quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Carta para a falta de assunto

Buenos Aires, 06 de agosto de 2008

Prezada Falta de Assunto,

Sei que de vez em quando você ronda as cabeças de poetas, romancistas, roteiristas, blogueiros e tantos outros que dependem da presença do assunto, do motivo, da inspiração, dirão alguns, para escrever.

E aí, quando você resolve aparecer, como se fosse um fantasma, e não estou falando do Gasparzinho, afinal, ele é camarada, a única maneira de exorcizá-la é exatamente a invocando. Por isso é que todo mundo que escreve, bem ou mal, não importa, um dia termina escrevendo sobre você, a falta de assunto.

Só tem um problema, dona Falta de Assunto, eu não estou sem assunto. Como assim? É, eu, conscientemente, estou escrevendo para a falta de assunto, mas tendo assunto para escrever. Posso escrever sobre meu filho, aquele do paraíso dos 50 peitos, que está com sono, mas não consegue dormir. Posso escrever sobre a novela das 8, que agora passa as 9, e aqui em Buenos Aires passa as 10, e de como a Flora é dissimulada, ou como o nome Zé Bob é bastante horrível para ser o nome do galã da novela.

Poderia escrever também sobre as aulas que começam na universidade, e de como fico nervoso quando começo a trabalhar com um grupo novo. Poderia escrever sobre o arroz estilo oriental que preparei para o jantar, que tem um cheiro e um gosto deliciosos, apesar de sempre ficar grudado... sei lá, acho que é característica do arroz mesmo.

Mas não. Prefiro escrever para a falta de assunto, para dizer a ela que a acho levemente necessária. É como se a falta de assunto fosse o momento de intervalo que ficaria vazio entre um assunto e outro, mas que nós teimamos em não deixá-lo em brancas nuvens. A senhora, dona Falta de Assunto é o momento em que os escritores inteligentes, criativos, mostram ao mundo que nem sempre é possível ter uma imaginação recheada de novidades; e também é o momento em que os escritores mais ou menos medíocres usam para fazer uma filosofiazinha de bar daqueles bem pé sujo.

Acho que os únicos que não te conhecem são os Grandes escritores, mas esses habitam outras esferas. Mundos inacessíveis para um mortal como eu... se bem que alguns imortais... francamente...

Bem, vou continuar jantando. E vendo a Flora confessar que foi ela matou o marido da Donatela... É, poderia ter escrito sobre o fato de a novela aqui passar com um dia de atraso, mas isso é assunto para outra carta.

Um abraço,

I.R.