(Texto traduzido)
“Imagine”, me disse meu Rabino, “que você está morto.
Você chega ao lugar para onde vamos depois de morrer e, entre uma coisa e outra,
convence a quem o espera na entrada que lhe deixe regressar ao mundo um dia.
Esta pessoa olha para você e lhe pergunta ‘24 horas?’ e você lhe diz que sim.
Muito contrário ao seu plano, que de cara não incluía estar morto, você se
encontra -de repente- outra vez na terra, com 24 horas pela frente. O que você
faria?” Me perguntou. “Mas de verdade, o que você faria?”.
Pensei uns segundos e ele repetiu “mas, de verdade…”.
Disse: “Iria ver a minha avozinha” e pensei mais um segundo. “Gostaria
de ver você, cumprimentá-lo”. Ele fez, por sua humildade e modéstia, um
sorridente movimento de fastio com a mão e disse sorrindo: “O que mais? 24
horas. Uma hora para sua vovó e você depois passa pelo Templo para me
cumprimentar e eu não estou, o que mais?”
Eu disse “iria ver o meu irmão, e lhe diria que é um imbecil por não ligar
nunca para mim e lhe diria que Deixe sua terra natal e a casa do seu pai e vá
ao lugar que De’s lhe mostrará, que deste mundo só levamos lembranças,
e ligaria para a minha irmã e lhe diria que sou um imbecil por não ligar nunca para
ela e lhe recordaria que deste mundo só levamos o que damos”.
Pensei mais um pouco. “Ligaria para a garota com quem estou saindo, eu a
conheço há pouco tempo, mas sei que faria o sacrifício de passar o último dia
comigo e lhe pediria que me acompanhasse o resto do dia, que não poderia me perguntar
nada, só me acompanhar. Mandaria um e-mail ao líder do grupo escoteiro ao qual
pertenci na minha infância, agradecendo-lhe pelo bom exemplo que me deu e eu tanto
precisava na minha infância. E também para Julio, um amigo da minha mãe que foi
uma grande influência para mim na minha infância. Ligaria para Inés e lhe diria
para ensinar à sua filha a se deixar amar bem, e juntaria um minian e diria
Kadish por meu pai e por Arnoldo, meu padrasto. Ligaria para Joaquín e diria a
ele para nos vermos, para ir comer uma pizza no El Rey com Angelito, seu filho.
Ligaria para meus amigos, um por um, e lhes pediria perdão pelas vezes que fui
desagradável com eles. Pediria a De’s que me perdoe por todas as vezes que deixei
passar a chance de fazer o correto.”
“Venderia o ouro que tenho e o levaria à Sra. Jorgelina para que ajude ainda
mais os mais necessitados, a quem ela dedica grande parte da sua vida. Ligaria para
o meu amigo, Daniel, e lhe agradeceria por tudo. Ele me diria que não tenho que
lhe agradecer, e eu lhe diria que ‘sim, você sempre está bem’ e ambos riríamos.
Eu lhe diria que é um excelente pai, esposo, filho e amigo, e que De’s já tinha
me dado muitas mais bênçãos das que eu merecia, mas que se ainda me restava
alguma, que pedia que as desse a seus filhos, porque sei que a única esperança
que ele tem de ser feliz é ver seus filhos crescerem íntegros e felizes.”
“Agradeceria à minha madrasta pelos irmãos que me deu e escreveria no meu
blog e no meu facebook ‘dê tudo o que você tem a quem mais necessita e seja
feliz’, talvez essas sejam minhas últimas palavras, que o efeito da minha morte
toque em alguém e em mil anos haja mais uma pessoa que seja feliz graças ao efeito
mariposa.”
“Iria ao porto ver os barcos passar e faria as orações da tarde vendo o
sol se pôr. Iria para minha casa e com um chá preto bem forte leria a parte do Conde
de Monte Cristo onde
Dantes explica aos filhos do dono da companhia naval o segredo da vida. Depois
leria de A Esposa do Viajante do Tempo a cena onde ele a vê pela primeira vez
na biblioteca. Leria de Flores para Algernon a cena onde ele se surpreende que o doutor
não falasse híndi e de Paula leria o capítulo onde o viúvo de sua filha
vem jantar com sua nova esposa. Colocaria meu Talit que trouxe de Israel -embora
fosse de noite- e me sentaria para estudar a Torá, e depois deitaria com minha garota
para dormir, depois de um dia muito, mas muito, muito bom. Até voltar”.
“E se você tivesse dois dias?” me perguntou meu Rabino.
Sua pergunta me tirou do êxtase no que tinha entrado com tanto desejo. Duvidei
um momento. Em um instante me dei conta que estes exercícios teóricos não
funcionam se você tiver mais de um dia. Eu o olhei com espanto.
Ele sorriu: “e se você tivesse uma semana?” me perguntou. Eu olhei para
ele com a testa franzida. “E se você tivesse o resto da sua vida?”.
Senti um nó na garganta. Engoli a saliva e inspirei. Retive o ar um
segundo, relaxei e depois expirei. “Entendo”, lhe disse e sorri, e ele sorriu
comigo.
Alessio Aguirre-Pimentel
Tradução: Igor Ravasco