terça-feira, 31 de outubro de 2023

ao ponto para mal

querido diário,
sem horário nem dia,
decido que não me divido
entre o etéreo e o venéreo,
entre a oração e a magia,
entre ser nazireu ou devoto de baco,
porque não se trata de preto ou branco,
mas de viver em escala de cinza.
ponho a cabeça no travesseiro,
travo minha luta,
mas durmo em paz.
conheço minhas falências,
pago meus erros,
minhas decadências,
e sei quem sou.
não sou o sol que brilha à meia-noite,
nem farol, nem modelo,
sou um novelo embolado,
um ser humano em seu molho de contradições.

I.R.

terça-feira, 24 de outubro de 2023

psi

a cabeça transita idiomas
e evita frases idiotas,
limitantes ou limitadas,
e textos carentes de ritmo.
a vida é plural...
pluralidade de significantes,
multiplicidade de significados,
e o mínimo múltiplo comum
é o que buscamos para nos relacionar.
a cabeça transita idiomas
e evita o transe das tradições,
aceita a impossibilidade das traduções,
impossíveis até dentro da própria língua.
não se traduz em palavras o que se sente,
é sempre uma aproximação,
nunca é exato,
e se o inexato nos assusta,
admitamos do que a gente gosta,
e analisemos as nossas entrelinhas

I.R.

terça-feira, 17 de outubro de 2023

re-fluxo

adoro poemas que começam com “não”,
embora quase não os escreva.
talvez negar seja fácil
sem proposta ou compromisso,
talvez seja isso,
ou talvez não...
creio na inexistência de deus,
mas os discursos ateus me cansam.
adoro o balé e a corrida das areias da praia da rama,
lutando com o asfalto, como muhammad ali,
mas tenho medo de que ali não sobre areia
para a praia dos anjos.
tenho medo de não me apaixonar,
tenho medo de nunca mais escrever,
insisto e repito que igor não é o poema,
mas um personagem, como peri, o bom selvagem,
que inventei pra falar do que pode ser que senti.

gosto do sentido do nonsense,
do malabarismo circense no picadeiro,
acho palhaços tristes, e em geral sem graça,
creio na inexistência da raça,
mas o racismo é um de nossos maiores males.
viver não é linear, nem pra frente,
não vamos a lugar nenhum além da morte
e das areias dançantes da praia do anju.
não tenho medo de morrer,
tenho medo de ficar sem palavras.
mas acho que talvez a chave esteja no “se”,
esse “se” conjunção subordinativa condicional,
esse “se” genial, que nos diz que
‘se a gente não for, a gente não vai’.

I.R.

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

descriação

nem toda manhã é doce.
nem todo amanhecer
é um renascimento de esperança.
há crianças que morrem
de bala, de míssil,
de faca, de falta de pão...
enquanto os adultos se matam
em nome de suas invenções,
de suas criações humanas...
(uma fronteira, um ódio, um deus,
uma bandeira, a cor da pele...
a humanidade que se autorrepele
em nome de suas fantasias.)
nem toda manhã é doce,
e o ser humano, amargo e amargurado,
busca justificar seu lado
usando as quimeras que adora inventar.

I.R.

domingo, 8 de outubro de 2023

canvas

tua pele tua tela, 
é pintura moderna
fora da quadratura,
sem moldura,
em enquadramento livre... 
pincel de palavras,
tinta azul desbotando
em verde água, água do mar,
cor do mar de arraial... 
tua tela inteira, 
regada a pinheiro negro, 
é onde me entrego à arte,
mpb, rock and roll... 
tuas palavras, tua potência, 
é a (in)consciência 
de que a poesia vive, 
mas renasce na tua voz

I.R.

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

semipronto

sou pai, sou filho e sou falho,
sou solto no mar e não sou porto,
e se às vezes não me suporto,
se falha o suporte que segura a porta
e se a comporta se abre sem permissão,
é porque nem tudo é razão
e a sensibilidade encharca meus poros.
nunca beijei teus lábios
e não há nada de sábio nisso.
sou pai, sou filho e não sou santo,
não tenho espírito de porco,
e o pouco que sei ainda estou aprendendo...
não é fácil ser eu, não é fácil ser você,
não é fácil ser ninguém,
fragilidade humana dos que não sabem,
portão que bate com a força da lestada

I.R.