terça-feira, 30 de março de 2010

quadro 2

o sol quer sumir atrás da nuvem na praia grande

pra pintar um quadro onde sou personagem,


sendo natureza,

tendo o corpo feito de areia,

meus cabelos são algas,

conchas, peixes, mariscos me dão forma,


meu coração é um polvo batendo no peito


e embaixo de céu azul,

ou sobre oceano de mesma cor,

tenho um mar nas veias,

por onde o sal corre,

e o sol pousa

na espuma daquelas ondas moles

que transbordam o duro ângulo

que morre


I.R. e J.C.

domingo, 28 de março de 2010

asas

as asas do avião quase não se mexem,
balançam suavemente fora da turbulência.
não durmo, mas também não vigio.
as asas quase não se mexem,
e o avião entra e sai com suavidade da área de instabilidade.
não há pássaros do lado de fora.
eles ficaram a quilômetros abaixo de mim.
suas asas se mexem,
seu corpos se movem
enquanto vão rumo ao sul, ao norte
aos peixes ou à carne morta.
as asas do avião não são como as das aves,
e as de ícaro.
este, coitado, viu as suas se derreterem no ar.

I.R.

sábado, 27 de março de 2010

por conta própria

a vantagem de saber o que quero
é não me preocupar mais
com o que querem de mim.
tijolo por tijolo,
cubo por cubo,
vão na tua,
vou na minha.

a vantagem de saber que não me preocupo
é não querer mais
o que exigem de mim.
tenho meus trilhos,
descubro meus atalhos,
vão na tua,
vou na minha,

e a gente (não) se vê.

I.R.


I.R.

quinta-feira, 25 de março de 2010

atravessando o samba


passo a passo
o passo do passista
passa pelo passeio público
e o descompasso
entre o privado
e a privada exposta
é o marcapasso
do seu tamborim.

I.R.

quarta-feira, 24 de março de 2010

dos deuses

entre mundo e mundo,
imundo ou limpo,
desço do olimpo
babando néctar,
arrotando ambrosia,
pamonha,
enrolado num lençol,
mordendo uma fronha,
com meus cascos duros
pisando macio.

I.R.

terça-feira, 23 de março de 2010

Bilhete-convite

Buenos Aires, 23 de março de 2010

Prezado,

se é a primeira vez que você, sem querer ou por querer, vem parar neste blog. Se você é frequentador assíduo, esporádico, bissexto, não importa. Queria que você soubesse que hoje não tenho vontade e/ou interesse em escrever algo novo.

O Carta e Verso tem mais de 600 entradas. Então, se você gosta, gostou, quer gostar, dá uma fuçada nele. Leia poemas, delírios, cartas, que nunca leu. Deixe-se levar pelos títulos.

Se quiser deixar algum comentário, sinta-se à vontade.

Um abraço,

I.R.

segunda-feira, 22 de março de 2010

bode

tem dias
que a vontade no fundo do peito
é escrever poemas sofridos,
músicas de dor-de-cotovelo.

algo como tomar um uísque
ouvindo maysa matarazzo.

são dias de fundo do poço,
dias down,
dias de bode.

e nada melhor para apagá-lo
do que uma esponja.

I.R.


Foto: S.X.

sábado, 20 de março de 2010

quebra-cabeça

uma contradição visceral,
um existencialismo lisérgico,

sou
a primeira pessoa
em forme de arte.

unitário em partes,

dividido em todos.

I.R.



I.R.


quinta-feira, 18 de março de 2010

rodapé

minhas águas são tão profundas
quanto às da lagoa de monte alto
onde entro metros
molhando não mais do que o joelho

general?
não chego nem a soldado raso.

machado de assis?
leio agatha christie.
nietzsche? joão gilberto?
não vi a novela. dodô vai mal.
van gogh? aumentou a carne.
joyce, pessoa, sartre,
glauber, godard?
tô com preguiça.

meu joelho,
enrugado como o de um velho.

melho escandir o verso.

efe-ó-dê-a-hífen-esse-é.

I.R.

quarta-feira, 17 de março de 2010

De-Grau

As grades peneirando o céu escuro
Encarceram estrelas e meu canto,
Me lembram sutilmente 'não sou santo',
Mas grades eu prefiro em vez de muro.

Os grandes e seus sonhos... sonho duro...
Realidade sem riso, mas sem pranto,
Sem juízo, julgamento, um querer tanto,
Lembrando sutilmente 'não sou puro'.

A glande, e uma miragem vira um sonho
E um degradê e um medo tão medonho,
Já nem sei se isso eu penso ou se isso eu sinto.

Mas grandes grades cercam minha mente,
E eu minto, omito, como, estando ausente,
Sou fauno a me perder num labirinto.

I.R.

terça-feira, 16 de março de 2010

eco-ar-ão


Foto: S.X.

o sol,
a ida,
a saída,
a solidão.
verbo nas entrelinhas,
poema substantivo,
adjetivo,
a solução.
sol, ida, solidão sólida,
ecos do ão.

I.R.


I.R.

segunda-feira, 15 de março de 2010

paraíso

o paraíso é uma janela entreaberta,
uma fresta,
uma festa.

o paraíso e sua cúpula,
ou suas paredes,
é uma cortina,
uma persiana escancarada.

o paraíso é pra sentir,
pra provar,
pra comer,
pro prazer,
o paraíso é para isso,
para isso a se perder.

I.R.

domingo, 14 de março de 2010

ferina

a palavra que fere
nem sempre dita,
pronunciada,
bendita
maldita
se esconde na ponta da língua
se enfeita,
à espreita,
amadurece,
a ponto de estremecer
ao entrar em ação.


I.R.

quinta-feira, 11 de março de 2010

quiçá

a azia
a acidez
a sensação
a insensatez
o poema
um problema
o nada
o sim
o não
o vinho, o pão
um dia
talvez

I.R.

quarta-feira, 10 de março de 2010

fogo eterno

minha alma clara,
manchada, suja, imunda,
atire a primeira pedra...
não faz de mim uma aberração.
minha alma clara,
minha boa essência,
(não tenho histórico,
tenho prontuário),
manchadas, sujas,
pau de galinheiro,
atire a primeira pedra...
minha alma clara,
minhas contradições,
minha filhadaputice,
minha falta de caráter,
minha nobreza,
atirem a primeira pedra...


I.R.

terça-feira, 9 de março de 2010

do hermetismo superficial

estar sem internet
não ajuda a atualizar um blog.
revirar o passado,
rever erros,
mastigar feridas,
fracassos,
repensar fatos,
feitos,
atos,
nem sempre ajuda a escrever um poema.

I.R.

sábado, 6 de março de 2010

pé no chão

a lua
cheia
ou mordida como um biscoito
nada me inspira.
não é pura,
não é musa
não é puta,
não é nada.
...
satélite,
corpo celeste,
girando ao redor da terra.

I.R.

sexta-feira, 5 de março de 2010

primeira pessoa

talvez eu só saiba escrever
na primeira pessoa,
de mim, de eu,
por mais que este eu
já seja poético
e não meu eu mesmo.
talvez só saiba escrever
do que sinto,
ainda que um poema
não seja um diário
e o que sinto
não sou só eu em quem sente,
mas também o tal poético,
o outro eu.
ou talvez não sinta nada,
mas escrevo em eu
por não saber sentir diferente.

I.R.

quarta-feira, 3 de março de 2010

vozes no paralelepípedo

conexão,
o crioulo. o português não,
o chão, a fusão com a terra,
meninas ainda,
brincando de boneca
suas vozes descalças
fazem música raspada,
o sorriso
de suas caras
voa ao mundo
raspando nossos pés,
descalçando nossas brincadeiras.


I.R.

terça-feira, 2 de março de 2010

traduzir-me

tantos,
vários,
tontos,
todos,
ou alguns, não sei.
sofro,
rio,
gosto,
volto a sofrer.
choro,
rio,
voto,
veto
e volto a sorrir.
sofro e volto a sorrir,
sorrio e sofro e volto a chorar.
choro, sorrio e já nem sei se quero voltar a sofrer.


I.R.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Momento propaganda

Buenos Aires, 1° de março de 2010

A quem me lê,

Disse uma vez que não costumava colocar no Carta e Verso poemas que não fossem meus ou traduzidos por mim. Apenas duas vezes o texto aqui presente tinha sido escrito por outra pessoa, de quem herdei metade da genética. A doadora da outra metade não escreve poemas, se dedica a ser musa.

Pois bem, voltando ao xis da questão, o poeta Eraldo Maia, professor de português e literatura, meu ex-professor, meu pai, ex-porra louca, grande pai, amigo, grande alma e excelente poeta, seguidor da linha de poesia mística, mas sem frescura (uma mística cara a cara, olho no olho, sem palavreado complexo e extremamente lúdica), agora tem o seu próprio blog.

E é com alegria que coloco aqui o link do blog dele, para quem quiser dar uma conferida. (http://eraldomaia.blogspot.com/) Ele tá meio sério na foto, mas isso é pra fazer um tipo, é charme dele.

Um abraço,

I.R.