sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

autorretrato

Foto: Sandra Santos

o retrato que faço de mim
também é diferente do que fazem de mim.
e se não sou tão feio como me pintam
nem tão bonito quanto me acho
é porque na soma dos artistas,
pintamos a várias mãos,
fazendo da criação um processo lúdico.

nem tão bonito como me pintam
nem tão feio quanto me acho.
o retrato que faço de mim
também difere do que fazem de mim.
quem os vê não percebe,
e ainda que percebesse
nem assim veríamos quem sou.

I.R.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

soneto do cais

Foto: Igor Ravasco

Abro a boca com fome e mostro o dente,
Preparado pro bote, pra morder,
E saborear a presa com prazer,
Me deixa fascinado e tão contente.

Pouco antes da mordida consistente,
Sentindo a dentadura enrijecer,
Percebo a mordedura por lazer,
Então não abro a boca convincente.

Escondo a barbatana e me transformo,
Mantenho uma aparência que reformo,
Amarro, então, o barco num bom cais.

Deixo quieto, em latência, o tubarão,
Não saio nem pra pesca de arrastão,
E fujo dos arpões artesanais.

I.R.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

em obra

Foto: Antonio Manuel Pinto Silva

uma obra acabada é obra morta.
enquanto vivemos,
escrevemos rascunhos,
fazemos esboços,
apuramos o traço e testamos cores...
apagamos, misturamos,
e crescemos artistas sem obra-prima,
nos fazendo pessoas em construção.

I.R.

sábado, 25 de janeiro de 2014

bússola

Foto: Rudy Boyer

não há caminho que se repita,
nem largo, nem estreito.
cada rota é um direito
de mudar de direção.
asfalto, curvas, talvez um mar,
importa caminhar.
e a bússola que nos oriente,
que nos leve até o nascente,
deve ser a liberdade
de pensar e de se opor.

I.R.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

leite de pedra

o mar que vem
não é o que vai,
e o amar que fica
é como a espuma rica
que prepara o arrastão.

mas não sou o mar,
nem a espuma,
sou amar e suas pedras,
sou só uma onda que quebra
batendo no costão.

I.R.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

abraço e talvez

universos paralelos
habitam em um abraço,
no traço da palavra do artista,
ou no bocal de uma flauta mágica,

nas cordas dedilhadas em clave de dó,
há um leve toque de dor,
há um sabor agridoce
não suprimido,
não sublimado.

pela ausência...

universos paralelos habitam em um abraço,
em um abraço apertado
mais três segundos de talvez.

I.R.

domingo, 19 de janeiro de 2014

encontro

Foto: Iram Rubem Brandão

as formas de leves contornos
se tocam,
e se transformam.
se entregam,
mas não se conformam
em ser uma só.

I.R.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

bolas de bolhas

Foto: Sasha Ivanovic

as balas de bolhas de sabão
não machucam,
não ferem
e não matam.
as balas de bolhas de sabão
arrancam aplausos infantis,
criam universos paralelos,
coloridos...
mundos que devemos estourar
com a ponta dos dedos,
espalhando cores explosivas,
contagiando-nos de sorrisos,
e de aplausos pela paz.

I.R.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

três ponto cinco

depois dos quarenta
vem os quarenta e um,
quarenta e um e um dia,
três ponto cinco,
três anos, cinco meses, um dia,
e a vida que continua,
e o amor que continua a ser amado,
sem importar distâncias,
sem importar alturas, altitudes
ou pressões nos ouvidos.

I.R.

domingo, 12 de janeiro de 2014

na calçada

-para quê?
-por quê?

-de quê?
-em quê?

o quê?!

quem souber a resposta do diálogo,
por favor, não me diga.
descobrirei
quando uma valquíria chegar.

I.R.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

espelhado

Foto: Daniel Antunes

me desdobro
e recobro forças.
me esforço,
e descubro caminhos.
envelheço,
mas se ainda não me conheço,
pelo menos dou um passo a mais.

I.R.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

janelas para o mundo

Foto: Sérgio de Medeiros

as janelas fechadas
são janelas fechadas.
e por mais que o sol entre
por seus vidros,
elas não estão abertas para o mundo.
e se o vento não corre,
e se a poesia não discorre,
talvez seja preciso
arremessar essa pedra.

I.R.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

under

Foto: Nelson Cruz de Oliveira

os ventos rasantes
i
  n
     c
        l
          i
            n
              a
                m
gotas de chuva invisíveis
me escondo atrás do guarda-chuva
ou do guarda-vento
e protejo minha cabeça e meus pés,
esperando que a chuva não venha por trás.

I.R.

sábado, 4 de janeiro de 2014

sinal fechado

Foto: Ricardo Apparicio

um emaranhado de fios
como um carretel embolado
são como ideias truncadas
que não nos deixam avançar.
há sinais vermelhos em todas as direções,
e não se pode seguir,
virar ou retroceder.
talvez seja bom desligar a máquina
caminhar com os próprios pés
e desatar o primeiro nó.

I.R.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

39


não sou hoje
quem fui ontem,
nem serei amanhã
o que estou sendo agora.
os cabelos brancos,
o número de velas,
ter mais, menos,
nada disso importa.
a idade só indica
que nunca somos os mesmos,
assim como nunca é o mesmo
o rio que pensamos ver,
ou as ondas que quebram na beira do mar.

I.R.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

esperança

Foto: Simão Salomão

a esperança não nasce no concreto frio,
e se, às vezes, simula sair das chaminés
é porque temos poucos olhos para ver...
a esperança não é a última que morre,
tudo aquilo que morre
deixa de ser esperança.
a esperança nos sobreviverá,
a esperança em ser o que será,
como um pacto de aliança entre nós.

I.R.