quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Carta para o Fagner (ia ser apenas um bilhete)

Buenos Aires, 20 de agosto de 2008

Prezado Fagner,

fiquei sabendo que você disse que a Bossa Nova é coisa de mauricinho e que é música americana, além de afirmar ser música de elevador e de sala de espera de dentista.

Bem, vamos por partes, acho que num elevador e numa sala de espera procuram colocar músicas mais suaves, talvez por isso coloquem mais bossa nova do que forró, por exemplo. Então, esse papo de onde toca ou deixa de tocar o ritmo a, b ou c, não vem ao caso.

Concordo que a Bossa Nova é música americana se pensarmos que o Brasil é parte da América. Mas não estou de acordo se com isso você afirma ser a Bossa Nova uma música dos EUA. É inegável na Bossa Nova a sua influência jazzística mas ou você nunca ouviu samba ou vai me dizer que o samba foi inventado em alguma esquina do Harlem. Me diz uma coisa com a mão no coração, você nunca sentiu a batida do samba na Bossa Nova de João Gilberto, por exemplo.

Cara, João Gilberto, teve a sacação do ritmo (sem falar em Jobim) e você vem me reduzir tudo a ser ou não ser música de mauricinho? Desculpa, mas você acha que o seu LP (tô ficando velho, meu Deus!) Traduzir-se ou Traducirse é um trabalho super popular? Sejamos sinceros, é um trabalho que qualquer um consideraria sofisticado, inteligente e para um público reduzido, provavelmente classificado de mauricinho.

Depois, acho feio você vir com esse papo sobre a Bossa Nova depois de ter gravado o disco Demais, em 1993, onde você canta "Eu sei que vou te amar", "Minha namorada" e "Dindi", entre outras. Sem falar que num dos seus maiores sucessos, "Canteiros", uma das músicas incidentais é "Águas de Março".

Li uma entrevista sua onde você se gaba de ter modernizado a música brasileira, de ter feito algo diferente ao misturar o baião com guitarras. Fagner, a geléia geral, a mistura, a neo-antropofagia é o Tropicalismo e sem o Tropicalismo talvez nem tivesse havido Fagner.

A música brasileira não precisa de mais um cantor/compositor polêmico. Já temos Caetano, nosso polêmico maior, e Lobão, nosso polêmico menor. Acho que um é pouco, dois é bom, mas três é demais.

Sabe, fiquei aqui pensando, você se gabando tanto, se orgulhando de ser uma espécie de renovador da música brasileira... é engraçado... de qual Fagner estamos falando?

Deste que usa a "música de mauricinho" quando lhe convém:



Ou deste que renova a música brasileira gravando em português um grande sucesso de um cantor da República Dominicana, Juan Luis Guerra:



O original:



Fagner, cante, componha, mas fale menos, pois como diria o Romário, você de boca fechada é um filósofo.

Um abraço,

I.R.

PS: E para quem gosta de shows em elevadores, eu recomendo: