Buenos Aires, 17 de maio de 2016,
Prezado,
Estava em casa, traduzindo um texto, quando de repente escuto a porta do elevador se abrir. Ouço as vozes, são uns vizinhos do nono andar. Moro em um edifício de nove andares, mas o elevador só chega até o oitavo. Essa família está composta por pai, mãe, duas filhas, um filho de uns três ou quatro anos e três cadelinhas yorkshire terrier, com quem costumo dividir o elevador na sexta de manhã cedo quando saio para trabalhar.
Não é a primeira vez que eu os escuto à tarde, quando voltam da escola. Não é a primeira vez que eu ouço o menino, o mais novo, chorar ou gritar. Normalmente seus choros são de manha, de pirraça, exigindo coisas à sua mãe. Mas ontem seu choro era diferente. O menino machucou levemente a mão na porta do elevador. Ouvi o momento em que ele se queixou que tinha se machucado e começou a chorar.
Era um choro de dor. Não era um escândalo, mas o choro de um menino de três ou quatro anos que havia acabado de se machucar levemente. A primeira coisa que pensei foi que não era novidade ouvi-lo chorar, mas imediatamente após esse pensamento escuto a voz do pai lhe dizendo que não chorasse, porque os meninos não choram. O pai se cala, o menino continua chorando e uma de suas irmãs lhe diz para não chorar, porque um macho não chora.
Parei a minha tradução, sentindo correr em mim uma mistura de indignação, de pena, de impotência... Impotência por não poder abrir a porta e defender o choro daquele menino; indignação por ver que em pleno século XXI um homem adulto e uma menina continuam defendendo conceitos retrógrados, antiquados, antinaturais, em defesa de uma modo machista de ver o mundo e de se viver nele; e pena... muita pena desse menino que, provavelmente, crescerá pensando que não pode chorar, que quando estiver triste, emocionado, sentindo dor (a própria ou a de um semelhante) ou vibrando de alegria, vai pensar que deve ter uma expressão imutável, porque acreditará que homem não chora, que o macho não chora.
Gostaria de um dia poder dizer a esse menino, a meu pequeno vizinho, que nós choramos, com todo o direito e com todo o orgulho de sermos seres humanos, de sermos sensíveis e por termos glândulas lacrimais. Homem chora. Macho chora, sim. E àqueles que ainda não choram, por medo, por vergonha, por preconceito, humildemente recomendo umas lágrimas, elas têm um efeito liberador.
Um abraço,
I.R.