Buenos Aires, 02 de novembro de 2009
sei que seu sindicato tem trabalho o ano inteiro, sem interrupções, sem se dar ao luxo de que ninguém trabalhe aos domingos ou feriados como hoje. Seu trabalho é constante, diário e de sol a sol.
Enterrar pessoas deve ser uma tarefa dura. Cavar sepulturas, carregar caixões, limpar jazigos, lidar com a tristeza dos parentes e dos amigos da pessoa falecida, nada disso deve ser fácil. Sei que nos acostumamos com tudo, e que vivemos em uma espécie de anestesia constante quando nosso trabalho envolve dor e sofrimento, mas, confesso, não gostaria de estar nunca em seu lugar.
Não sei se ao trabalhar com a morte tão de perto, você também se faz essas perguntas que filósofos, teólogos e frequentadores de bar, entre os quais me incluo, sempre fazem. Para onde vamos? O que é a morte?
Aviso, se você espera de mim uma resposta, esqueça. Não tenho nenhuma. No entanto, posso dizer em que não acredito. Espero que você não se choque. Não acredito no céu ou no paraíso, chame como quiser, assim como também não acredito no inferno.
Não posso acreditar que existam esses dois lugares para onde vamos depois de termos sido julgados (?!). Como acreditar em um julgamento feito por um deus que já sabe de antemão o veredito? E não me falem de livre-arbítrio. Se Deus, por causa do meu ‘livre-arbítrio’ fosse um juiz que não soubesse com antecipação o resultado do julgamento, então ele não seria deus.
Julgamento? Não acredito. Céu, inferno, um lugar para tocar harpa sobre uma nuvem ou levar chicotadas o dia inteiro, ardendo num fogo que não se apaga? Não sei, mas acho que os autores dessas histórias deveriam ser contratados como roteiristas nos grandes estúdios americanos.
Voltar ao mundo reencarnado em qualquer coisa? É uma opção. Mas não consigo acreditar que um dia serei como o porco que comi hoje no almoço, e que me servirão assado com uma maçã na boca, seguindo a melhor tradição das revistas em quadrinhos.
Outra opção é a reencarnação pura, voltar à vida em outro corpo, viver novamente, me esbarrar com seres queridos de outras encarnações e procurar reconhecê-los através dos sinais, das marcas do destino. Não é uma ideia ruim, mas também não me interessa.
Talvez reste apenas não acreditar em nada, só que essa proposta também não me convence e de maneira alguma me atrai. Ter estado aqui, comer, beber, transar, ter filhos, ler, sofrer, ouvir música, navegar na internet, tomar Viagra, conversar, amar, um longo etc., depois morrer e acabou? Bom para ateus, o que não é meu caso.
Prefiro acreditar que esta é a última vez que estou aqui. E que no futuro me integrarei com a natureza, e a minha energia resistirá naqueles que se lembrarem de mim, e a minha força existirá nas coisas que eu tiver feito, e que minhas cinzas serão espalhadas por aí, em um quintal, na Praia Grande, aos pés do Obelisco, no meio da 9 de Julho ou da Presidente Vargas na hora do rush.
Bom trabalho para você. E aos seus “pupilos”, feliz dia.
I.R.