VEJA — Um dos argumentos para aprender uma segunda língua bem cedo é que a pessoa poderá conversar sem sotaque...
PAES — Tenho um amigo italiano que tem um sotaque fortíssimo e se explica assim: "Por que vou falar tão bem uma língua estrangeira? Eu não quero ser espião". Ele diz mais: que falar língua sem sotaque é falta de caráter. Eu concordo. O sotaque é uma coisa adorável, pois guarda o passado de uma pessoa, sua história. E também pode ter seu charme. Quem, entre os homens de minha idade, não se encantava com a atriz de televisão que tinha sotaque francês arrastado e delicioso? O cidadão que enche a boca para falar de Primeiro Mundo é o mais Terceiro Mundo que existe. Não existe esse negócio de Primeiro Mundo. A imbecilidade também está no chamado Primeiro Mundo, a grosseria também está lá.
Se isto for verdade, talvez aí esteja a explicação para a minha falta de caráter. Apesar de ter aprendido sem sotaque depois dos 20. Minha história, meu passado, todos bem guardados em algum depósito portenho. Mas há outra não identificação. Fiz uma troca de terceiro mundo para terceiro mundo. Será que isso me absolve um pouco de minha canalhice?
I.R.