidos'

o não ter o que dizer (o não poder),
quando se quer falar, mas não se pode,
pois há saída, mas não ação,
sufoca.
o lado b do vinil que não faz sucesso
é um abscesso, tinta para uso externo,
sepulcro caiado, publicidade de margarina.
queria escrever um poema de amor,
mas esse é o embate...
escrevo como quem late
para uma bicicleta, uma caravana,
queria escrever para quem amo,
para quem ama, rima assonante,
mas escrevo como quem uiva,
talvez para a lua, talvez de dor.
e agora josé? e agora francisco?
qual é o buraco na tua rua?
qual é a trave no teu olho, qual é o cisco?

Igor Ravasco

terça-feira, 22 de outubro de 2024

bocanada

tusso, mas não fumo,
e, se tusso, pra mim é tácito
que minha tosse é emocional.
e eu sei, eu sempre soube,
que minha tosse é o acúmulo do não dito,
é o cúmulo de um eu aflito,
querendo aumentar os decibéis
de sua voz
com a autoridade de um locutor,
de um solo de um tenor,
de um trovão que antecede a chuva
que molha o solo.
tusso em busca de uma golada de ar fresco,
porque a respiração antecede a rajada
e o raio é certeiro.
preciso de ar puro, preciso de prana.

o ar é a razão.

Igor Ravasco

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

um, sete, um

pra não enganar ninguém,
repetir sempre faz bem...
não sou poeta nem artista.
sou um 171 das palavras,
um estelionatário,
faço um estelionato literário,
mas sem levar vantagens,
nem causar prejuízos,
além de dois segundos de perguntas.
sou apenas um reflexo,
um espelho de corpo inteiro,
um vigarista sem nexo nem interesse...
então, que fraude sou?
que golpe eu aplico?
que xou da xuxa é esse? 

I.R.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

síntese

quero ser sintético, não tão sintático,
simpático, sem ser otário,
escrever este diário, quase rezando,
para um não-deus sincrético.
quero ser herético e semântico,
um não-romântico,
vibrando em sintonias quânticas,
em frases cômicas,
sob um céu cor de crômio.
não quero a hipotermia, nem a hipotenusa,
quero ver a medusa, de cabeça cortada,
me lembrando a estátua de pedra,
que um dia eu fui.

I.R.

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

intu(indo)

intuo teu sendo,
tateio tua senda,
tua percepção, fruição...
com gosto de fruta madura
colhida por fortuna no pé,
de pé... e acordado.
intuição é mais que pressentir;
é sentir...
e dar voz... (à própria voz).

I.R.

sábado, 28 de setembro de 2024

vibrante

acho rimar sorriso com preciso,
do verbo precisar, sinônimo de necessitar,
brega,
e o mundo não precisa desses versos.
assim como não preciso do seu sorriso,
mas gosto de olhar pra ele,
gosto de trazê-lo,
ou visualizá-lo em sua ausência.
adoro seu sorriso, exibido com precisão
por sua boca grande e por seus olhos.
mas, conste em ata,
amo sua gargalhada
e o que ela desata,
expressão de humor, de amor... de vida.
e vida em abundância.

I.R.

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

perambulando

acredito na caminhada,
no caminho,
não no destino.
não estou destinado a nada,
vou pela estrada, estudando, 
descascando abacaxis,
cortando pepinos,
na busca do simples.
a cura é simples,
mas dá trabalho.
sempre é hora de derrubar o tótem, 
amar e ser amado não é tabu.

I.R.

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

anátema para eros

anamnese feita,
analisada pelo analista,
análise de diálogo, de escuta:
há na obra uma anáfora
que, transbordando uma ânfora,
troca a metáfora pelo anacoluto.
há na obra um anagrama,
uma anarquia,
há dois seres, anatomia,
voltando da anabiose
(sinônimo bonito para a hibernação).

I.R.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

assim seja

te ponho na mira,
te cheiro na mirra do incenso
da missa pagã da manhã,
que nada apaga.
(lenha macia como o lençol.)
você me lê e sabe,
meus amigos me leem e intuem.
enquanto penso em voz alta,
navegando nessa caravela,
recatado e lascivo.
sinto que há vida e sei o porquê.
sinto... porque estou vivo.

I.R.

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

vastidão (revisitada)

olha, ouve.
vê, vê.
vem, vou...
viagem de vagões inusitados,
vulneráveis...
verdades e vacilações.
o variado de sempre
ou o de várias vezes,
o variado novo.
ouvindo o vento de novo,
sorvendo o vinho,
vivendo...

(com a intensidade de um vaga-lume)

I.R.

sábado, 7 de setembro de 2024

absurdo

as aparências não enganam,
são só aparências,
(não são essências florais,
nem florais de bach)
são apenas a essência do que se vê...
e quem vê cara, não vê coração.
essencial é ser a pessoa que se é
(que sou)
-essencialmente-
-somente-
assumir minha própria existência,
beber no poço das minhas contradições.
talvez o progresso seja um engodo
e o caminho circular...

vou dando sentido a esse nonsense

I.R.

domingo, 1 de setembro de 2024

cabo da nau

não acredito em deus,
(ou talvez em quase todos eles)
mas acredito na tia que canta o louvor,
acompanhando o violão do sobrinho.
acredito em sua fé,
que não é a minha,
e somos um no amor à música.
me alegrei com sua alegria
cantei com ela, com gosto,
enquanto ela louvava seu deus
e eu celebrava a nossa humanidade.

I.R.

sábado, 24 de agosto de 2024

ravascando

sei lá se você ravasca,
se sai da casca,
se você se lança
só sei que nessa dança
eu ravasco...
será que se você ravascasse...
não sei, 
eu ravasco,
mas não ravasqueio,
porque ravasquear
não é ravascar,
e se ontem ravasquei,
se amanhã ravascarei
é porque ravascar não se define, afinal. 

I.R.

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

reflexo

coloco a criança no verso,
ponho a palavra no berço.
refletido na janela,
me reconheço palavra e criança,
no berço, no verso, no reverso da medalha
que já não uso,
eu tão esclarecido e tão obtuso,
tão adulto e tão infantil.
ansioso, zen e sem paciência,
na adultez e na adolescência,
sou palavra, verso, berço, criança,
alegria, tristeza e esperança...
sou do verbo ser, ser do verbo estar.

I.R.

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

possivelmente

talvez seja o momento,
seja a hora, seja o dia.
talvez seja o tormento,
a tempestade, a alegria.
talvez seja a melancólica espera,
ou apenas a esfera que gira,
e que nada responde.
talvez seja uma profusão de gametas, 
uma produção de cometas, 
uma chuva de meteoros, 
tácteis e sonoros. 
não sei... quase sempre não sei. 
nenhum texto sou eu, 
mas todos são sobre a existência 
de quem os escreve, de quem os lê, 
talvez seja...  talvez não... 
quiçá... 

I.R.

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

energia

a rua está às escuras,
minha casa não tem luz
e venta lá fora,
venta muito,
e há luz nos morros, 
em outras casas,
em algumas consciências.
caminho na escuridão,
de olhos fechados,
sem direção certa. 
não acredito nas trevas,
minha falta de luz não é metafórica, 
é apagão. 
não tenho velas.
viva a lanterna do celular!

I.R.

sábado, 10 de agosto de 2024

ambiente (de/dis) simulador

se a realidade é uma simulação
quem está jogando esse the sims?
meu sim, meu não,
o que me entristece, o que celebro...
meu coração e meu cérebro
em rota de colisão,
chegada do caos
jogando uma pá de cal no meu cais.
um banho sem sais, sal direto na ferida,
cérbero que me espera na porta.
(um cão ou três cães?)

I.R.

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

bivalve

não é algo nem algoz, é alvo.
e eu sei qual é
o objetivo da página em branco,
da mente em branco,
do coração em brancas nuvens,
que não escreve versos de amor.
o objetivo de não ser subjuntivo,
mas subjetivo, e escrever o que sinto.
porém pressinto que, pra sentir,
não devo mentir, não devo inventar.
então, eu preciso perceber
que não se trata do alvo,
mas de algo...

muito além de acertar.

I.R.

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

as coisas são

as coisas são o que são...
o sol renasce e ‘remorre’ todos os dias,
a lua tem fases
e os pinguins de vez em quando
chegam à praia grande,
não como as baleias,
que têm sua temporada de vir.
alguns jovens jogam altinha,
alguns não jovens ouvem música
em grandes caixas de som.
as coisas são como são,
mas como me afetam
o mar, o sol, a bola,
a música alheia, os pinguins,
a mulher cheirosa que passa,
enquanto sou um com a praia grande,
isso diz respeito a mim.
as coisas são como são
e eu, grão de areia,
vou sendo como vou

I.R.

terça-feira, 30 de julho de 2024

in-certeza

projeto, desejo, anseio,
me organizo, pretendo,
e me abro aos imprevistos,
inclusive no imprevisto
de esquecer essa palavra.
penso, questiono, duvido,
dou ouvido, desconfio,
e me abro a não saber.
não entendo as certezas,
porque não as temos,
e não as temos,
porque elas não existem...
ou talvez existam
(nesta contradição e na morte).

I.R.

sexta-feira, 26 de julho de 2024

capital

na amizade, no amor, na vida,
permito a permuta,
e prefiro relacionamentos de troca,
não relações de capital.
o capitalismo arquiva a emoção,
engessa a poesia,
com seus agiotas e banqueiros,
seus cobradores de impostos.
o capitalismo de amores supostos,
sem brilho nem luz, só mais-valia,
sabe que nem tudo que brilha é ouro,
e não esconde um tesouro
mas um outro num hoje abrumado.
e se não me queimo no fogo da paixão,
não me queixo,
prefiro o sem sentido...
choque térmico de um banho-maria invertido,
banho de sal grosso na beira do rio.

I.R.

segunda-feira, 22 de julho de 2024

respostas

‘porque sim’ não é resposta,
porque não explica,
só deixa a consciência aflita,
e gera um efeito cascata,
como bola de neve,
deixando uma ansiedade
que nunca nos faz nada bem.
mas nem todo porquê é claro,
matemático, científico,
nem todo motivo é específico,
e nos tira da nebulosa.
é preciso decantar, ou talvez cantar
e permitir que as ideias serenem,
longe do canto da sereia,
dos encantos do tritão.
respostas são processos
que me levam tempo
respostas são elementos
que nem sempre eu vou ter.

I.R.

quinta-feira, 18 de julho de 2024

reverbera

eis que
numa era,
o era já era,
num golpe,
num dia,
num gole,
num coice,
sem ira
nem eus,
até o fim,
assim,
sem réus,
na foice...
e foi-se

I.R.

domingo, 14 de julho de 2024

executante

gosto de ler poemas em voz alta,
poemas dos outros,
gosto de sentir o impacto
que causam, que me causam,
e me vejo intérprete,
como bethania, como ney,
e sinto que o poema só existe,
só, de fato, é,
quando lido em voz alta,
quando não lido com a vida do poeta,
mas permito que seu texto
entre em mim pela palavra que sai.
mesmo que eu não o entenda,
mesmo que eu gagueje, 
que eu perca o fôlego, 
ou só balbucie... 
poemas são como pássaros, 
não nascem para estar em gaiolas 

I.R.

quinta-feira, 11 de julho de 2024

(des)vario

quando seremos quem somos,
quando seremos sem máscaras?
mas como dizer quem somos,
se também somos nossas máscaras?
somos casca e conteúdo
o que aparentamos ser,
o que somos sem saber.
somos começo e fim, enfim...
mas por que escrevo no plural,
se no fundo falo de mim?
talvez porque seja plural,
porque sou e somos plurais,
como alguém dissociado, como deus...

ou fernando pessoa.

I.R.

domingo, 7 de julho de 2024

leitura em como dá

e se eu escrevesse sem pontos
nem vírgulas e quebrasse
o verso em qualquer lugar
como se leria o poema com que
intenção
se entenderia o que se passa
na minha cabeça enquanto escrevo
a dificuldade de entender o que penso
além de toda
dificuldade
de apenas ler e sentir que
o texto significa alguma coisa
em uma existência que busca
sempre existe algum sentimento
o único vazio é a falta de sentido

I.R.

terça-feira, 2 de julho de 2024

reflexões de bolso

a alegria não é mais
nem menos efêmera
que a tristeza...
vou pensando, enquanto ando
e as chaves batem no bolso,
como um guizo de cascavel.
tenho sangue venoso e arterial,
não sou venenoso,
pelo menos de forma literal.
continuo a caminhada,
um pé depois do outro, ao pé da letra,
e penso na palavra-chave...

que a porta que ela abre,
ela também pode fechar.

I.R.

quarta-feira, 26 de junho de 2024

o silêncio

o silêncio faz silêncio,
o silêncio murmura,
o silêncio é ruído
na minha boca,
no meu ouvido
o silêncio grita. 
o silêncio me tranquiliza,
me sacode, me agita,
me estabiliza, me enlouquece,
o silêncio é uma prece
para um deus desconhecido.
rezo o silêncio,
enquanto desprezo o silêncio,
e prezo o preço do silêncio
que desconheço.
não silencio, apenas me extravio,
minha calma tem som de fanfarra

I.R.

sábado, 22 de junho de 2024

algo de mim

converso comigo
e chamo minha atenção, 
às vezes em voz alta,
rio só, muitas vezes, 
tomo vinho
(nem sempre sozinho), 
e escrevo, enquanto
como e invento fábulas sem moral. 
serei esquecido, 
talvez em menos de 100 anos. 
alguém briga com a chave, 
com a porta, 
chile e peru empatam...
não sou o poema, 
não estou no texto, 
mas também invento pretextos 
pra falar algo de mim.

I.R.

terça-feira, 18 de junho de 2024

avenida corrientes

caminho pela avenida
como se passeasse em meu museu,
visito salas, observo sedimentos,
as camadas que se acumulam,
mas não habito esse lugar, esse momento,
vivo outro instante...
meu passado só tem a função
de ser um livro de consulta,
um dicionário, um livro de história,
uma fonte de pesquisa
que, ao estar na memória,
não será precisa,
mas que eu preciso, impreciso,
pra entender todo dia como chego aqui.

I.R.

sábado, 15 de junho de 2024

recepção

sou recebido com chuva
e umidade,
esta que sinto na pele,
aquela da qual me escondo
nas marquises, nos pontos de ônibus. 
sou recebido por lembranças
de violão e vinho
de um motorista nostálgico, 
recebido pela beleza de sua arquitetura,
e pela feiúra de suas filas,
pela alegria imprevista,
pela paz e pela fúria,
sou recebido pelas cores do boêmio,
e sei que também estou em casa

I.R.

domingo, 9 de junho de 2024

volteiro

meu ritmo sinusal
é sinuoso,
meu coração não bate em linha reta,
perambula em curvas,
em vistas turvas,
e emoções embaçadas. 
embarco em travessias,
atravesso contradições, 
vivo uma vida de edição única,
de maneira ondulada,
entalhada em madeira de lei,
no som das asas de um beija-flor

I.R.

terça-feira, 4 de junho de 2024

desgelado

sonho com o sabor
do sorvete caído no calçadão,
derretido, de gosto desconhecido,
que eu desvio para não pisar.
a casquinha intacta,
talvez contendo pena e tristeza,
não atrai os cachorros
e é grande para as formigas.
me lembro de esquecer histórias antigas,
enquanto os postes, mais do que a lua,
iluminam por onde passo,
à medida que o sorvete derretido seca
e me afeta, sem medida,
me atinge com metáforas
que não quero escrever.

I.R.

quarta-feira, 29 de maio de 2024

há muitas formas de se viver,

vive-se como se quer,
como se pode, ou como dá,
vive-se o presente
com a coração no passado,
ou com a cabeça no futuro,
assumindo um lado,
em cima do muro.
vive-se livre, preso,
vive-se em processo,
com trauma,
com fracasso e com sucesso.
vive-se satisfeito,
triste, sem jeito ou alegre,
na mansão ou no casebre, vive-se,
até o último batimento cardíaco,
a última sinapse,
que um dia a todos nos chegará.

I.R.

segunda-feira, 20 de maio de 2024

rumando

não sou mais criança,
afirmo com insegurança...
afinal, o que são meus anos
diante dos quatro bilhões da terra?
não vivi nem vinte mil rotações,
nem cinquenta translações...
mas como se mede a maturidade?
não sou mais criança,
afirmo sem a esperança
de que isso seja verdade.
carrego em mim a inocência
e a maldade das crianças
domesticadas pelo convívio social.
não sou mais criança,
afirmo depois de fazer manha
numa segunda de manhã.

I.R.

sábado, 18 de maio de 2024

rondando

armo a roda e volto a rodar
enquanto amo sair do radar,
espaçonave movida à corda
solta no espaço sideral.
os astros não podem falar de mim,
nem determinar quem sou.
saturno não tem mais poder
do que um anacoluto.
sou praticante do asteísmo
não dogmático,
um pouco de ironia,
autocrítica e humor ácido
liberam a bile,
facilitam a digestão do filé.
armo a roda, pulo elástico.
neste mundo caótico,
nos faz bem
apreciar o seu lado fantástico.
não sou mais criança,
mas não sou em relação a quê?

I.R.

sexta-feira, 17 de maio de 2024

rendendo

não faço ronda,
não escrevo rondó,
não sou de rondônia,
não sofro de insônia,
nem passo o rodo.
sou um nada,
parte de um todo,
mas não me rendo,
me teço em renda,
vestido de arruda,
e me vejo só rindo
armando uma roda
pra voltar a rodar

I.R.

segunda-feira, 13 de maio de 2024

xó, que queixa...

no meio do crescimento desordenado,
da ocupação desenfreada,
entre as línguas de óleo do imediatismo,
o sol surge como uma carícia no rosto
no horizonte da praia dos anjos.
no meio da especulação imobiliária,
da ocupação pras férias desenfreada,
entre o cheiro fétido do esgoto,
o sol se põe no horizonte mágico
da praia grande,
sob aplausos de pessoas
que não levarão seu lixo,
que já alimentaram as gaivotas
em busca de uma foto pras redes sociais.
a prainha já não se vê da estrada,
e de lá, como no forno ou nas prainhas,
pouco se vê, em dias de superlotação.
arraial é um labirinto onde não nos perdemos,
mas que se perde aos poucos,
quase sem saber de onde veio,
meio que sem saber para onde vai,
sem planejamento, com escassa memória,
em nome de um progresso que só faz destruir.

I.R.

sexta-feira, 10 de maio de 2024

trapos

o verso é uma onda,
e as ondas só existem em movimento,
o verso é o som do vento,
e eu preciso gerar conexões
para gerir silêncios.
a pausa precisa nasce na vírgula,
que sabe girar, que sabe quem é,
sem nem mesmo jurar,
sem ao menos sorrir.
não acredito em juramentos,
mas creio no momento,
no sentimento,
no acalanto na desilusão...
no alimento na mesa e nas bocas
na arte que constrói e não dissimula,
vida que se assemelha à luta
se reiventa e se semeia na desolação

I.R.

quarta-feira, 8 de maio de 2024

español

entre produtos e prateleiras,
falam espanhol no mercado,
falam e riem em espanhol,
no espanhol do rio da prata
- no mercado da praia grande -
no meu espanhol portenho.

a moça quer fermento biológico,
o açougueiro não sabe o que é “levadura”,
faço ponte do cabo à cidade da fúria
no espaço de milésimo de segundo
e na mudança de entonação, pronúncia,
vocabulário... nesse itinerário
que me leva de volta,
como se estivesse “en el chino”(...)

falam espanhol dentro do mercado,
onde eu falo espanhol dentro de mim.

I.R.

terça-feira, 7 de maio de 2024

graça

sou o que sou
e também o que são,
ser humano complexo e insípido,
sal da terra e terra salgada infértil,
sou o que sou e o que são,
tempero na temperatura certa,
que em quantidades erradas
desidrata, incha, mata...
sou o que sou, sou o que são,
raso e abissal...

o sal é ilusão,
mas de ilusões também somos

I.R.

terça-feira, 30 de abril de 2024

uma tarde de outono no cabo

o sol do verão de outono
torra minha pele e minhas ideias,
me trazendo miragens,
caras conhecidas de outra vida,
que não sabem quem sou.
o sol tórrido me tira o ânimo,
a ‘ânima’ e a fome,
desanima meus passos,
enquanto desconheço esta cidade,
seus apostadores da mega-sena,
suas construções.
passo pela porta aberta do mestre,
que não está, nem seu olhar,
nem seu humor ou suas histórias.
o sol me faz suar, como pele que chora.
nem sempre há sombra possível,
e isso não é incrível, é apenas vida...
presente também em tanta ausência.

I.R.

quinta-feira, 25 de abril de 2024

saltar

não há fórmula pronta nem receita
mágica que transforme tudo em ouro,
sou, pela liberdade - esse tesouro - 
alguém que, bem ou mal, então se ajeita.

ser livre não se impõe e nem se aceita, 
se conquista em processo duradouro, 
se não, sou animal no matadouro, 
caça de caçador que está à espreita. 

eu não quero caçar nem ser caçado, 
não quero ser escravo, escravizado, 
quero ser livre fora do meu texto. 

e pela liberdade dou meu grito, 
cada um tem em si seu próprio egito, 
sou contra qualquer tipo de cabresto. 

I.R.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

urdidura

a emoção é uma fibra
que precisa ser estimulada,
expelida, expirada,
sopro vital que nos mantém em pé.
páginas em branco não existem,
são folhas trancadas com cadeados
que escondem segredos carregados de emoções,
que são fibras que precisam ser cutucadas
com a vara curta e com a cara de pau
que o medo à exposição adora trancafiar,
sem confiar no fio de ariadne
nem nas migalhas de pão de maria e joão
que nos levarão a algum lugar,
algum final de enredo, alguma casa,
alguma toca, alguma doca...

(nem sempre em segurança)

I.R.

quinta-feira, 18 de abril de 2024

espelho

eu me olho no espelho
e constato que minha barba
já está quase toda branca.
mas não é a barba de igor,
este que escreve o poema,
nem a barba do eu lírico,
que sendo personagem,
depende de mim para existir.
eu me olho no espelho
e vejo a barba branca do leitor,
esse eu com o poema nas mãos,
que sei que a barba branca não é a barba branca,
que sou mulher, que sou adolescente,
que compro lâminas de barbear todo mês,
que tenho barba preta, ruiva, até mesmo branca,
mas a minha barba branca do espelho,
que leio no poema,
é algo que só pertence a mim,
enquanto leio,
enquanto devaneio.
não me chamo igor,
não sou eu lírico,
sou eu empírico,
me olhando no espelho da leitura,
sem julgamentos de beleza ou feiura,
olhando minha barba branca que aparo
e que acaricio,
depois de escovar os dentes,
antes de tomar café

I.R.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

dubito

a dúvida é uma janela pro multiverso
que não se ocupa do que faço,
mas das várias possibilidades
do que não fiz,
das alegrias e das culpas do que vou fazer.
a dúvida não tem dívida com o presente.
contas saldadas,
sem tristeza ou ansiedade,
sem “e se...” e sem saudade.
sem “e se...”, só “e, sim”.
a dúvida é o que carcome,
o que impulsiona,
a dúvida consome e emociona,
a dúvida é uma porta para o mistério,
um prato cheio ou um caso sério...
a matrioshka das nossas decisões.

duvido, logo sou.

I.R.

sexta-feira, 12 de abril de 2024

repouso

antes de alçar voo, 
o poema descansa
como a tela, como a melodia,
como deus no sétimo dia
descansa o poema,
enquanto se destrança,
se destranca, se destrincha,
se decanta... 
em uma hora,
em um mês,
em um verso de cada vez, 
em uma fração de segundo... 
o poema em busca de sentido, 
o poeta em lutas de sentir 

I.R. 

terça-feira, 9 de abril de 2024

(por)tanto

o que guardo comigo, e então não conto,
não digo por querer saber o quanto
sou em mim meio diabo e um pouco santo,
e então não aumentar nem mesmo um ponto

se não falo, não é por ser um tonto, 
mas por ser responsável do que planto, 
do que colho em meu riso ou no meu pranto, 
eu sempre em formação e nunca pronto 

palavras são levadas pelo vento, 
mas agora o que eu quero e o que eu tento, 
é só me libertar do labirinto, 

e então contar, tão solto em meu conjunto, 
livre para qualquer que seja o assunto, 
e assim poder falar tudo o que sinto 

I.R.

segunda-feira, 8 de abril de 2024

diversos

mi cabeza es un rompecabeza
hecho de astillas,
de pensamientos esparcidos
y frágiles como vitrales coloridos.
mis ideas son un cross
a la cruz de mis verdades, 
de mis certezas de manual. 
mi cabeza es un astillero, 
(o un desarmadero,) 
y mi vida es como el tatuaje, 
que no lo hice, 
por falta de coraje, 
y lo convertí en poema... 

soy un poema hecho de virutas, 
con versos de aserrín

I.R.

terça-feira, 2 de abril de 2024

química

a alquimia de amalgamar
o impensável, o improvável,
o impossível,
não me faz menos ou mais sensível,
mas consciente do amor que dei
(que dou)
e das insensibilidades que distribuí.
nessa caminhada, andei de salto alto,
de chinelo com meia,
chutei a porta de saída de coturno,
fui feliz e fui soturno,
sortudo e infeliz...
mas na arte da desnudez,
nesse desnudamento de quem sou,
ao entrar na vida do outro,
quero entrar descalço,
e encarar qualquer percalço
como quem vê o nascer do sol
na areia da praia de manhã.

I.R.

quarta-feira, 27 de março de 2024

"animado"

não tenho alma,
tenho consciência.
e não reencarnarei
nem serei salvo,
pois os destinos do além 
se aplicam apenas para quem crê. 
minha sorte será ser adubo,
é mais barato que virar cinza
e ser jogado nas águas do mar.
gosto da vida,
a morte não é um dos meus medos, 
tenho outros, 
que não são segredos,
mas não importam... 
este não é um poema do que temo, 
isto é só um poema de amor.

I. R.

domingo, 24 de março de 2024

soneto do (des)entrosamento

escrevo como forma de expressão
me calo como um jeito de expressar,
que às vezes eu não tenho o que falar,
ou prefiro guardar minha emoção. 

as coisas do querer nem sempre são
iguais àquelas coisas de gostar,
mas gostar e querer, ir ou voltar,
são parte desta roda de ilusão. 

como a engrenagem torta do sistema,
que resolvendo gera outro problema,
causa e efeito no agito da consciência, 

me vejo como peça da engrenagem, 
me rebelo, talvez, como um selvagem, 
assumindo meus níveis de incoerência

I.R.

quinta-feira, 21 de março de 2024

na contramão

o dedo que aponta é rígido,
enquanto a língua que julga é afiada
e avança à jugular,
saindo de uma boca que não ri.
vomitamos verdades, lições de moral,
e impomos certezas sobre o que vemos,
com a beleza de um vazamento de óleo,
de um desastre ambiental,
com o encanto de um lixão a céu aberto
(mas olhos nem sempre são confiáveis)
...
cada um tem suas sombras,
suas sobras de um inteiro imperfeito.
nessa vida, de telhado de vidro,
que vai além de só causa e efeito,
quero aprender a cultivar o silêncio

I.R.

segunda-feira, 18 de março de 2024

vidrado

penso na fragilidade do vidro,
sinto a impermanência do vidro,
e a possibilidade da pedrada na vitrine,
enquanto o sol filtrado no vitral
ilumina imagens coloridas.
penso na delicadeza do vidro,
em sua natureza e vulnerabilidade,
copos, taças, cúpulas, tijolos, telhados,
e a probabilidade ou o medo
da queda, da pedra, do trincado...
frasco, tela, janela, vidraça,
a garrafa de vinho e a de cachaça...
vivo a fraqueza dos meus óculos
e a franqueza com que me olho no espelho

I.R.

quinta-feira, 14 de março de 2024

ponto de vista

o bebê que fui em 75,
o jovem que fui em 92,
o adulto que fui ontem,
ou em 22,
coexistem e coexistirão
com meus futuros eus
num desenho intrincado,
meio ‘os girassóis’, ‘guernica’, ‘mona lisa’,
meio ‘medusa’ ou só um copo trincado
que contém e que vaza...
já não sou tábula rasa
depois de tantos contos,
sou um ‘ligue os pontos’
cuja imagem nem sei qual é
e que não verei (o que os outros verão)
quando eu chegar a meu ponto final

I.R.

sexta-feira, 8 de março de 2024

vibrações

a palavra escrita é um invento sólido,
que como um bólido,
cruza papéis ou telas,
e entra pelos nossos olhos
ou pelos dedos de nossas mãos.
enquanto a palavra falada...
(cantada,
recitada, excitada)
é o elemento gasoso,
um som gozoso
que entra e sai pelos ouvidos
de corpos exauridos,
desde o nascimento da fala
(ou da canção)
antes do surgimento do amor líquido,
antes mesmo da invenção do amor
...
nunca há silêncio quando escrevo,
hoje a chuva refresca a minha manhã.

I.R.

sexta-feira, 1 de março de 2024

açoite

não há sóis,
não há sois,
nem eu nem vós,
ou voz... não há sons,
só o silêncio da guerra
e o passado de quem não tem vez.
há um nós... sós...
e um nó na garganta
em estado de s.o.s.

I.R.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

mar-íntimo

tudo começa na areia,
área onde timidamente se molham os pés,
às vezes sem que se queira,
e passo a passo vamos,
panturrilha, joelho, coxa,
cintura, a água no peito,
nos ombros,
onde carrego tanta coisa...
mas não é com um mergulho,
com uma braçada,
nem mesmo numa remada,
que se estabelece intimidade.
é preciso se dar, além de receber,
é preciso ler, interpretar e se abrir
é um descobrir-se gigante,
sendo tão ínfimo.

I.R.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

quinta-feira de cinzas

no dia a dia da rotação,
talvez a rota do homem esteja rota,
numa profusão de discursos
sobre deus, sobre o amor,
mas com o desamor em curso em sua ação.
o homem arrota verdades
de um deus criado à sua semelhança,
um deus da desesperança,
contra seu semelhante,
o deus da fome, das armas,
da palavra que fere, da indiferença,
o deus de um homem
que prefere continuar roto
escrevendo um roteiro de ficção,
uma fake life com final feliz

I.R.

domingo, 4 de fevereiro de 2024

prenhez

pairo um poema,
porque posso parir
num papiro, num papel,
enquanto paro...
pairo numa gota de silêncio,
porque posso pairar,
parar, espairecer,
e não mais parecer,
mas ser o que sou.
afio a língua, amolo o olho,
procuro colo,
planto e colho,
sou alguém que está sendo
um dia de cada vez.

I.R.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

dédalo

na beira da areia da praia,
por cima dos brejos
e nas encostas dos morros,
vão se estendendo seus becos,
suas poucas avenidas de traçado irregular,
suas travessas e ruas sem saída...
e minhas travessuras,
meus pensamentos ou o que vivo
talvez sejam só um reflexo de sua geografia,
de suas ramificações,
de seu crescimento desordenado
e agora vertical...

sou como o Arraial,
um labirinto que sempre termina no mar.

I.R.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

ars

a arte se reparte em cores,
sons e cromossomos,
e cria uma unidade divisível
e impossível a olho nu.
o corpo nu
gera um universo de possibilidades,
na velocidade de um dirigível em chamas,
o que me chama a atenção pra fragilidade,
ou nossa intenção de transcendência
na obra, na reforma, na restauração,
óleo sobre tela, tear de tecelã,
clave de sol da manhã até anoitecer,
trabalho feito em madeira, em osso, em papel,
enquanto escrevo o que posso,
ou caminho a caminho de novos ângulos
sobre aquilo que não tem por quê.

I.R.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

pupa

tenho pensamentos breves,
entrecortados,
gosto de poemas curtos e amores leves,
e já acreditei no amor romântico
com suas fantasias, farsas, farpas e dores.
já tive minhas doses de engano,
já menti pra mim,
mais do que pros outros.
enganei... me enganei... me iludi...
e agora lentamente adulteço,
aconteço de outras maneiras,
sem pose, sem posse, sem performance,
nem romance de sonho encantado.
só eu inteiro posso ser parceiro

(...)
amar é tão bom quanto ser amado

I.R.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

taquicardia

a emoção do momento
contrasta com a serenidade do agora,
esse à flor da pele
que me impele e se mostra possível,
a cabeça que já não finge demência,
o corpo que já não está dormente,
a mente posta na quietude
e nas inquietações...
e o coração...
esse que brinca como menino,
pula, salta,
se contrai e se dilata,
esse que está atento e se distrai...
o meu coração quica
como bola de borracha a caminho do gol

I.R.

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

versar

não é uma questão só de movimento,
mas de movimento com direção
(nem sempre definida)
não se trata da inércia do movimento,
mas de um movimento anti-inércia,
que vibra, que emociona,
e desmorona para construir,
desconstrói para erigir,
derruba pra levantar.
chegar não me importa,
quero abrir novas portas
viver o caminho,
acompanhado e sozinho,
onde o fui, o vou, o ia e o irei
são junto com o iria a minha condição,
a minha confissão
de que ainda sou nos textos de ir
‘eleuqa oninem euq moc otsog’ ri.

I.R.

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

49

se a contagem do tempo não me importa,
existem convenções das que gosto,
não me diz nada 2024,
como não me disse 2003, 5784, 1986...
mas hoje, naquilo que a convenção
chama de 2 de janeiro,
me divirto por inteiro,
faço quarenta e nove,
num dia em que normalmente chove
e escrevo neste receituário
que vou a caminho
do meu primeiro cinquentenário...
(quero ter no mínimo dois)

I.R.