quinta-feira, 29 de maio de 2014

sobre a paixão

Foto: Marcão Melo

num campo de terra batida,
sem arquibancadas,
sem torcida,
em meio a plantas secas
e flores mortas,
embaixo de traves tortas,
talvez o futebol se reconheça.
mas hoje,
e digo antes que me esqueça,
ou me arrependa,
encoberto por padrões fifa,
gerenciado por mafiosos,
explorado pelas apostas
e pela miséria dos apostadores,
é só mais um negócio que nos oprime,
é só mais uma fantasia que nos aliena
é só mais um ídolo morto
a quem durante noventa minutos
jovens, adultos e crianças,
homens e mulheres,
entregam o coração.

I.R.

terça-feira, 27 de maio de 2014

bijuteria

Foto: Hélvio Romero

para quem está
na parte de baixo da pirâmide,
no final da cadeia alimentar humana,
os dias são iguais às semanas
e a sobrevivência é catada no lixo.
para quem está
na parte de baixo da pirâmide,
sustentando os que estão em cima
um mundo diferente só se aproxima
quando a realidade não é real,
mas um fac-símile.

I.R.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

umbrella and wall

Foto: Ricardo Apparicio

não sou uma folha em branco,
não sou e nem pretendo ser
uma impecável parede branca.
tenho uma mistura de cores
e de desenhos superpostos,
rabiscos sem sentido,
rascunhos, buracos, escombros...
meu guarda-chuva não é novo
tem as varetas quebradas
talvez não seja fácil...
mas há espaço para novas figuras,
como um obra inacabada,
sofrendo a ação da natureza
vivendo em constante transformação.

I.R.

domingo, 25 de maio de 2014

talvez

Foto: Marta Monaco

talvez a alegria
não esteja no sol
talvez a felicidade
não tenha a ver com o frio
com o calor
nem com o índice pluviométrico.
o contentamento não está na métrica.
talvez o segredo seja só
como não andar só
embaixo de um guarda-chuva.

I.R.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

bem-vindo

Foto: Paulo Mittelman

entre sem bater,
entre sem gritar,
seja bem-vindo
e venha em paz.
reveja seus conceitos
sobre a violência,
que gera violência
verbal, física, cíclica.
faça as manchas vermelhas
serem apenas tinta,
não o sangue que pinta
as bandeiras do ódio.
entre sem bater,
e não bata depois de entrar.

I.R.

terça-feira, 20 de maio de 2014

ao som do bolero

Foto: Can Emre

ainda que se reflita,
por mais que se repita,
não se trata de agonia,
de uma peça aflita, fria...

ainda que se reflitam as cores,
por mais que se repitam os amores,
nada nunca é o mesmo se transmuto.

mesmo que não veja pela fumaça do charuto,
embora não sinta o ir embora,
por mais que nada possa ser o que pense que é,
o que talvez seja,
ou o que um dia será.

I.R.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

operário em contraluz

Foto: Bhall Marcos

fios estendidos armam uma rede,
uma rede suspensa
como os jardins da babilônia,
postes que levam luz,
diálogos, discussões,
choros e risos,
pedidos de desculpas,
bênçãos e frases picantes...
rede armada e emaranhada,
energia de cada um,
operário da própria vida em construção.

I.R.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

decidindo

Foto: Simão Salomão

paro porque quero,
não porque me ordenam.
sigo porque decido,
não como um capricho...
porque não me interessa
fazer ou desfazer
porque me dizem
porque esperam
a rebelião, a contra-revolução,
a obediência devida.
porque não se trata de ser cabeça-dura,
mas de de usar a cabeça.

I.R.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

no caminho

Foto: Christian Lohn

não se trata de religião,
mas de atitude.
nem se trata de paraíso ou perdição,
menos ainda de virtude.
mas para quem anda consciente
o caminho é estreito.
não me importam as paredes
ou a sensação de claustrofobia,
sei que não há vitória possível
quando nada está em disputa.
não corro maratonas
nem cem metros raros,
e se meu caminho tem obstáculos,
posso dar a volta,
sem precisar saltá-los.
não quero chegar ao final.
só quero a consciência
e a liberdade dos meus atos
em cada passo que dou.

I.R.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

circulando

Foto: Claudio Berlin

já que às vezes
em nosso caminho
damos voltas,
giramos e rodamos
como um pião.
como num carrossel,
achando tudo bonito,
damos voltas,
como um pião,
como num carrossel,
em nosso caminho,
já que às vezes
achando tudo bonito,
giramos e rodamos,
damos voltas
como num carrossel,
como um pião,
achando tudo bonito,
vendo a vida igual
uma e outra vez,
talvez seja a hora
de sentarmos,
ou de caminharmos
em outra direção.

I.R.

terça-feira, 13 de maio de 2014

três para quatro

porque os dias treze não são de azar,
porque o azar não existe,
e a sorte também não.
mas os dias treze,
são de alegria,
de comemoração,
celebração privada
só para você.

I.R.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

suingado

Foto: Odilon Araujo

me levanto do meu canto,
dou um pulo,
ameaço uma cambalhota,
mas saio correndo.
cem metros rasos,
trinta passos rasantes,
chego até você num instante
e estendo a mão pra te tocar.
talvez eu te assuste
se não reparar no meu riso
porque esse é meu aviso
de que não vou te machucar.
não tenha medo, ainda é cedo,
não retroceda.
o pique tá contigo,
agora venha me pegar.

I.R.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

enfrentados

Foto: Anna Tralala

é mais fácil
acreditar em boatos,
ignorar os fatos,
falar pelas costas,
do que sentir o cheiro do outro
e conversar cara a cara
discutir frente a frente,
se entender e se desentender
olho no olho.

I.R.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

cruz no ombro

Foto: Vicente Sampaio

não carrego
nem estou disposto a carregar
uma cruz,
independentemente do seu tamanho.

tenho tristezas,
sofro,
tenho rugas e rusgas,
choro,
talvez na mesma medida
em que tenho alegrias
e derramo lágrimas de felicidade.
mas eu não carrego uma cruz.

eu vivo.

e vivendo me deparo com obstáculos
e pradarias,
florestas e pampas,
desertos,
estradas asfaltadas, esburacadas,
alegorias...
por tantos caminhos
à beira de tantas pistas

eu vivo.
vivo e deixo as cruzes para os ombros
dos especialistas.

I.R.

terça-feira, 6 de maio de 2014

barril

Foto: Hélvio Romero

reminiscências da infância
como parte integral
de uma alegria compartilhada...
a graça e o massa
das entrelinhas da mensagem,
é de que neste mundo
não estamos todos no mesmo barco,
mas no mesmo barril.
todos apertados
dividindo a mesma torneira.
o segredo dessa felicidade
está no saber dividir.

I.R.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

baile de máscaras

Foto: Silvia Musselli

para quem se choca
com o nu artístico,
mas não se choca
com a exploração sexual,
para quem se escandaliza
com o amor entre pessoas do mesmo sexo,
mas esconde embaixo do tapete a pedofilia,
para quem se espanta com a sensualidade,
mas aceita a violência como normal.
para quem se envergonha
dos pobres que pedem,
mas que não se horroriza
com a pobreza que os leva a pedir
para quem tapa o sol com a peneira
e finge não ver o trabalho escravo,
ou o trabalho infantil,
para quem vive um mundo de fantasia,
construído de máscaras,
talvez seja hora de sair da bolha,
da caixa de cristal,
talvez seja hora de abir a porta do carro blindado
e ver o mundo sem os filtros do vidro fumê.

I.R.

domingo, 4 de maio de 2014

para o santiago

não há palavra, nem frase,
não há poema, nem carta,
não há nada que eu possa escrever
como mostra de afeto,
menos ainda como prova de amor.
e se não há poema,
abandono o verso, para te dizer, meu filho, que se te chamo meu é por força do hábito. você não é meu, não sou seu dono. em nossa relação, sou pai, você filho, e sou um amigo que deve marcar limites, mas sem impor minhas vontades arbitrárias. seja livre, jovem santiago, seja livre do consumismo, livre da violência, livre para amar e ser amado. seja livre para não ser escravo, e, sendo livre, ser feliz.

te amo.

Papai

sexta-feira, 2 de maio de 2014

à beira do caminho

Foto: Helo Von Gal

nem só de movimento vive o homem,
mas de todo descanso,
que não é descaso,
criado por deus.
e se seguir é preciso, parar também é.
à beira do caminho me deito,
à beira do caminho eu sou.
quem pode adivinhar meus sonhos ao sol?

I.R.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

jogatina

Foto: Renê Martim

não jogo dados com o diabo
nem xadrez com a morte.
não acredito na sorte,
e não aposto com deus,
porque não gosto de apostar.
eu observo minhas fichas,
faço contas, cálculos,
vejo as que estão postas,
calculo as que faltam
e se a que tenho na mão não encaixa,
compro outra ou passo a vez, espero.
nenhuma vitória é definitiva,
nenhuma derrota também não.

I.R.