flicts

Foto: Arlete Bonelli

há uma série de enganos,
caminho rumo aos desenganos,
desilusão ou ilusão
segundo a ótica da palavra.
porque o salmão é um peixe,
e também uma cor,
que alguns teimam
em chamar de cor da pele.
mas não há salmão negro,
nem acobreado...
e esse tom rosado,
como bumbum de bebê (branco),
mal chamado de cor da pele,
revela que o preconceito se encontra
e reverbera
até onde a gente menos espera...
é hora de ampliar o arco-íris.

I.R.

Bilhete para um/a poeta

Buenos Aires, 27 de abril de 2015

Prezado/a poeta,

Li no caderno do Santiago que amanhã ele vai ter uma prova de "Lengua". Ele tem de saber a ordem alfabética, alguns grupos consonantais, e deve saber ler um poema como quem disseca um cadáver... identificar as estrofes, saber quantos versos, perceber as rimas... Interessante para quem gosta de anatomia, mas me pergunto onde que a poesia ficará em cima dessa mesa fria.

Um abraço,

I.R.

auto-essência-retrato

Foto: Jacqueline Hoofendy

quando me fotografo
na minha rolleiflex
não se revela
minha enorme ingratidão...
minha foto não me rouba a alma,
nem me tira a calma ou minha paz
pouco me defino em uma palavra,
algo me revelo em um poema,
e uma foto mostra flashes de mim
que um cara a cara
talvez não possa dissimular.

I.R.

combate

Foto: Carlos Júnior

num mundo de indiferença,
de corrupção ativa e passiva,
não basta a crença
de que um dia tudo será melhor.
é preciso estar vestido
com as roupas e as armas de jorge
e sair por aí matando, não um,
mas vários dragões,
começando pelos que temos
dentro de nós.

I.R.

equilíbrio

Foto: Mojica Marcos

a ideia de que caminhamos

nos equilibrando na vida

constantemente sobre uma corda bamba

é tão dolorosa e tão falsa

quanto a de viver pisando em ovos.

o equilíbrio tem de ser

uma disposição interna,

não um malabarismo.

meu caminho é na beira do mar,

ali naquele exato espaço

onde a onda quebra

e a espuma beija a areia.

não preciso me equilibrar...

vou molhando meus pés,

e se cair, levanto.

cair é uma possibilidade 

em qualquer caminho.

levantar é uma escolha,

meu ponto de quilíbrio

que decido fazer.

I.R.

o segredo da ascensão

Foto: Simone Soares

dizem que quando se trata de subir

o céu é o limite,

"mas que ninguém imite

ou faça isso em suas casas

sem o acompanhamento de um adulto

ou um equipamento de segurança",

repetem como um mantra

ou uma ladainha

para termos medo

e a ascensão seja um segredo,

uma subida para iniciados,

quando, na verdade, na vida,

estamos todos destinados

a fazer o que quisermos

e alcançar os pontos mais altos

que nos propusermos atingir.

I.R.

textual ou cavalar

Foto: Jose Pedroso

sou meio ansioso,
como um cavalo selvagem
que corre sem direção...
ansioso a ponto de não perceber
que as lesmas que me puxam
me domaram,
ansioso e sem perceber
que preciso abrir as janelas
e saber que não sou o cavalo
puxado pelas lesmas...
também não sou as mesmas.
sou meio ansioso,
como um poeta que escreve
sem revisar seu texto.
pretexto para escrever
puxado pelas reticências,
fazendo meu texto ir mais devagar...

I.R.

um minuto

um minuto dura sessenta segundos,

mas o que não dura o mesmo tempo

é a percepção que temos

de cada um desses segundos

que formam os mesmos sessenta.

um minuto "dura" mais ou menos

de acordo com o prazer que vivemos,

segundo o que estivermos fazendo

e o quanto nos entregamos.

um minuto pode parecer um piscar de olhos,

uma manhã interminável...

a vida inteira em um minuto.

uma ampulheta quebrada sobre a mesa

não é o mesmo se quebrada nas areias do mar.

I.R.

... das espécies

Foto: Ashvini Thatte

acho que faço macaquices,

não para chamar a atenção,

mas para me lembrar

que do barro de onde venho

vieram outros antes de mim.

I.R.

Bilhete a meu psicólogo

Buenos Aires, 13 de abril de 2015

Prezado José,

                   Tive um sonho muito interessante esta noite. Sonhei que estava em uma casa, andava em círculos por seus corredores e sempre voltava ao mesmo lugar. Via sempre uma mesma pessoa que estava na porta de um dos quartos da casa. Em um determinado momento, percebi que já tinha passado por ali, já tinha visto aquela pessoa e então eu me disse que tudo o que estava vendo e fazendo era ilusão. Ao tomar consciência de que tudo era ilusão, comecei a atravessar as paredes da casa, porque elas já não eram reais para mim. E fui atravessando uma a uma, com facilidade, até chegar à última. Aí minha mente fraquejou e pensou naquela parede como algo real e eu não conseguia atravessá-la. Nesse instante, percebi que tudo era uma questão da mente, que aquela também não era uma parede real, que era eu que a criava. E comecei a atravessá-la, como se fosse de esponja ou de gelatina. E me vi do lado de fora da casa, em liberdade. A liberdade que não estava fora da casa, estava dentro de mim.

Um abraço,

I.R.

controlando a cor

Foto: Manuela Cavadas

não é necessário ser um camaleão
com a pele porosa,
com a língua grudenta,
pegajosa,
não é preciso chamar a atenção
nem ser lagarto
ou doutor em ciência.
quando se quer,
qualquer um com boa vontade
e dois dedos de inteligência
sabe como se camuflar.

I.R.

frutificando

Foto: Miguel Hijjar

quero morder o fruto

como quem morde um pescoço,

comê-lo até o caroço

enquanto meus caninos crescem.

árvore do bem e do mal,

fruto proibido?

o conhecimento adquirido

me mostra que não há ciência

na consciência do que já tenho vivido até aqui.

I.R.

perspectiva

Foto: Duda Firmo

com olhos curiosos

olhos tristes,

meu olhar pedinte

olha com acinte,

(talvez antes do açoite)

muito antes do breu da noite,

um abril que se sustenta

sobre vigas de aço.

meus olhos abraçam o espaço

e onde antes era só latido,

agora é batimento,

vigas que suportam o firmamento,

enquanto talvez eu balance a cauda,

mas, no entanto, ninguém a vê.

I.R.

pergunta e resposta

Foto: Ricardo Biserra

dispenso respostas pré-fabricas,

respostas de concreto,

verdades imutáveis,

reveladas...

sou propenso ao questionamento,

ou às respostas

que geram novas perguntas.

posso conviver com a dúvida,

mas é preciso saber perguntar.

I.R.

pessach

Foto: André Eckhardt

na festa da liberdade

procuro meus cadeados.

quero descobrir suas chaves,

quero abri-los...

preciso identificar

os egitos que ainda trago em mim.

I.R.

Reflexões batráquias

Foto: Carlos Medeiros

          Um dia minha mãe me contou que uma senhora chamou meu filho de príncipe. Ele, do jeito mais indelicado que pode ou sabe ter, respondeu que não era um príncipe, que era só o Santiago. Talvez isso seja herdado, já que eu não sou campeão nem sou rei de nada. Sou apenas o Igor e, como ele, também não sou um príncipe. Sou, no máximo, um sapo diferenciado.

I.R.