quarta-feira, 29 de maio de 2024

há muitas formas de se viver,

vive-se como se quer,
como se pode, ou como dá,
vive-se o presente
com a coração no passado,
ou com a cabeça no futuro,
assumindo um lado,
em cima do muro.
vive-se livre, preso,
vive-se em processo,
com trauma,
com fracasso e com sucesso.
vive-se satisfeito,
triste, sem jeito ou alegre,
na mansão ou no casebre, vive-se,
até o último batimento cardíaco,
a última sinapse,
que um dia a todos nos chegará.

I.R.

segunda-feira, 20 de maio de 2024

rumando

não sou mais criança,
afirmo com insegurança...
afinal, o que são meus anos
diante dos quatro bilhões da terra?
não vivi nem vinte mil rotações,
nem cinquenta translações...
mas como se mede a maturidade?
não sou mais criança,
afirmo sem a esperança
de que isso seja verdade.
carrego em mim a inocência
e a maldade das crianças
domesticadas pelo convívio social.
não sou mais criança,
afirmo depois de fazer manha
numa segunda de manhã.

I.R.

sábado, 18 de maio de 2024

rondando

armo a roda e volto a rodar
enquanto amo sair do radar,
espaçonave movida à corda
solta no espaço sideral.
os astros não podem falar de mim,
nem determinar quem sou.
saturno não tem mais poder
do que um anacoluto.
sou praticante do asteísmo
não dogmático,
um pouco de ironia,
autocrítica e humor ácido
liberam a bile,
facilitam a digestão do filé.
armo a roda, pulo elástico.
neste mundo caótico,
nos faz bem
apreciar o seu lado fantástico.
não sou mais criança,
mas não sou em relação a quê?

I.R.

sexta-feira, 17 de maio de 2024

rendendo

não faço ronda,
não escrevo rondó,
não sou de rondônia,
não sofro de insônia,
nem passo o rodo.
sou um nada,
parte de um todo,
mas não me rendo,
me teço em renda,
vestido de arruda,
e me vejo só rindo
armando uma roda
pra voltar a rodar

I.R.

segunda-feira, 13 de maio de 2024

xó, que queixa...

no meio do crescimento desordenado,
da ocupação desenfreada,
entre as línguas de óleo do imediatismo,
o sol surge como uma carícia no rosto
no horizonte da praia dos anjos.
no meio da especulação imobiliária,
da ocupação pras férias desenfreada,
entre o cheiro fétido do esgoto,
o sol se põe no horizonte mágico
da praia grande,
sob aplausos de pessoas
que não levarão seu lixo,
que já alimentaram as gaivotas
em busca de uma foto pras redes sociais.
a prainha já não se vê da estrada,
e de lá, como no forno ou nas prainhas,
pouco se vê, em dias de superlotação.
arraial é um labirinto onde não nos perdemos,
mas que se perde aos poucos,
quase sem saber de onde veio,
meio que sem saber para onde vai,
sem planejamento, com escassa memória,
em nome de um progresso que só faz destruir.

I.R.

sexta-feira, 10 de maio de 2024

trapos

o verso é uma onda,
e as ondas só existem em movimento,
o verso é o som do vento,
e eu preciso gerar conexões
para gerir silêncios.
a pausa precisa nasce na vírgula,
que sabe girar, que sabe quem é,
sem nem mesmo jurar,
sem ao menos sorrir.
não acredito em juramentos,
mas creio no momento,
no sentimento,
no acalanto na desilusão...
no alimento na mesa e nas bocas
na arte que constrói e não dissimula,
vida que se assemelha à luta
se reiventa e se semeia na desolação

I.R.

quarta-feira, 8 de maio de 2024

español

entre produtos e prateleiras,
falam espanhol no mercado,
falam e riem em espanhol,
no espanhol do rio da prata
- no mercado da praia grande -
no meu espanhol portenho.

a moça quer fermento biológico,
o açougueiro não sabe o que é “levadura”,
faço ponte do cabo à cidade da fúria
no espaço de milésimo de segundo
e na mudança de entonação, pronúncia,
vocabulário... nesse itinerário
que me leva de volta,
como se estivesse “en el chino”(...)

falam espanhol dentro do mercado,
onde eu falo espanhol dentro de mim.

I.R.

terça-feira, 7 de maio de 2024

graça

sou o que sou
e também o que são,
ser humano complexo e insípido,
sal da terra e terra salgada infértil,
sou o que sou e o que são,
tempero na temperatura certa,
que em quantidades erradas
desidrata, incha, mata...
sou o que sou, sou o que são,
raso e abissal...

o sal é ilusão,
mas de ilusões também somos

I.R.