terça-feira, 30 de setembro de 2008

Carta para um usuário do metrô

Buenos Aires, 30 de setembro de 2008.

Prezado usuário do metrô,

Você já teve a sensação de que alguns dias são estranhos. E não estou falando desse papo de “hoje não deveria ter saído de casa”. Só que alguns dias são meio esquisitos, um pouco bizarros, ou simplesmente diferentes.

Ontem, por exemplo, tive uma revelação. Descobri que no metrô só viaja gente feia. Não sei em São Paulo ou no Rio ou em Londres, Paris, Nova Iorque, Moscou ou Madri , mas aqui em Buenos Aires é incrível. Só tem gente feia. E não adianta me dizerem que a beleza ou a feiúra (ainda com acento) são coisas subjetivas ou mesmo impostas por uma sociedade de consumo que escolhe os seus padrões de um modo ditatorial. Não adianta me dizer o que já sei. Assim como sei que aqui no metrô está cheio de gente feia.

Minha única dúvida sobre essa questão é se eu sou a exceção que confirma a regra ou se minha auto-estima anda tão elevada que me faz esquecer de que tenho espelho em casa, afinal de contas, também sou passageiro.

Viajo em pé, apertado, como vaca indo para o matadouro (quando consigo entrar – na hora do rush é uma aventura quase impossível de se realizar); escuto a música dos que vão com seus ipods originais ou genéricos num volume que os deixará com perdas de audição em alguns anos; leio os jornais dos que se sentam ao meu lado (quando consigo sentar); vigio meus bolsos e minha bolsa para não ser assaltado; ouço conversas fúteis; vejo aqueles usuários dos ipods dançando ao som de suas trilhas sonoras pessoais, como se estivessem em uma danceteria (aqui não tem baile funk) e sou obrigado a ser voyeur quando os casais se “atracam” ao meu lado.

Andar de metrô é também estar preparado para assistir ao ódio em seu estado puro. Qualquer uma das lutas de Mike Tyson no auge da sua forma se transforma num programa de luta-livre, telecatch, titanes en el ring, ao lado das discussões urbanas do metrô. Discute-se porque os que querem entrar não esperam os que querem sair saírem (parece um: olha que isso aqui tá muito bom, isso aqui tá bom demais; olha quem tá fora quer entrar, mas quem tá dentro não sai – só que não sai porque não pode, não porque esteja adorando esse ‘passeio de minhoca’); discute-se porque o metrô está cheio e nem todos os que estão na plataforma da estação vão poder entrar; discute-se porque as pessoas ficam todas perto da porta, atravancando a passagem.

Só não se discute quando alguém passa a mão em alguém, aí pode rolar cotovelada mesmo, ou então quando alguém peida. Aí é que todo mundo faz cara de ‘eu não fui’ ou de ‘eu não sei que cheiro é esse e prefiro fingir que nem estou sentindo cheiro algum’.

Ainda bem que são poucas estações e que a viagem dura pouco quando o serviço funciona... pequeno detalhe. Bem, ainda bem mesmo que pelo menos aqui a passagem ainda custa 90 centavos.

Um abraço,

I.R.