quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

curvilíneo

Foto: Jacqueline Hoofendy

a linha que separa
o concreto do abstrato
é fina e sinuosa,
mas uma hora termina
(talvez de forma abrupta).
o abstrato se torna concreto
e o objeto de desejo,
que nem sempre é objeto poético
nos remete a um eu sincrético,
assimétrico e ondulante
pegando jacaré numa onda do céu.

I.R.

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

fim de ano

dizem que o ano termina amanhã.
como?
5775 começou em setembro,
e meus 39 terminam daqui a três dias.

vivemos o mundo das convenções,
da cultura dominante,
de um 2014 que termina
em um universo de bilhões de anos.

I.R.

domingo, 28 de dezembro de 2014

o amor

Foto: Raquel Bastos

o amor não tem altura,
não tem idade,
não tem distância nem cidade,
mas é a importância de ser.
o amor não é impostura,
e não impõe verdades,
o amor não tem sexo, gênero,
é mais que ser eterno ou efêmero,
não se traduz, não se interpreta,
é luz direta que não cega,
e que quando chega
entra pelos olhos
e abraça o coração.

I.R.

sábado, 27 de dezembro de 2014

Carta e Verso - 7 anos



Buenos Aires, 27 de dezembro de 2014

Prezado leitor,

se você chegou aqui, gostaria de compartilhar um parágrafo ou uma paráfrase considerando a minha falta de originalidade. Mas a originalidade é assunto para outro dia.

Sete dias da semana, sete anões, sete notas musicais, sete de setembro, sete maravilhas do mundo moderno e do antigo, sete virtudes humanas, sete virtudes divinas, sete pecados capitais, sete pragas do Egito, sete cabeças da hidra, sete chackras, as sete cores do arco íris, a casa das sete mulheres, as botas de sete léguas, fazer um bicho de sete cabeças, os sete mares, as sete colinas de roma, os sete sacramentos, a menorá e seus sete braços, as sete notas musicais, os sete livros de Harry Potter, perdoar setenta vezes sete, Carta e Verso sete anos pintando o sete.

Este é um bilhete/carta de agradecimento aos que passaram por aqui alguma vez, aos que passam sempre, aos que chegaram agora, e aos que um dia lerão, e garimpando nas coisas que escrevi chegarão a este texto.

Escrevo porque escrevo. Ou alguém se pergunta por que o coração bate? Em que me inspiro? Inspiro, expiro, respiro. Não me façam perguntas difíceis. Ou, sim, façam. Não pretendo ter uma única resposta ou espero ir mudando a mesma à medida que os anos forem passando. Escrever se trata um pouco disso, de reinvenção, redescoberta, de revolução, rebelião. Escrever em clave de ré. Ou de réu confesso.

Não sei muito bem o que significa que este blog chegue ao sétimo ano de vida. Mas gosto. Não quero chegar a lugar nenhum. Quero apenas curtir o caminho.

Um abraço a todos,

I.R. ou Igor Ravasco


sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

a lenda do cavaleiro

Foto: Ike Bittencourt

dizem aos exibidos
pra botar uma melancia no pescoço
e sair por aí.
e aos tímidos?
será que uma uma melancia
no lugar da cabeça
resolve?

I.R.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

eufemismo natalino

às vezes, não diria às vezes,
mas muitas vezes,
tenho a sensação
de que desejar feliz natal
é um eufemismo.
tiremos a máscara,
ou melhor,
raspemos a barba branca,
e digamos...
cuidado com a ressaca,
olho com a indigestão.

I.R.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

na concertina

Foto: Luiz Alfredo Ardito

o arame de corte
que rasga e dilacera
pode ser poleiro
para quem primeiro
sabe que a espera
é o momento prévio ao bote.
sou do tempo em que a concertina
era só instrumento musical,
sou colibri preguiçoso,
cabeça-dura, tinhoso,
às vezes brisa, às vezes vendaval.

I.R.

domingo, 21 de dezembro de 2014

asa

Foto: Igor Ravasco

a asa do avião que voa
é a mesma do avião que cai...
meus céus de brigadeiro
têm mais granulado do que gostaria.
o avião está caindo,
mas a paisagem continua linda,
e uma ternura infinda
invade meu peito,
que nem sempre sabe o que é direito,
o que é certo,
mas sabe que longe ou perto
são variáveis com muitas variações.

I.R.

sábado, 20 de dezembro de 2014

ensaio sobre a irresponsabilidade

Foto: Jacqueline Hoofendy

sobrepor ideias
não é justapor conceitos,
mas saltar daqui pra lá,
ou dali pra cá
é assumir um estrabismo artístico...

distorcido na forma,
mas pleno de conteúdo
(completo em incompletude)
vivemos em um mundo de cegos,
de cegos guiando outros cegos,
e não nego que a tentação
de estender a mão
para ser guiado como ovelha,
à cerca ou ao abate,
é sempre grande.

não renego que o desejo
de guiar mesmo sem ver
sem saber que nada vejo
é um querer duradouro,
a tentação prepotente de ser pastor
que estende a mão à ovelha
como quem a leva para o curral
ou na direção do matadouro.

I.R.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

olhos e bocas

o que a boca fala
ou o que cala
é o que vela
ou o que revela.

não é de emoção
que as carpideiras choram,
no entanto choram,
enquanto se desvelam.

o que os olhos choram
nem sempre é o que dizem,
os olhos também se contradizem,
e piscam em bocas fechadas
que ainda assim comem mosquitos.

I.R.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

noite de perséiades

Foto: Leo Henry

uma, duas, três,
centenas, milhares,
milhões, trilhões
e outras palavras que não existem
para definir a quantidade de estrelas
em um universo que dizem ser infinito.
e nós, poeira cósmica,
que só podemos ser vistos
com um microscópio,
precisamos de um telescópio
para olharmos para dentro de nós.

I.R.

sábado, 13 de dezembro de 2014

pedido

Foto: Simão Salomão

uma imagem entra em outra imagem,
um reflexo, ir e vir complexo
de uma viagem ao infinito,
sem passagem, sem rito,
apenas talvez a tentativa
de estar na chuva e não se molhar.
uma imagem entre um reflexo
e o nexo que não existe,
e nem sei se existia,
porque mais do que poder,
é preciso pedir sabedoria,
e não ser um,
mas milhares de salomões.

I.R.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

desensacando

Foto: Hélvio Romero

tantas vezes me compartimentei,
quantas vezes me deixei compartimentar,
mas busco esvaziar as gavetas,
descarregar os containers,
e os sacos cheios,
e misturar o que sai,
o que cai ou o que tiro...
não sou um intelectual,
mas o trabalho manual não me dá prazer,
nem alfa nem beta,
a sensibilidade e a canalhice convivem,
nem sempre na medida certa,
e o que faço ou deixo de fazer
não tem a ver com meu gênero.
não venero tradições,
são nossas ações o que nos faz ser.

I.R.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

enquanto sou

Foto: Vicente Sampaio

assumo minhas ansiedades,
algumas meias verdades,
reconheço minhas fraquezas,
fabrico meus fracassos
e abro meus tentáculos
como um polvo feito no ar,
volátil, volúvel,
mas indissolúvel,
como uma esquadrilha em formação.

I.R.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

jingle bells

Foto: Mark Brown

vitrines cheias de ofertas,
luzes coloridas
e árvores enfeitadas,
um senhor de roupa vermelha,
e a espera pela mesa farta,
comida e bebida de diferentes formas
de variados sabores e texturas,
guirlandas e duendes,
renas e neve nos trópicos
para não lembrarmos que a realidade
é preto e branco,
e dentro do saco, mais do que presentes
pode haver sobrevivência.

I.R.

domingo, 7 de dezembro de 2014

pandorium

Foto: Francisco Cribari

na platinela planejo
o que bato, não o que vejo
pois no pandeiro,
o que bate primeiro
não é a mão no couro,
é o coração.

I.R.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

jogatina

Foto: Marcelo Sampaio

a verdade é que a gente não só envelhece,
mas embeleza e cresce,
assim como nossos dominós
também se tornam maiores,
e nossos laços se transformam em nós,
e nossos nós, em eus e vocês.
nosso domínio sobre esse jogo
depende de nossa abertura a uma não regra
que só depende de nós escrever.

I.R.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

rua dos espíritos

Foto: Vicente Sampaio

como um espectro, caminha,
caminha e anda,
porque sabe que não pode estacionar.
fantasma urbano,
alma penada viva,
nascida do nosso abandono,
ignorada por nós, seus semelhantes,
que ensinamos às próximas gerações
que assombrações não existem.

I.R.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

a grande explosão

Foto: Jacqueline Hoofendy

somos só uma poeira cósmica
esperando um alinhamento planetário.
mas nem só de eclipses vive o homem...
somos uma crase no meio dum texto infinito,
esperando uma supernova ou uma nova galáxia,
e sem percebermos nosso céu de lâmpadas de led
cheio de luzes estroboscópicas e lâmpadas chinesas...
nossos planetas estão amarrados num teto que terá fim.
e se algum dia a minha voz soar pelos microfones cósmicos,
será um som cômico anunciando que o leite da via láctea acabou.

I.R.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

scarface

Foto: Cynthia Dorneles

os canos que levavam água
já não funcionam mais,
são como veias sem sangue,
corpo sem vida,
ferro velho, ferida,
cicatriz na cara da natureza.

na casa das máquinas,
já não se maquinam planos
para o fim do expediente,
já não há expediente,
só restou o fim.

e ao pé dos escombros,
sob um céu nublado
um manto de um lindo dia,
a água esmeralda e fria
nos lembra que tudo passa.

I.R.

sábado, 29 de novembro de 2014

vulcão no leito do mar

Foto: Frank Rustad

lá no fundo do mar comprido,
ladrilhei uma calçada de mar,
fiz uma ciclovia com pedrinhas de brilhantes,
conchas, búzios,
e não fugi do canto da sereia...
uma melodia alegre, profunda,
cheia de cicatrizes,
que inunda a alma e a veia
com sua voz doce.
lá no fundo do mar,
na calçada do mar
onde a onda quebra,
a sereia fechou sua janela,
mas sentou na porta,
de costas pro mundo
e de frente pra vida,
olhando pra mim...
pra ver a lava passar
cantando coisas de amor.

I.R.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

do amor

Foto: Jacqueline Hoofendy

há um momento em que os escombros
são só restos em pé sem sentido,
e o que está construído
é só o chão de um céu
que não interessa alcançar.
há um momento em que o olhar
é amor e é respeito...
é entrega...
a câmera que se estende
é o próprio coração que se dá.

I.R.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

na bomba

Foto: Silvio Dutra

não é uma questão
de mais ou menos paciência,
nem de conveniência ou não.
o brilho mágico só acontece
quando o tanque está cheio,
e cada motor sabe
que combustível lhe convém.

I.R.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

montanha-russa

Foto: Marlyn Tows

a vida não é uma montanha-russa,
as reviravoltas são diferentes,
os altos e baixos
nem sempre são conscientes,
o carrinho sempre volta ao lugar de partida.
a vida, definitivamente,
não é uma montanha-russa...
os loopings do viver não têm um risco calculado.

I.R.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

obra-prima

Foto: Keila Figueira

não é fácil saber quem somos
nem o que queremos,
mas talvez estar enquadrado
nos limites de uma moldura
não nos faça obra de arte.
é preciso romper o esquema perverso
que nos deixa sentados
olhando um nada
que nos cala, nos sufoca,
é preciso superar o cerco
onde nos alienamos.
não é fácil saber quem somos
ou o que queremos.
ninguém disse que seria.

I.R.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

a vida num filme

Foto: Vicente Sampaio

nem todo açúcar é doce,
ou toda pureza é branca,
nem todo ser humano
é tratado com respeito,
nem toda criança
é tratada como criança.
e nas leis do capitalismo selvagem,
quando parece que a boia será quente
e haverá dignidade,
o caminhão que levava para a exploração,
agora leva para a negação
da própria humanidade.
e as máquinas que fazem o trabalho de mil,
escondem os homens para fora do canavial.

I.R.

domingo, 16 de novembro de 2014

mestizo

no toque da percussão
nasce a fusão,
axé, flamenco, rumba,
fusões que rumam
e arrumam a casa,
coração que bate,
pulsação.
no toque da percussão
o sonho de um blues,
em frente ao mar azul,
pulso baqueta,
diapasão.
no toque da percussão,
a mistura se fez música,
se fez arte,
fez do inteiro só uma parte
e repercutiu entre nós.

I.R.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

ciclovida

Foto: Felipe Scapino

não se trata de dinheiro,
todos temos o pé rachado
e a sandália usada.
as plásticas apenas escondem as rugas
que temos sob nossa pele
todo tênis de marca,
salto alto ou sapato italiano se gasta,
todo chinelo se consome
pelo uso ou pela ação do tempo.
não há tempo a perder,
cada pedalada traz em si
a necessidade de pedalar,
onde pedal, guidom, quadro e freio
(nada bonito e nada feio)
adquirem em momentos diferentes
a mesma vital importância.

I.R.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

da terra

Foto: Stanley Wagner

nem sou pescador
nem sou peixe.
não sou gaivota
nem turista.
não sou filho da terra,
de uma terra onde não moro,
mas sei que é minha,
sempre será,
por escolha, por eleição.
talvez a praia grande não saiba,
mas talvez ela sinta,
que este filho pródigo,
que se foi sem nunca ter ido,
está por chegar.

I.R.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

mapeando

Foto: Jacqueline Hoofendy

talvez tudo seque
e esta seja a chave
que já não abrirá uma porta sequer.
a água seca
cria rachaduras,
levanta e se faz deserto,
terra seca, contorno de continente,
um mapa sem litoral.
a moda ao sol também seca,
assim como o coração.
mas se eu quero abrir a porta,
mas se eu quiser encontrar a chave,
ou se ainda quisesse mergulhar no mar azul,
precisaria de uma demão,
de um motivo,
necessitaria um anticorrosivo
para desoxidar a corrosão.

I.R.

domingo, 9 de novembro de 2014

ferramentas

Foto: Charles Lab

às vezes,
antes de dar o passo seguinte,
é preciso aprender o passo anterior.
caminhar, navegar, voar, pedalar,
não digo cada coisa em seu lugar,
pois viver é administrar contradições.
sonhar é bom,
mas se o quisermos real
temos de conhecer as ferramentas,
temos de abrir o final

I.R.

sábado, 8 de novembro de 2014

sala de espera

Foto: José Carlos Eustáquio

nem a mão amiga
nem a pedra,
nem o escárnio
ou uma carícia,
nem o dinheiro
nem um favor,
um elogio
ou um beijo de amor...
não espere nada de ninguém.
anime-se ao primeiro passo.

I.R.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

namoradeira

Foto: Paula Ganeme

talvez a namoradeira não saiba
que não existe príncipe encantado,
que ele foi inventado,
pra manter um esquema de dominação.
mas se ela sabe,
e apenas quer
o mesmo que o parceiro quer,
se ambos entendem que a perfeição é um mito
e que não há príncipes nem princesas
nem sapos nem realezas,
é porque se entendeu que o papo
desde o princípio é entre humanos,
passíveis de erros possíveis,
dispostos também a falhar.

I.R.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

palma da mão

Foto: Soninha Coelho

nem batida nem tirada,
apenas realizada,
feita como um portal.
viajo à pindorama,
volto à praia da rama
que américo pisou.
ida e volta em filamento,
uso a máquina do tempo
pra rever outro arraial.

I.R.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

esqueleto

Foto: Simão Salomão

é de linhas
e entrelinhas
que se faz um andaime,
e que se chega às estrelinhas.

é de texto e subtexto
que se escreve um código urbano
vívido no contexto da amizade,
vivido como um pretexto
para subir a um suposto nada.

pois o nada,
mais que suposto, é porto,
onde me comporto
não como querem,
mas como quero,
é caminho de andaime,
é carinho de estrelas
são linhas e entrelinhas
unidas numa 'desestrutura' em sintonia.

I.R.

domingo, 2 de novembro de 2014

burbujas

Foto: Jesús Caño Benito

las burbujas son espejitos de colores
que nos saben cautivar.

nos atrapan con sus tonos,
con su brillo,
con su aspecto sencillo...

trampa en forma de juego,
belleza a la que luego, consciente,
uno simplemente la quiere reventar.

I.R.

sábado, 1 de novembro de 2014

halloween de santos finados

nem todas as bruxas,
nem todos os santos,
nem todos os mortos,
podem endireitar caminho tortos
ou enganar com seus encantos,
pois nem todo morto,
nem todo santo,
nem toda bruxa,
entende que o que puxa
à outra dimensão
nem sempre é a razão,
mas o sentimento,
que assim como o vento,
pode ser uma brisa
ou pode ser um tufão.

I.R.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

anticíclico

a vida é um ciclo,
as fases da lua,
a rotação, a translação,
o universo também...
dias, meses, anos, séculos,
o tempo é um ciclo...

só o poder criador do homem
pode ir além desse círculo vicioso.

I.R.

domingo, 26 de outubro de 2014

tirando a máscara

a ditadura em que vivemos,
aquela que não percebemos,
é a prisão nossa de cada dia.
é não sabermos quem somos
e onde queremos estar.

a outra ditadura,
também real,
é aquela que prende,
tortura, degrada,
é aquela que mata.

se você a defende,
se candidata a repressor
ou prefere terceirizar?

I.R.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

balão de hélio

Foto: Paolo Silva

não tenho a pretensão de sê-lo,
não sou o sol,
só o levo como um balão de hélio,
carro de apolo
como um passeio de bicicleta.

em meu passado tupi-guarani
astro-rei, nascido anjo,
findado grande,
agora, disco de prata,
manso como um rio.

não lhe confiro poderes mágicos,
nem lhe confio minha vida,
nem rá, nem mitra, nem hórus,
o sol nasce pra todos.

carro de apolo,
como um bom passeio de bicicleta.

I.R.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

livre circulação

se me divido em muitas gavetas,
em múltiplas prateleiras,
em um sem-fim de compartimentos
com espaços e medidas desiguais,
ilusão de ter tudo separado,
organizado,
delimitado por fronteiras,
não percebo nesses limites,
que meus eus não precisam de passaporte,
eles vêm e vão, sem visto de entrada
e sem tratado de extradição.

I.R.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

ósculo

Foto: Sandra Santos

o beijo furtivo da arte
apoiando o beiço em quem passa,
enquanto olha para outro lugar,
é como um beijo tímido,
mas decisivo.
um beijo rápido, talvez,
mas carregado de paixão.
o beijo da arte,
à luz do dia e a céu aberto
é sinal de que é preciso estar desperto,
pois doce, veloz e molhado,
esse beijo surpreende um bocado
e chega quando menos se espera.

I.R.

domingo, 19 de outubro de 2014

ordem e progresso

Foto: Luiz Cavalli

a desordem pode não ser a resposta,
mas a ordem imposta,
traz em si a marca da intolerância,
da intransigência e da ditadura.

o progresso egoísta,
destruidor da natureza e do homem,
é um retrocesso fantasiado de positivo.

o amor não cabe nas bandeiras,
porque as bandeiras não unem,
dividem e reúnem subdivisões
em nome de nacionalismos alienantes.

meu verde e amarelo
poderia ser preto e branco,
cinza e marrom, roxo e rosa
multicolorido.
nenhuma cor me define,
eu mesmo me defino
ao fechar meus olhos,
ao me olhar no espelho.

o progresso que quero,
e a ordem que espero,
só podem chegar
em mundo onde a única fronteira
é o respeito pelo outro.

I.R.

sábado, 18 de outubro de 2014

vulto de mel

Foto: Jacqueline Hoofendy

podemos guardar
ou preservar,
festas e alegrias
sofrimentos e horrores,
momentos...
os que quisermos,
as que escolhermos,
aquilo que sentirmos,
em fotos e cartazes,
pendurados nas paredes da nossa vida.

mas nada do que vivermos é estático,
pois viver é mel que escorre,
é vulto que passa,
corpo que um dia morre,
embora registre e repense
em frágeis luzes sólidas
o que vamos vivendo por aqui.

I.R.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

creá con lo que ves

Ilustración: Flor Gri

tal vez una cerca viva de espinas desarmada
sea reflejo de como nos desarmamos,
porque no queremos hacer daño.

tal vez una mezcla de ideogramas,
pero no de ideas,
sea representación de lo mucho que me gustaría decir,
pero no debo, no puedo, o incluso a veces no quiero.

borrón y cuenta nueva,
garabatos sin conexión aparente,
laberinto enmarañado, telaraña vacía...
dejémonos llevar,

las manchas no nos dirán siempre lo mismo.

I.R.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

suave na nave

Foto: Seba Aprovechala

suave, na nave,
se dedilham histórias,
na nave suave,
com penas e glórias
nascem versos
a clarice e à lua,
aos calangos, a charly...
e uma saudade de tango,
percorre seus caetanos,
seus lenines.

suave na nave,
se evoca uma rave,
um guião que pulsa,
no compasso da nave
que navega no cabo,
que cabe em cada palavra,
de toda tradução
de cada poema
ou de todo mistério
em que se puder dedilhar.

I.R.

domingo, 12 de outubro de 2014

viela

Foto: Luiz Alfredo Ardito

mil olhos que a veem passar,
a caminho de algum lugar,
olhos que veem, coração que sente
e boca que sorri,
calçada que se enche de cor,
mil olhos que ainda não falam de amor,
mas que sorriem
enquanto ela passa
cheia de graça, a caminho de amar

I.R.

sábado, 11 de outubro de 2014

debruçado

Foto: Gabriel Bianchi

no descanso nem sempre há descanso,
no patamar alcançado,
no caminho descascado,
um olhar vazio olha o vazio
e nem sempre sabe por onde seguir.

I.R.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

intolerância

há um cheiro de intolerância no ar,
de prepotência,
de não aceitação das diferenças.

o debate vira desqualificação,
uma ideia "é" verdade,
não opinião,
e o respeito se mostra (talvez) teórico,
mas longe da prática.

há um cheiro de intolerância no ar,
há um clima de discórdia,
quase belicoso...
me belisco
por se for um pesadelo,
mas estou acordado.

será?

I.R.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

insight

Foto: Jacqueline Hoofendy

bebendo na fonte cristalina
de onde a luz emana,
me abstraio em lucubrações filosóficas
e percepções visuais.

improviso,
como se fosse músico ou poeta,
improviso porque uma janela aberta
pode ser um caminho
quando as portas se fecham.

I.R.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

banda sonora

Foto: Ximena Echague

mientras caminamos
tratamos de poner música a nuestra vida,
sintiendo los acordes que llenamos de sentido,
y armamos nuestra banda de sonido
sin darnos cuenta
de que a veces hay que improvisar.

la pauta de lo que tocamos
no siempre se encuentra en las partituras.

I.R.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

"pimba no brain"

Foto: Jose Pedroso

parece que estamos todos acorrentados,
mas eu não diria acorrentados,
parece que estamos todos conectados,
unidos de alguma forma,
como conexões cerebrais,
axônios e axiomas
à serviço de um todo ramificado,
onde o dano ou a tempestade cerebral
é se sentir separado do tronco,
é se sentir só no inverno
sem a esperança de que na primavera
juntos nós faremos sombra.

I.R.

domingo, 5 de outubro de 2014

giratório

Foto: Leonora Fink

não se trata de tristeza
ou de alegria
mas de metáfora, de alegoria,
já que nem águas
nem ventos passados
movem moinhos.
e talvez os moinhos sejamos nós
aprendendo a mover nossas pás,
não monstros
contra os quais imaginamos lutar.

I.R.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

dar adeus

ele deu a deus
um adeus definitivo,
mas não há adeuses
aos deuses infinitos
se os afirmamos com a ação.
vivo, morto,
não importa,
nem a fé nem a ciência
valem mais que a consciência
e se o próprio deus se dá adeus
e só nos resta a arte,
ao fazermos nossa parte
existe algo sem fim no meio de nós.

I.R.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

carpediniano

não existe o poema definitivo
nem o verso definitivo
e o amor-perfeito é apenas uma flor.

é de imperfeições que vivemos a vida.

não existe o roteiro sem rasuras,
transitamos um rascunho
que vai sendo reescrito a cada cena.

I.R.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

investigando

Foto: Jacqueline Hoofendy

a lupa que você usa para me ver
não chega nem perto
do microscópio que uso em mim.
vejo poros e plaquetas,
virtudes e defeitos
e os efeitos de uma tosse
que é quase um moto-contínuo.
essa lupa que me espia enquanto vou,
não vê a metade do que sou enquanto venho.
mas lupa e microscópio se usam de perto.
há quem tente me ver com binóculos,
ou com telescópios,
tendo que adivinhar suas conclusões,
sem perceber a delicadeza das minhas rugas
e a beleza das minhas marcas de catapora.

I.R.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

contradanza

Foto esquerda: Joana Senger - Foto direita: Simão Salomão

bailar es hablar con el cuerpo
lo que ninguna boca jamás podrá decir,
bailar es poesía concreta y en movimiento,
es un instante de libertad
lejos de cualquier confinamiento
el baile es tierra de sueños
que no se vuelven reales.
tal vez por eso hable, escriba y sueñe poco...
no tengo alas,
pero sé que no necesito pedir perdón.

I.R.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

cerração

Foto: João Freitas Valle

me recuso a ser uma sombra
com um não corpo contornado
no chão ou numa parede.
mas se o físico é o de menos,
e o que vale é a metafísica de dentro,
quero ser fumaça,
quero ser vento...
quero me espalhar
um comigo, um com todos
como fog, como neblina,
fumaça de cannabis menina
fazendo uma longa viagem
ou dando um rolê por aí.

I.R.

domingo, 28 de setembro de 2014

metatexto

Foto: Marli Sassi

no degrau que me sento,
sinto que sigo.
e o degrau é como um verso,
de um poema escalonado,
mensagem de texto,
ou de um subtexto
que talvez me contextualize.

no degrau onde me sinto,
prossigo
e sento como quem descansa
em cada linha que lê,
como quem desabafa
em cada palavra que escreve,
e que esconde em si o seu porquê.

I.R.

sábado, 27 de setembro de 2014

corredor cultural

Foto: Sergio Sakai

entre estantes passeio,
por entre prateleiras passo,
e me desfaço em livros,
e me refaço em letras,
e me confesso em poemas
que talvez um dia volte a ler.

I.R.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

concretamente

Foto: Fernando Dassan

faço bolhas de sabão,
porque, concretamente,
as de concreto não podem voar.
faço coloridas
e efêmeras bolhas de sabão,
que estouram com um dedo,
com o tempo ou com a mão,
porque as de concreto,
concretamente, não podem estourar.

I.R.