Dia onze. Seis horas da manhã. Ouço gritos vindos da rua. Um casal de namorados discute. Ele se afasta e ela vai atrás. Gritam. Um diz ao outro coisas horríveis, provavelmente levados pelo calor do momento. Eu, como um voyeur, assisto a tudo pela janela do quarto do meu filho, que insiste em me acordar de duas em duas horas. Uma parte de mim tem vontade de abrir a janela e dizer aos namorados que a vida é uma só, passa rápido, e que é perda de tempo passar nossa existência em meio a discussões semi-públicas numa rua semi-escura deste ou de qualquer outro lugar. Outra parte minha quer abrir a janela e dizer que não discutam mais, que se separem, que cada um vá para o seu lado e que me deixem tentar dormir um pouco, pois a vida é curta e não vão faltar pessoas para eles conhecerem... e porque eu quero descansar pelo menos mais meia hora. Mas não abro a janela. Continuo na minha posição de espia, de voyeur, de observador da vida que é de outro, mas poderia ser minha. E é nessa postura, com meu filho dormindo em seu berço, atrás de mim, olhando por uma fresta da cortina que vejo a briga terminar com um beijo apaixonado. Não um beijo de novela, dramatizado e com um monte de gente por trás das câmeras. Um beijo real, mordido, molhado, voraz, onde a única testemunha era um incógnito eu escondido pelas cortinas de Winnie the Pooh. Um eu que já não tem mais nada para ver. Saio da janela e não volto a dormir com uma sensação contraditória de inveja e de pena.
I.R.