quinta-feira, 30 de maio de 2013

arado

Foto: Valeria Medeiros

entre o mar e a areia,
fujo do canto da sereia.
ele é lindo,
mas sempre sabe enganar.

sem perder nem ganhar,
crio sulcos,
abro gretas,
descubro rugas...

a bicicleta não é minha fuga,
e minha sombra é bem maior do que eu.

areia e mar como um só caminho,
histórias por onde pedalo sozinho,
o sol de reflexos dourados
me acompanha com o vento
e se escutasse o lamento,.
o doce canto da sereia,
eu não sei, de mim, o que seria,
mas minhas rugas no percurso
dariam testemunho de mim.

I.R.

terça-feira, 28 de maio de 2013

pintando o sete

(Até o dia 10/12/2014, aqui havia uma foto ilustrando este poema. Na foto, viam-se um bando de aves, em formação, fazendo um grande 7 no céu. A pedido da fotógrafa, a foto foi retirada. O que não retiro é meu poema, pequena homenagem a seu filho, que já não está neste mundo, e cujo desaparecimento trágico ainda continua mais trágico por não punir os responsáveis por sua ausência.)
Foto: L. da S. G.

a vida não é sonho,
mas um conjunto de realidades
que armamos como um quebra-cabeça
dando sentido e significado para nossa existência.
não ser sonho não significa ser árida,
é caminhar com os pés no chão
voar com asas no céu,

pintando o sete.

pintar o sete na imensidão azul é possível.
impossível é não querer voar.

I.R.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

o poder da palavra

Foto: Simão Salomão

na cidade sou estrela cadente
brilhando em aerossol fluorescente.
de noite, eu imito o neon,
e se for bom, ilumino o dia.

as curvas são perigosas
para quem vai devagar...

por isso vou como cometa,
vejo o mundo ao avesso,
e sou avesso ao comum.
sou palavra escrita no teto,
com a cidade de ponta cabeça,
e as luzes no chão.

e me perco por entre os edifícios,
não é difícil,
pois a cidade só é perigosa
para quem não sabe o poder da palavra dor.

I.R.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Trapézio

Viver na corda bamba, além do risco,
Viver sem rede, assim, sem segurança.
Correr sem direção, voar qual lança,
Soltar as emoções que não confisco

Viver numa fração, enquanto pisco,
Viver agora adulto, e não criança,
A construção do sonho e da esperança,
E ver a minha trave e não seu cisco

E a vida, então, intensa ou excitante
Pode se renovar a cada instante
Tão livre como um verso sem ter métrica

E à medida que os versos desmedidos
Põem em alerta todos meus sentidos
Eu vivo com alegria milimétrica

I.R.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

rupestre

Foto: Vicente Sampaio

na evolução das espécies,
ainda somos crianças,
ainda estamos de pé
na entrada da caverna.

ainda somos rascunhos
de um texto em formação;
e nossa ciência e nossa filosofia
são desenhos numa parede
refletindo nosso inconsciente.

homens e mulheres juntos,
independente de cor da pele,
orientação sexual, religião,
porque o que nos impele é estarmos juntos,
lado a lado...
iluminados pelo mesmo sol
que nasce e que se põe para todos.

I.R.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

inexclusividade

Foto: Akira Cravo

construir pontes é abrir caminhos,
vias de mão dupla.
se você diz amar o próximo,
mas só ama os que são como você,
talvez suas leituras sejam em vão.

deus não é exclusivo,
nem está registrado com um único nome.
ele é plural,
como plural são seus filhos.

não é branco ou negro, não tem cor,
não é masculino nem feminino,
não é católico, evangélico,
do candomblé ou da umbanda
judeu ou muçulmano,
e o ser humano
pode chamá-lo como quiser.

I.R.

domingo, 19 de maio de 2013

enquanto passamos

Foto: Bruno Alves

vamos passando
e enquanto passamos
deixamos marcas na areia.
nosso deserto está marcado
por decisões que tomamos
e por decisões que foram tomadas.

no chão da estrada,
há borracha de pneu das freadas que damos
para ver as marcas vivas feito na aridez.
viver é saber interpretá-las.
e perceber fazê-las.

mas somos também desertos de oásis e miragens.
e mesmo que nossas linhas não estejam todas traçadas
ou nem mesmo sejam reais,
as chuvas jamais apagam
o que todos os dias vamos desenhando.

I.R.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

ferrugem

Foto: Tatiana Fernanda Lopes Mauriz

se eu tivesse feito
e se tivesse dito,
pensado
ou aberto,
se soubesse o certo,
se tivesse visto.
quantos imperfeitos.
e quando souber,
quando tiver,
ganhar ou puder,
quantas condições,
quantos quandos...
passado e futuro como ídolos.
âncora atrás. âncora na frente.
e um agora que se enferruja
lentamente...
óxido de ferro,
sem acerto e sem erro,
vagão abandonado
que não transporta nada.

I.R.

terça-feira, 14 de maio de 2013

o vento sopra onde quer

Foto: Helena Circe Girão

é a vida que rasga o caminho,
por entre montanhas e nuvens.

não vivemos de sonhos,
criamos nossos desvios,
e nossos trilhos não estão todos no lugar.

a vida trilha o caminho
entre nuvens e montanhas,
mas quem somos?
somos só fotógrafos,
somos passageiros?
ou somos maquinistas passageiros,
vivendo intensamente entre estações?

é a vida costurando seu caminho
entre montanhas, nuvens e trilhos.
ao ponto de já não saber se sou maquinista,
ou se sou todo o trem.

I.R.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

diga 33

Foto: Juan Luis Herrera Urdaneta

nem estamos presos
nem nossos nomes estão em um cadeado
como símbolo de amor.

amar liberta,
e não há maior paradoxo
do que grandes grades e cadeados
como símbolo de amor e liberdade

usemos as chaves
ou os alicates,
não deixemos que a posse
se fantasie de felicidade.

não nos enganemos.
o falso amor anda solto por aí,
pronto para nos prender.

I.R.

sábado, 11 de maio de 2013

liberdade

Foto: Shishir Ahmed

um movimento interno
que nos leve a deixar a cerca.
transformar o agora em vida,
de dentro pra fora.

a liberdade requer revolução.

e se o arame farpado arranhar
ou se nos fizer sangrar,
que isso não seja impedimento
para seguir em frente.
sair da cerca sem olhar para trás.

a liberdade requer ação.

I.R.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

pontes

Foto: Andrea Rebello

as letras escondem mistérios
que as palavras podem revelar.
as palavras ocultam segredos
que as entrelinhas podem esconder.
mas o verbo encarnado,
e a palavra descarnada,
exposta,
vermelha carmim,
são construtoras de pontes.
e mesmo sem ter a a doçura de um beijo
ou a força de um abraço,
são nosso pedaço mais cru... (e mais complexo).
viver é criar pontes;
e as pontes não vão ao infinito,
mas terminam no outro,
apalavradas em contratos de amor.

I.R.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

vida em linha reta

Foto: Elza Auer

nossa vida em linha reta
é uma espiral
que pensamos ser um círculo.

mas um rio nunca é o mesmo rio.

e se não rio do palhaço,
e meu circo só tem acrobatas,
é porque meu picadeiro não é circular,
e é preciso equilíbrio
no sobre e desce da espiral.

nossa vida em linha reta
é uma espiral
que não espera ser entendida.

passamos pelos mesmos lugares
em momentos diferentes,
amamos, sofremos,
sorrimos e revemos gente,
sem outro mistério que a própria vida,
sempre seguindo o nosso eixo.

em uma e outra volta,
em meia volta,
na revolta e na luta,
acrobata sem rede de segurança,
artista sem medo de cair.

I.R.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

pés na areia

Foto: Ale Bacellar

não tenho meus pés gravados
no cimento de um boulevard,
enfeitados por uma estrela.
as ondas apagam minhas pisadas,
e meus pés e meu caminho,
são parte de minha memória,
estão gravados em minha história,
são minha estrela.
assim não me esqueço de quem fui,
e sei quem estou sendo,
sem projetar quem quero ser.
meus pés na areia da praia
são tão fugazes como a vida,
essa vida que passa por entre meus dedos,
ganhando pisadas que as ondas vão apagar.

I.R.

domingo, 5 de maio de 2013

relendo

Foto: Heloisa Balmant

acreditamos em mitos e lendas antigas,
porém está na hora de relermos os clássicos,
de percebermos que somos diferentes
e de que nossas velhas crenças
já não nos dão todas as respostas.
chegou a hora de recontextualizar
e de dar um novo significado à fé,
sem perder as origens.
o deus medieval está morto.
e o saci-pererê já não é um menino,
mas um simpático preto velho de olhar maroto.

I.R.

sábado, 4 de maio de 2013

gestos

Foto: Helo Von Gal

no meio de um mundo de pantomima,
escrevo poema sem rima,
escrevo cínico.
não sou poeta,
não tenho meta,
sou sonho mímico.

I.R.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

para meu filho


somos diferentes,
com vontades e sonhos diferentes.
dia a dia aprendemos como e quem somos,
e assim nasce o respeito,
assim cresce o amor.

ainda pequeno filho,
amo você,
e quando você me pergunta porque te amo,
e eu respondo que amo sem ter um porquê,
é porque não há porquês para o amor,
nem um motivo ou uma finalidade
para se amar alguém.

nossos caminhos na vida se cruzam
nossos caminhos se encontram.
amo ser seu pai,
amo que você seja meu filho.

I.R.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

sol negro

Foto: Daniel Souza

um sol negro de sorriso aberto
ilumina o mundo.
só o sorriso transforma o feio em belo,
só a alegria modela a forma dura,
só uma vida pautada na doçura
pode nos servir como modelo.
um sol negro sorri com os olhos
e seus raios vivos mudam o mundo.

I.R.