vinte e nove de fevereiro

não existe dia extra
nem vinte e nove de fevereiro,
não existe dezembro
nem dois de janeiro...
vivemos um mundo de convenções,
tentando aprisionar um tempo
que é e que passa...
tudo o que temos é vida,
tudo o que vivemos é experiência,
não existe um dia a mais
nem vida extra,
só temos esta que temos
e que devemos tratar de viver

I.R.

pulsar

sinto o pulso acelerar
no balanço das horas que passam,
impulsos que não controlo,
como o desejo do teu colo
que nem quero controlar
sinto a seiva que corre,
como a razão que escorre...
dizem que viver é difícil,
eu só acho que viver é bom.

I.R.

Soneto do soneto

De toda as prisões que eu conheci,
O soneto, pra mim, foi a melhor.
Eu cercado de versos ao redor,
Rodeado de versos que escrevi.

Pelas grades, o voo de um colibri
traz a musa, num som que eu sei de cor,
E a tristeza afinada em ré menor
Na partitura de onde não parti.

Só que a prisão agora não consola,
Sou pássaro liberto da gaiola,
Seguindo esse caminho só de ida.

Mas na dúvida atroz de todo o incerto,
Às vezes eu me esqueço ser liberto,
E escrevo no prazer da recaída.

I.R.

na pista

Foto: Aguinaldo Paula

em suas marcas...
todos a postos em suas raias
cada um com suas mágoas,
com suas marcas...
quem disse que às vezes
um raio não cai duas vezes
no mesmo lugar?
mas é preciso correr,
perder a linha,
cruzar os limites inventados
nossas declarações impensadas
e as demarcações impostas...
passar para a pista do lado
é mais difícil que chegar ao final.

I.R.

o dedo

Foto: Bel Junqueira

quis escrever um poema mensagem,
um poema lição,
mas não dou dono da verdade,
nem exemplo de virtude.
sou só um ser humano,
que penso, pergunto, tento,
amo, me entrego, sinto...
à flor da pele o sentimento,
solto ao vento, sem lição de moral,
com medo e com coragem...

na gangorra entre erro e acerto
o certo é que sei
não ter o dedo de deus.

I.R.

precisão

Foto: Ricardo Aprígio Fonseca

ser conciso
é tão complexo
como ser extenso
com competência.

I.R.

a arte de dizer

no silêncio também se diz,
nas reticências há discursos encobertos,
textos velados...
na omissão do artista,
a criatividade do espaço vazio...
assim, penso o que penso
e o que repenso,
e sempre digo o que digo...
às vezes de propósito
e outras por querer.

I.R.

gulliver

Foto: Simão Salomão

o tamanho é questão de escala

e mais do que um conceito de escola,

independente da percepção,

ser grande ou pequeno

também é uma questão de espírito.

o minúsculo, o gigantesco

e o invisível a olho nu...

o mistério da existência

é tão sem resposta

quanto o mistério da vida.

sou um cético

maravilhado por coisas que não sei.

I.R.

dia de brisa

Foto: Igor Ravasco

quero nossas mãos unidas,
nossos dedos entrelaçados
sem prazo de validade.
quero aquele abraço longo
depois da saudade,
ser o ombro amigo,
o beijo amante,
ser seu companheiro
de janeiro a janeiro,
ser seu instante.
quero ser seu presente,
quero ser de repente,
e escrever poemas
para a brisa marina sussurrar
no seu ouvido

I.R.

sistema circulatório

Foto: Jose Pedroso

em toda veia
o sangue que corre é vermelho,
em toda artéria,
a certeza de que a matéria
é tão importante quanto o espírito...
não me arremeto, não me arremedo
só me repito
lave seus preconceitos,
enxágue seus pensamentos,
enxugue seus conceitos,
seus sentimentos
e entenda que ninguém
é melhor do que ninguém.

I.R.

arrependimento

não me arrependo do que não fiz,
porque não posso...
pois todo o não feito,
em efeito,
de algum jeito
foi feito por mim,

I.R.

frágil

Foto: Gal Oppido

deitados,

pois estar de pé significa dignidade...

escondidos, velados,

ocultos,

sem ferir a susceptibilidade burguesa

carregada no íntimo

de quem prefere não ver...

a indignidade humana respira

no simulacro de um útero,

a miséria humana abortada

num caixão de papelão

I.R.

carnaval

Foto: Carlos Formiga

o som da bateria,

repique, surdo, tamborim,

cuíca chorando pra mim,

meu coração feliz na folia...

o problema da festa de momo

é que tem muita gente que pensa

que a festa é de baco.

I.R.

meio

Foto: Marcia Barbosa Serra

antes eu começava despretensioso
e ia crescendo, delirando,
até terminar
numa explosão de palavras,
desconstruindo a base
que se torna teto...
mas os anos passam
a força criadora muda
e talvez hoje eu tenha pretensões demais,
com finais que não acompanham
meus inícios promissores
e meus meios carregados de sentido...
explosão de ideias,
revolução de imagens,
o meio... um meio,
sem forma ou formalidade,
minha estrada de pegadas no já pisado
caminho do meio...
escrevendo poemas
que inevitavelmente terão seu fim

I.R.

opiniões

nem velha nem nova opinião...
não é preciso ter
uma opinião formada sobre tudo,
sobretudo quando falamos
do que não conhecemos.
vivemos num mundo de julgamentos,
de um isto ou aquilo maniqueísta...
vemos verdades onde só existem pistas,
mas nossas certezas são achismos
que insistimos em colocar num pedestal.

I.R.