consciência (ou não)

nada do que eu disser
mudará o pensamento de ninguém...
nem quero...

cabe a cada um sua consciência
a cada gingado sua malemolência,
cada um sabe onde lhe dói o calo...
mas não me engano,
nem me calo...
se o plano só envolve minhas vontades,
se só diz respeito a minhas supostas verdades,
se meu egoísmo, minha raiva,
minha indiferença,
marcam presença em cada protesto,
é porque não amo, mas detesto...
é porque não sou... só finjo ser.

I.R.

sobre mestres e voos

Foto: Ceiça Pinheiro Rangel

aquele mestre que não dá o peixe,
mas ensina a pescar,
é o mesmo que não corta asas,
e ensina a voar...
(nas asas da história além do tempo),
ao sabor de um vento atemporal.
voar além das asas da imaginação,
sobrevoando a realidade,
trabalhando a possibilidade de transformá-la,
sendo um mestre que não se cala
diante de toda injustiça.
aquele mestre que nos acompanha
no abrir de nossas asas...
é esse que nos ensina a reler,
é esse que nos ajuda a pensar.

I.R.

Para Ceiça Pinheiro Rangel

sobre poetas e barcos

Foto: Flávio Guimarães

o poeta não jogou a âncora,
mas sutilmente amarrou o barco...
livre e espontânea vontade,
expressão da alma em versos
e a sensação do balanço,
mesmo sem navegar...
espelho d'água, reflexo da alma,
o poeta em calma
transforma em som,
em calmaria,
as tempestades que traz em si.
o poeta amarrou seu barco,
e fez do charco um oceano profundo.
o poeta não conhece o mundo...
nem todos os mares,
nem tantos amores...
mas sabe ver flores
onde os demais só veem espinhos.

I.R.

Para Flávio Guimarães

transformação e perguntas

metáfora da transformação,

retrato da revolução,

movimento linear

que pode ser lido

com interpretação livre

dependendo da ordem de quem lê:

flor que vira parafuso,

parafuso que se transforma

em flor?

evolução, involução,

natureza e homem máquina,

espinhos e espirais...

em que estágio estamos?

ou até que ponto

flores e parafusos

estão realmente distantes?

I.R.

profecia

Foto: Marcio Borsoi

nem do caos
nem na própria terra,
onde, afinal, ninguém é...
eu quase nada anuncio,
e se algo denuncio,
sempre será pouco...
talvez nem seja o louco,
mas poetas sãos os outros.
não sou popular nem erudito
e também não sou maldito,
pois talvez me faltem convicções,
que me diminuam as contradições...
(o incômodo de ser um acomodado)
preciso falar mais
e atuar mais do que falo...
não sou profeta.
só aponto o dedo para o alto,
para dizer que não espero respostas
vindas de lá.

I.R.

movilización

lo que me moviliza
no es la casa, la ropa,
el mobiliario,
tampoco me mueven
los nombres, las castas,
o el nobiliario...
pero lo que sí me moviliza
es la alegría, tu sonrisa...
lo que me mueve
no es el viento,
sino el sentimiento,
ese día a día, esa entrega
que me llega
en forma de tus abrazos largos.

I.R.

asas da liberdade

Foto: Marcelo Piu

a liberdade não é um dom

nem um presente,

é uma conquista...

nenhum deus,

nenhum senhor,

pode me dar o valor

de alçar meu próprio voo...

não ser senhor de nada,

além de minhas próprias decisões,

sem que me digam como pensar,

sem gaiolas físicas

nem prisões ideológicas...

abrir as asas sem estereótipos

e sem preconceitos,

porque ser livre é difícil,

mas acho que vale à pena

viver para descobrir.

I.R.

na corda bamba

com a democracia na corda bamba,

quero pedir a palavra

e sair por aí,

com minha escala de cinza

e minha paleta de cores,

sabendo de cor,

não só de memória, mas de coração,

que os fins não justificam os meios...

queria escrever um poema naïf,

viver uma vida naïf,

mas a verdade ingênua

desaparece num mundo de muitas verdades

e outras tantas mentiras...

com um brasil grampeado

e sistematicamente roubado

há mais ou menos 500 anos,

peço a palavra só pra dizer

que cansei de ofensas,

de xingamentos públicos,

cansei de tanto ódio de rede social

tanto extremismo de whatsapp...

talvez cartola, mercedes, gil,

lenine, gardel e bethânia

alegrem meu dia...

I.R.

fantasia rasgada

Foto: Micha Ende

um homem de sonhos alados,
de desejos ainda não encontrados,
procura seu presente no lixo.
com o olhar fixo,
sabe que esperança
está sempre pronta pra sumir,
entre garrafas pet.
entre sacos e restos de comida,
cata restos de dignidade,
misturados à merda das madames
e dos senhores de bom gosto...
e me dá desgosto saber
que neste mundo de meu deus,
neste mundo cão,
há muita gente achando
que o cachorro
é o melhor amigo do homem.

I.R.

mesa de diálogo

Foto: Ricardo Campos

meu time
não é seu time
e o deus para o qual rezo,
e o deus de meu ateísmo,
também não é seu deus
não votamos nos mesmos candidatos,
não gostamos dos mesmos pratos,
mas se coincidimos no respeito,
no desejo de não convencer...
então a mesa está servida
ao diálogo e ao descanso,
ao debate e não ao descaso,
e talvez coincidamos
na necessidade da libertação
física e mental
de todo o gênero humano.

I.R.

por que não vou

o ódio é gerador de fanatismos...

por mais que se fale de democracia,

por mais que se fale de amor,

o motor da "moralidade" é o ódio,

é o desejo da reinstauração

da sociedade de castas,

da volta da senzala e da escravidão...

contra uma corrupção que "não existia",

inventada há 13 anos...

a burguesia fede,

a classe média fede,

como sepulcros caiados...

um fanático não pode parir poesia.

I.R.

dando a cara

Foto: Magdalena Roeseler

nem amanhã nem depois,
a hora é agora, agora e sempre,
de tirar a cara-de-pau,
de arrancar a máscara de ferro,
e desfilar sobre esse tapete
de caras marcadas
e atuações previsíveis.

I.R.

o xis da questão

Foto: Hiroharu Matsumoto

sempre há um caminho que corta
os caminhos que escolhemos,
numa espécie de encruzilhada universal...
chamemos de ação e reação
ou de outros universos possíveis
(talvez nem sempre paralelos),
o xis da questão está no caminho,
está no carinho com que saímos por aí.
o tesouro está no andar,
no outro que ainda não vemos,
em velhos caminhos que faremos
em novas estradas que vamos abrir.

I.R.

oito de março

não quero fugir das datas,
e digo sim à luta,
mas rejeito toda roupagem comercial
ou toda idealização da mulher
sonho com um mundo
onde a cor, a religião ou o gênero
serão apenas acessórios,
adornos transitórios,
pois nos olharemos nos olhos
apenas como seres humanos...

e isso nos bastará.

I.R.

"liberdade"

Foto: Cynthia Dorneles

vivemos encaixotados
em nossos eus,
empilhados
em nossos egoísmos,
enredados em nossos problemas,
por trás de nossas grades,
sem grandes questionamentos...
como uma matriosca
feita de prisões...
cremos em nossas ilusões...
e se podemos escolher a marca,
até juramos que somos livres.

I.R.

autorreflexão

tão complexa quanto nossas contradições
são nossas hipocrisias...
nós... e o que somos,
além dos espelhos,
por cima dos muros,
por trás dos mitos.
não há dificuldade em ser quem somos,
difícil é ser quem pensamos ser...
porque também vagamos curtindo veneno,
alimentando preconceitos...
somos destiladores de ódio
ao mesmo tempo em que falamos de amor

I.R.

gráfica

Foto: Ricardo Campos

escrevemos em muros e murais,
escrevemos em árvores,
em paredes e cavernas...
arte rupestre,
ideograma, alfabeto,
em linhas tortas e escrevendo certo
lavramos palavras
em 144 caracteres,
em 8816 versos,
arte visual,
comunicação escrita,
passagem nem tão secreta
a outros mundos...
é preciso saber ler,
é fundamental aprender a interpretar.

I.R.

morfar

Foto: Jacqueline Hoofendy

nada é original
e nem por isso cópia...
vida em tons de sépia,
num fundo furta-cor...
nada é imitação,
não se copia a inspiração,
pois tudo é próprio,
devorado e tornado alimento,
isento de culpa,
desconhecendo o pecado,
não se trata de certo ou errado,
mas de digerir e produzir,
de transformar...
nada é cópia
e nem por isso original...
talvez por isso
eu sempre tenha fome de mim.

I.R.