domingo, 29 de dezembro de 2013

metamorfismo

Foto: Marizete Nunes 

a lagarta não se transforma em borboleta
ser borboleta ou lagarta
é transitar o processo de viver.

a lagarta será borboleta
que já foi lagarta.

a diferença em nós está na metamorfose,
se é fruto da consciência ou da osmose,
pois essa sequência não se apoia em asas frágeis
ou em casulos de seda,

mas descobre na seda abandonada
e nas asas,
ainda que fechadas,
o frescor da brisa que acaricia,
o ir e vir com autonomia,
o sabor do néctar da liberdade.

I.R.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

carta e verso - 6 anos


o verso deste converso
não é escrito em código,
mas em clave pessoal.
uma e mais duas e mais três vezes,
seis vezes, seis anos,
uma estrela de seis pontas,
poemas e não contas...
pois na matemática da vida,
nem sempre importa o resultado,
mas o enunciado de cada problema.

I.R.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

espírito natalino

Foto: Roseli Stepurski

não gosto de natais comerciais,
nem dos comerciais de natal.
não gosto da loucura pelos presentes,
deixando de lado o presente
para viver a ilusão de um futuro
que jamais será.
não gosto do papai noel da coca-cola,

nem gosto que torça pelo flamengo...

mas nesse calor tropical,
se ele vender um sorvete
bom, bonito e barato,
eu até paro e bato um papo
com o desejo de um feliz natal.

I.R.

sábado, 21 de dezembro de 2013

baiana

Foto: Viragini Mendes

um sorriso cheio de axé,
um sorriso feliz no olhar,
um sorriso,
desses que sabem
que a arte de viver com fé
encontra resposta
nesse abraço que dá.

I.R.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

estilhaços

Foto: Simão Salomão

os cacos se espalham no chão
e piso com cuidado.
não quero furar meus pés,
agora que tenho os olhos ocupados
com o mundo real.

I.R.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

a imagem de deus

Foto: Simão Salomão

quando me perguntarem
se deus é um velho de barba branca,
eu responderei
que nem branca nem preta
nem de cabelos curtos
nem de cabelos compridos,
e que só estará entre nós
na medida em que cada ser humano
abrir as próprias mãos.

I.R.

sábado, 14 de dezembro de 2013

super oferta

Foto: Silvia Musselli

somos educados
através do vidro da vitrine
para ver que a vida passa.
há carros, há ruas,
nada é de graça...
e a natureza, já morta,
é vendida em super ofertas.

esquecemos que a vida é bonita,
colocamos preço no que a natureza nos dá,
e as flores que vemos sobre nossa silhueta,
são apenas ilusão de ótica.

somos educados através do vidro da vitrine
que a natureza se compra,
que a felicidade se abre...

mas quero quebrar as vitrines,
rasgar os preços,
plantar as flores nos poros da minha pele,
sentindo, sorrindo, chorando de emoção.
quero ver sem barreiras, sem obstáculos,
e descobrir em mim toda a má-educação.

I.R.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

13-12-13

eu mordo,
trinco meus dentes
num sanduíche de coxa,
num sanduíche de dezembro.
como, como se fosse setembro.
degusto, como se fosse aquele agosto,
quando senti esse gosto pela primeira vez.

I.R.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

11-12-13

Foto: Luiz Navarro

é verdade que a vida dá voltas,
mas viver
não é como andar de roda-gigante.
nossas sequências, nosso sobe e desce,
não são circulares,
e viver é saber que jamais passaremos
pelo mesmo lugar.

e o que vivermos de bom,
e o que for parecido ao já vivido
será vívido em nossa lembrança,
será a esperança de um dia voltar a viver.

I.R.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

presentes

Foto: Iara Nunes

com os pés no chão
cada criança intui
que a própria infância,
independente da circunstância,
é um viver que flui.

e esse fluir,
e esse viver,
longe dos maus-tratos,
distante da violência,
é um chamado
à nossa consciência adulta,
de que o maior presente
que podemos dar
não é um que podemos comprar.

cidadania, respeito, amor,
não estão em vitrines
à disposição de nossos cartões de crédito
e o melhor brinquedo
é a simples possibilidade de brincar
imerso na liberdade de ser.

I.R.

sábado, 7 de dezembro de 2013

coloridos

Foto: Jose Pedroso

a cor é um efeito físico,
não uma questão moral
ou um defeito físico.
nossas peles coloridas
jamais revelam nosso caráter.
pois somos o que fazemos,
não o que aparentamos ser.

de uma ponta à outra de um sorriso,
um trapezista dá saltos mortais,
e enxerga com olhos redondos
ou amendoados
que o tom ou o subtom
que nos pigmenta,
na verdade nada representa.

por isso lutamos,
para sermos o que somos...
um só povo,
membros de uma só raça,
sem castas,
ou divisões nefastas.

seres humanos,
livres do apartheid.

I.R.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

edênico

Foto: Jose Pedroso

a terra é azul,
como o céu.
a terra é o céu?
deveria.
e assim todo dia,
o sol e o sal,
o meu e o seu,
seriam o nosso.
e as nuvens, solo fértil,
seriam o terreno sólido
de um mundo melhor.

I.R.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

gotas de chuva

Foto: Sandra Santos

me duplico nas lâmpadas de água,
me triplico nas gotas de chuva,
e suplico
para que a multiplicação dos eus
não me traga efeitos secundários.

me multiplico de ponta-cabeça,
me ilumino, antes que aconteça
de a água das lâmpadas evaporar...
ou que a chuva contida em gotas,
essa, que lavará minhas almas rotas,
transborde meus oceanários
e me leve de volta ao mar.

I.R.

domingo, 1 de dezembro de 2013

pupila

Foto: Roberta de Moraes Marcondes

através de você
eu olhei através de mim,
e me vi um fantasma
me vi um príncipe,
me soube mendigo,
me descobri vivo...

com a leveza de um cílio
varri meus ciscos,
escrevi rabiscos,
e imprimi num fundo de olho
a beleza do seu olhar compenetrado,
da sua calma dedicação.

guardei você no meu cristalino,
eu menino.
através de você
olhei através de mim,
e nos vi.

I.R.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

de cara

Foto: Luis Saraceni

dizem por aí
para a gente meter a cara,
ou encher a cara
e botar a cara no mundo...

é, dizem...
para a gente evitar a cara de enterro,
para dar a outra face,
e, às vezes, ser cara de pau.

falam para a gente
não ficar de cara amarrada,
e às vezes dar as caras,
sem ser duas caras,
e não estar com cara de poucos amigos.

e quando a gente fica com cara de tacho
por ter ido com a cara e a coragem
e ter quebrado a cara
ou ficado com a cara no chão,
sabemos que é hora
de ficarmos cara a cara com a vida.

não está na cara?
talvez.
mas o que fazemos com tudo isso,
quando a cara não está?

I.R.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

ir e vir

Foto: Sandra Santos
ganhar ou perder,
subir ou descer,
isso importa?
ou a relatividade
da vitória e da derrota,
do que é subida, do que é descida,
são mais relevantes do que cada degrau?

escadas são obras de arte
divididas em degraus e patamares
que no sobe e desce dos olhares
são o caminho para algum lugar.

I.R.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

olhares

Foto: Simão Salomão

dizem que os índios dizem
que a foto rouba a alma.
se rouba a alma, não sei,
mas aprendi que a lê.

e o sorriso dos olhos da menina,
ou o olhar de sua boca,
(embalados ao som
de uma trilha sonora desconhecida)
mais o olhar desconfiado do seu amigo
com sua boca de poucos amigos,
apenas me confirmam que a comunicação
não está nas parabólicas,
mas sim nos olhares em sintonia.

I.R.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

entretecer

Foto: Vicente Sampaio

para fabricar o tecido da igualdade,
é preciso reconhecer
que a desigualdade existe.

nas empresas e nas prisões,
na fala e nas televisões,
no congresso e nos tribunais,
ainda há muito por tecer.

urdume, trama, pente,
quadros de liço:
os teares continuam
com o mesmo princípio.
em princípio,
só é preciso boa vontade
para poder tramar.

I.R.

domingo, 17 de novembro de 2013

escape

Foto: Joaquim Gonçalves de Oliveira

compre brinquedos,
compre doces,
compre alegria
e abra felicidade.
desde pequenos
nos bombardeiam
com o verbo comprar.
com dinheiro,
com cartão,
à vista,
na promoção,
a forma não importa,
o meio também não.
comprar é o caminho
e as sacolas, carregadas com carinho,
desfilam como um andor.

escapar é preciso,
ao menos lentamente,
ser consciente de ser.
e fugir como as lesmas
de qualquer punhado de sal.

I.R.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

três e três

Foto: Luiz Alfredo Ardito

somos eu, você e o nós,
cada um de um jeito
cada qual com sua individualidade.
e trabalhamos juntos.
você levanta uma parede
e eu arranco o teto.
eu coloco um tijolo,
você derruba uma viga,
você põe a porta,
eu arranco a janela,
faço o cimento,
e você quebra uma telha.
juntos construímos
aquilo que destruímos juntos,
reconstruindo essa casa entre nós.

I.R.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

paralelamente

Foto: Flavio Lattes

uma imagem circula
sobre outra imagem,
e a paisagem que roda
viagem afora,
se imprime sobre a paisagem natural.
mas...
o que transporta o caminhão?

a beleza nos distrai,
o jogo dos sete erros nos atrai,
mas o que sairá quando a porta se abrir?

eu, que pouco sei de transporte,
não me acho forte o bastante
para algo trasladar.
mas se, talvez,
fosse um caminhão basculante,
colocaria a natureza na caçamba
e em um microinstante
andaria pela estrada
como quem vai na corda bamba,
antes de ver o caminhão,
de portas fechadas,
em meus sonhos descambar.

I.R.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

quixotesco

Foto: Luiz Alfredo Ardito

diante do gigante de ferro
não inclino minha cabeça,
mas avanço contra sua carcaça
pronto para o embate.

sem debate e sem desbaste
piso nos trilhos como se fossem trastes,
dedilho minha marcha sem recuos.

não há um jogo de contrastes,
além do mais fraco contra o mais forte,
mas não dependo da sorte.
luto contra um moinho de vento
em forma de trem.
mas sou em quem vai,
não é ele quem vem.

I.R.

domingo, 10 de novembro de 2013

no túnel

Foto: Esther Toledo

não me interesso pelo fim do túnel,
e do começo me afasto
a cada curva que passa.

o túnel iluminado,
os carros lado a lado,
as luzes frente a frente...

as paralelas só se encontram no infinito
da ilusão de ótica,
e numa leitura semiótica,
o bonito das paralelas
é que elas só são belas
ao nunca se cruzar.

I.R.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

sob os pés

Foto: Edilene Góes

entre caminhos intrincados,
ramificados,
meus pés passeiam
sem rumo fixo.
pois meu destino,
meu ponto de chegada,
é continuar na caminhada,
como se fossem minhas veias.
ando, viajo, circulo,
vou do venoso ao arterial num pulo,
vou, prossigo, continuo,
sem lei, sem multa e sem sinal.

I.R.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

white shadows

Foto: Helo Von Gal

nem sou a sombra do que era,
nem estou à sombra do que fui.
o passado já não é
e o que sobra são colagens
muitas vezes desconexas
em minha memória imperfeita.
não sou sombra,
nem sobra, nem fantasma,
minha bicicleta me leva a um futuro
que, como minha memória,
é inseguro,
é história inventada,
ectoplasma...
e ao pedalar no presente,
abandono o preditivo,
(o negativo e o positivo)
o mundo real.

I.R.

domingo, 3 de novembro de 2013

no meio

Foto: Rê Pinheiro

no meio do caminho tinha uma pedra,
no meio do caminho havia muitas pedras,
muitos dormentes,
e entre trilhos e ciclistas,
meu olhar dormente, sonolento,
acorda num momento...

no meio de tanta pedra há uma flor.

I.R.

sábado, 2 de novembro de 2013

dia chuvoso

Foto: Sasha Ivanovic

a casa que nos abriga
vai se gastando com o tempo;
a casca que nos conforma,
nos configura,
descasca.
independente de alegria ou de amargura,
as paredes perdem o reboco,
as portas e janelas ganham remendos,
e não entendo nenhuma tentativa desesperada
para impedir que se veja
o que todo mundo sabe ou intui.
a chuva molha barracos, casebres e mansões.
o tempo passa.
nossas paredes são feitas de tijolos de barro,
que ao barro um dia hão de voltar.

I.R.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

respeitável público

Foto: Luiz Alfredo Ardito

coloco meu nariz de palhaço,
minha maquiagem e minha peruca,
levanto a lona, armo o circo,
entro no picadeiro
e faço rir.

mas me separo do mundo
com uma cerca,
porque também sou um homem triste.

sou triste e sou alegre,
ando numa corda bamba de arame farpado
entre a lona e a lama,
entre a grama e a grana...

porque nenhum ser humano
pode estar sempre alegre.
porque ninguém, na verdade,
é de todo triste.

dentro de um banheiro químico,
escondi o meu sorriso cínico,
e com a cara pintada,
uma peruca colorida,
e um nariz vermelho,
volto sempre ao picadeiro
para fazer picadinho da tristeza
que também habita em mim.

I.R.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

ser como as paredes

Foto: Luiza Mesquita

talvez sejamos como as paredes...

desconfio de quem é liso,
sem marcas nem rachaduras.
desconfio de quem não tem tijolos à vista,
de que não tem gretas,
de quem não está sujo.
e assim, sujo, marcado,
rachado e imperfeito,
tem um quê.

suspeito
de quem não tem uma porta a meio tapar,
como uma forma de atravessar,
como moldura da perfeição que não podemos reter.

I.R.

sábado, 26 de outubro de 2013

a imagem

Foto: Denise Alves

a imagem que eu tinha de mim
já não é a imagem que eu tenho de mim,
e as imagens que os outros têm ou tinham de mim
eu não posso nem nunca pude controlar.

a lama que me cobre,
o barro que me reveste,
me lembram que sou terra,
me recordam que sou pó.

as novelas e os noticiários de minha vida,
meus programas de humor,
meu futebol e minhas finais de campeonato,
minha parabólica, meu uhf,
minha alta definição,
meu controle remoto, meu descontrole,
minhas cores e meu preto e branco...

as imagens que tinha de mim,
já não são as imagens que tenho de mim.
e as imagens que fazem de mim,
daquilo que eu talvez não seja,
são apenas um lado que desconheço
do que os outros chamam de realidade.

I.R.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

o segredo

Foto: Christian Barroso

o segredo não está no salto
nem no cigarro aceso.
o segredo não se encontra
numa lata de lixo.
não está no telefone
nem no telefonema,
o segredo não é um problema,
nem está escondido em uma mochila
ou em um copo de refrigerante.
o segredo não é um skate
num voo rasante,
não está nas rampas
nem nos degraus da escada.
ele está além do olhar atento
ou da concentração.
o segredo está na ação,
ou na interpretação
que não requer ser revelada.

I.R.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

luta livre

Foto: Leo Bella

nem viver é lutar
nem a vida é um ringue de luta livre.
eu vivo, não luto, não surto,
curto, aproveito, desfruto
cada momento,
adaptando meu roteiro,
fazendo do telecatch
uma espécie de teatro grego.
uma tragicomédia,
onde, dependendo do horário,
sou só um personagem secundário,
não sou o personagem principal.

I.R.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

ajedrez

Foto: Joaquín Luna Arenas

yo podría no ser más que un espectador,
desde el piso o desde el alto de la torre,
de esa torre que no nos protege
y tampoco está amenazada por el caballo de la dama.
yo podría solo mirar
o sacar una foto,
o dar unas monedas al final del espectáculo...

pero prefiero vivir el mundo al revés,
al contrario,
o de lo contrario,
el aburrimiento oxidará cada parte de mí.

pois o tédio enferrujará cada parte de mim,
do contrário,
ou ao contrário,
prefiro viver o mundo de ponta cabeça

dar um trocado no final da apresentação,
tirar uma foto...
eu poderia apenas assistir
a torre que não protege
nem é ameaçada pelo cavalo da dama.
do alto ou do chão da torre,
eu poderia ser um mero espectador.

I.R.

domingo, 20 de outubro de 2013

línguas de fogo

Foto: Luis Saraceni

no meio da noite,
entre o sonho e a vigília,
não há olhos de vigia,
apenas línguas de fogo
que se consomem
no reflexo das águas.

I.R.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

the reader

Foto: Ciro Cortellessa Streepher

o leitor é também eleitor,
e ao escolher um livro,
ao entrar numa história,
se torna ator
vive uma aventura,
redescobre um amor
vivencia a vitória
e a derrota e a amargura.

o leitor habita outros mundos,
navega universos paralelos,
conhece os mistérios
do outro lado do espelho
do lado de cá da estante.

I.R.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

aos pés da porta

Foto: Jose Pedroso

a porta dos sonhos está fechada
e a rua da realidade é fria.
a porta fechada, grande, alta e fechada
já não dá esperança.
a realidade da rua,
da noite na rua,
dormindo na frente de uma enorme porta fechada
é fria,
é dura.
e não há uma janela aberta...
a noite devora o homem,
e a carne que dorme ao relento
é a sobra à sombra de nossa cumplicidade.
a porta fechada, longa, alta, grande e fechada,
não tem fechadura.
devemos abri-la por dentro.
devemos arrombá-la, se preciso for.

I.R.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

na trincheira

Foto: Fabio Giorgi

penso,
logo dispenso.
porque é preciso repensar...

não se trata  do enlatado que nos dão,
do alimento mastigado,
porque somos cúmplices.
o luto e o lixo intravenosos
são o luxo nosso de cada dia.

repenso,
logo insisto.

é preciso ser
um ser imperfeito
ser livre é mais  do que um direito,
é caminho, é instrução.

a liberdade não é um propósito...
é de propósito,
e só sou livre quando me desvisto.
conscientemente nu...
a nudez não será castigada.

dispenso,
logo resisto.

I.R.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

38 em tempo

nem todo tempo é cronológico
algum é atemporal
e quase ilógico
mesmo também sendo impermanente.
a permanência é resultado do todo dia
e dá no mesmo se são 38 horas
ou 38 semanas,
38 anos ou 38 meses.
às vezes, é importante nem mesmo contar.
importa que o tempo permaneça,
não importa o drama.
importa ser plenamente feliz,
sem cronômetro, sem barômetro,
sem cronograma.

I.R.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

sentir e fingir

Foto: Jose Pedroso

sobre o que o poeta sente
ou finge
não posso escrever.
uma das pessoas de pessoa
já o fez com mestria.
sobre o que sinto
ou finjo
posso. mas nem sempre quero.
sou pessoa tímida,
mas quando sei que sinto
quando me sento e sei que finjo
prefiro não dizer.
meus poemas não são meu testamento
meu poeta versifica sem tanto pretender.

I.R.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

na cabeça e nas mãos

Foto: Nadja Santos

na cabeça uma ideia
dá voltas, gira, fica na ponta do pé
e para, nos dando um sentimento de proteção.

mas é só uma ideia,
e as ideias podem ser polidas,
lapidadas,
podem ser usadas,
e gastas, ser reinventadas
ou correm o risco de não nos servir mais.

na cabeça uma ideia.
e nas mãos muitas outras,
para pensar diferente.
na cabeça uma ideia,
um pensamento...
nas mãos, o sentimento
e a  possibilidade de poder repensar.

I.R.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

velocidade

Foto: Anne Frisque

não é por ser rebelde
com ou sem causa,
mas no ir da valsa
o ritmo pode acelerar.
e quando as leis ou os costumes
nos obrigarem a pisar no freio,
a diminuir a velocidade,
e não passarmos de setenta.
pode ser a hora de trocar a estrada
por uma pista de decolagem.

I.R.

domingo, 6 de outubro de 2013

na ponta do bico

Foto: Isabel Carvalho

a verdade não está nas palavras
assim como nos cartões do realejo
não se encontra o futuro.
a verdade não está nas palavras.
nem naquilo que vejo.
e o futuro é como um quarto escuro
onde aos poucos revelamos o presente
que o passado não pode ver.

as coisas não são como são.
são como somos.

periquitos não são papagaios
e papagaios não falam.
a verdade não está nas palavras.
nem o futuro na ponta de um bico.
onde estou, onde fico?

e nós... quem somos?

I.R.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

momento de cor

Foto: Sasha Ivanovic

no meio de vidros, concreto,
passando por portas giratórias,
olhar o arco-íris invertido
é nosso investimento na vida,
nosso propósito de que viver de propósito
é ser vivo com intenção.
no final do lado escuro da rua
não existe um pote de ouro.
existe uma existência que é preciso colorir.

I.R.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

a garota do outdoor

Foto: Antonio Manuel Pinto Silva

a garota do outdoor não me olha
a garota do outdoor não olha,
não fala, não sorri,
não sente dor...

a garota do outdoor
tem camadas de photoshop
sob camadas de retoque.
o ser humano à serviço da beleza,
garota natural, sem natureza.

e seus olhos postos nos galhos secos
é reflexo apenas do meu desejo
de que ela esteja viva.

I.R.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

sobre filtros e máscaras

Foto: Luiz Alfredo Ardito

nem todos os bons modos são bons
nem toda boa educação é educada
coamos nossas ações,
filtramos nossas palavras,
usamos máscaras sociais
como num carnaval veneziano,
para esconder nossas carrancas.

é...

às vezes é saudável perder a linha,
descer do salto
e sair dos trilhos.

I.R.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

duplo exercício

Foto: Davy Alexandrisky

nem uma ponta nem outra.
os extremos são perigosos
suas árvores não dão sombra
e os ninhos dos pássaros não existem aí.
em cima, embaixo,
uma imensidão azul nos engole
sem ao menos nos mastigar.
nem todas as janelas estão fechadas
no caminho do meio,
e no meio do caminho
a diferença entre um bom mosquiteiro
e um bom mosqueteiro
é que se o primeiro protege
o segundo protege sem nos deixar desistir.

I.R.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

operários

Foto: Simão Salomão
 
não podemos ser como éramos,
porque já não somos
quem um dia fomos.
não podemos sentir como sentíamos
nem amar como amávamos,
o que não significa que não haja amor.

no fundo, a criança que eu era
ou o adulto que estou sendo
são tão diferentes
quanto sigo sendo  o mesmo.

é como transitar um caminho de subida
e uma rota de descida,
entrada e saída e saída de emergência,
com a urgência de dizer que,
ainda que possamos descer,
não podemos voltar atrás.

somos operários na construção do amor.
sem batermos ponto,
sem marcarmos horário.
o tempo não determina quem somos,
não mostra o quanto amamos.

não podemos ser como éramos,
mas podemos ser felizes à medida que vamos sendo.

I.R.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

jogo das diferenças

Foto: Fábio Cintra

o que está e o que esteve,
o que aparece
e o que já desapareceu.

viver é mudar.

não jogo o jogo dos sete erros
mas o das múltiplas diferenças,
pois por experiência,
própria e alheia,
feliz não é quem passa,
porém aquele que passeia.

I.R.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

wait

Foto: Paula Barbosa

uma sequência imperfeita
de pessoas, objetos e acontecimentos
se expõe diante de nossos olhos todos os dias.

não vemos o que que vemos,
vemos o que achamos que vemos,
e não percebemos, ou não podemos perceber,
que são só fragmentos colados,
justapostos com a inexatidão própria do humano.

a vida passa, e todo ônibus tem seu ponto final.
o homem passa, atravessa.
e cruzar as ruas,
descobrir novos caminhos,
ou ver o imperfeito,
requer agir com intenção.
talvez o maior desafio,
não seja descer do meio-fio,
mas definir o que levar na mochila.

I.R.

sábado, 21 de setembro de 2013

de placa

Foto: Bira Freitas

o que se diz
e depois se desdiz
é parte do treino do olhar,
é a arte de ser aprendiz.

e o que não se diz,
emoldurado como um quadro inesperado,
onde as traves não presenciam um gol,
é que, como se fosse um espelho,
a viagem está parada,
a nave amarrada,
entre o céu e o mar.

a terra é azul e não confio na sorte.
minha viagem não tem um norte.
quando for a hora, pegarei o meu barco,
e irei para o sul.

I.R.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

espera

Foto: Antonio Manuel Pinto Silva

sou feito de fragmentos,
estilhaçados colados um a um
formando um painel.

sou figura geométrica
ou um quadro cubista,
pedra filosofal de algum artista
que ainda não transformou nada em ouro.

sou paralelas e diagonais,
por onde caminho,
sou triângulos por onde perambulo sozinho,
sou quadrados e letras desenhados no chão.

mas me cuido do bueiro.
não seja coisa que eu escoa esgoto abaixo.
não seja coisa que essa tampa exploda,
porque não me encaixo nos ares,
não sou parte dos mares...
sou assim, sou eu e sou o outro.

e choro,
e rio.

pois tenho forte e sensível o meu coração.

I.R.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

cozinhando à lenha

Foto: Simone Soares

na panela de ferro,
no fogão à lenha,
mais do que versos,
cozinho bom humor,
felicidade e paciência.

mas como não há ciência
ou receita
que por cozinheiro me tenha,
às vezes queimo o que cozinho
e estou azedo, triste,
e de pavio curto.

isso eu não curto.
mas cozinhar é uma arte, um divertimento,
e encontrar o ponto brigadeiro do ser paciente
é encarar os desafios de frente,
é saber escolher a madeira e a maneira,
decidir entre o barro e o ferro,
e descobrir o meu tempo de cozimento.

I.R.