quarta-feira, 26 de junho de 2024

o silêncio

o silêncio faz silêncio,
o silêncio murmura,
o silêncio é ruído
na minha boca,
no meu ouvido
o silêncio grita. 
o silêncio me tranquiliza,
me sacode, me agita,
me estabiliza, me enlouquece,
o silêncio é uma prece
para um deus desconhecido.
rezo o silêncio,
enquanto desprezo o silêncio,
e prezo o preço do silêncio
que desconheço.
não silencio, apenas me extravio,
minha calma tem som de fanfarra

I.R.

sábado, 22 de junho de 2024

algo de mim

converso comigo
e chamo minha atenção, 
às vezes em voz alta,
rio só, muitas vezes, 
tomo vinho
(nem sempre sozinho), 
e escrevo, enquanto
como e invento fábulas sem moral. 
serei esquecido, 
talvez em menos de 100 anos. 
alguém briga com a chave, 
com a porta, 
chile e peru empatam...
não sou o poema, 
não estou no texto, 
mas também invento pretextos 
pra falar algo de mim.

I.R.

terça-feira, 18 de junho de 2024

avenida corrientes

caminho pela avenida
como se passeasse em meu museu,
visito salas, observo sedimentos,
as camadas que se acumulam,
mas não habito esse lugar, esse momento,
vivo outro instante...
meu passado só tem a função
de ser um livro de consulta,
um dicionário, um livro de história,
uma fonte de pesquisa
que, ao estar na memória,
não será precisa,
mas que eu preciso, impreciso,
pra entender todo dia como chego aqui.

I.R.

sábado, 15 de junho de 2024

recepção

sou recebido com chuva
e umidade,
esta que sinto na pele,
aquela da qual me escondo
nas marquises, nos pontos de ônibus. 
sou recebido por lembranças
de violão e vinho
de um motorista nostálgico, 
recebido pela beleza de sua arquitetura,
e pela feiúra de suas filas,
pela alegria imprevista,
pela paz e pela fúria,
sou recebido pelas cores do boêmio,
e sei que também estou em casa

I.R.

domingo, 9 de junho de 2024

volteiro

meu ritmo sinusal
é sinuoso,
meu coração não bate em linha reta,
perambula em curvas,
em vistas turvas,
e emoções embaçadas. 
embarco em travessias,
atravesso contradições, 
vivo uma vida de edição única,
de maneira ondulada,
entalhada em madeira de lei,
no som das asas de um beija-flor

I.R.

terça-feira, 4 de junho de 2024

desgelado

sonho com o sabor
do sorvete caído no calçadão,
derretido, de gosto desconhecido,
que eu desvio para não pisar.
a casquinha intacta,
talvez contendo pena e tristeza,
não atrai os cachorros
e é grande para as formigas.
me lembro de esquecer histórias antigas,
enquanto os postes, mais do que a lua,
iluminam por onde passo,
à medida que o sorvete derretido seca
e me afeta, sem medida,
me atinge com metáforas
que não quero escrever.

I.R.