falsos ventos

Foto: Sandra Santos

tem dias que o sapato dá calo,
ainda mais quando me calo
e os chefes e os colegas,
a pressão e a opressão
do sistema
teimam em pisar em mim.
tem dias que a gravata aperta
e entre tanta vida incerta,
a solução mais lógica,
mais direta,
é deixar que os falsos ventos
me despenteiem,
e com minha melhor cara de louco,
me entregar, nem que seja um pouco,
à nobre arte de nada fazer.

I.R.

atrás da montanha

Foto: Rubens Chaves

o sol se põe atrás da montanha,
e tamanha é minha entrega,
que meus olhos não compõem a cena,
mas a transformam em ceia
para um alpinista faminto.

um alpinista com fome de arte,
um pianista que toca a montanha
com a ponta dos seus dedos,
extraindo sustenidos,
explorando bemóis,
entregue aos segredos de fazer
e desatar os nós...

enquanto o sol se põe atrás da montanha,
montanha esculpida no corpo,
na mente absorta, nos olhos do artista,
na música tocada sem derrapar
em cada curva...

em tarde de sol,
em som e sem dó,
em clave de fá.

I.R.

as coisas como são

Foto: Gustavo Wanderley

um abraço amigo

é sempre bem-vindo,

e um gesto de carinho,

uma demonstração de afeto,

é um afago que vai direto ao coração.

um beijo amigo

é sempre bem-vindo,

e uma demonstração de afeto

ou um gesto de carinho

é o caminho que vence a solidão.

e o sorriso estampado

como prova de amor,

como sinal de amizade,

é prova de que amar não tem idade

e de que juntos

viver tem mais sabor.

I.R.

decolando

Foto: Cris de Almeida

como um ícaro sem asas
abro os braços e preparo o voo,
sem plano nem rota,
sem passaporte.
mas vou com sorte,
não caminho em brasas,
salto bem alto,
e me lanço sem volta,
sem desengano.
e se apenas tenho mar no horizonte,
e somente o oceano é minha terra,
devo confessar, sem glamour,
o que em meu peito se encerra,
que é verdade que a viagem começou,
é sincero e sem erro que o caminho é de ida
mas ser ícaro é poético, pura poesia,
na verdade, eu não passo de um coió.

I.R.

autorretrato

Foto: Paulo Steven Diniz

a tentação de trocar a vida

para ser um quadro inerte

às vezes bate à nossa porta.

é a vontade de ser imortal,

o desejo de não decidir,

e pendurado numa parede

observar... apenas observar.

mas é bom botar a mão na massa,

é necessário sair da moldura,

e fundamental espalhar a nossa tinta,

toda a nossa tinta,

por onde quer que andemos...

compromisso assumido com o pincel,

para não ser apenas pintura, mas pintor,

um quadro-vivo,

obra de arte em constante construção.

I.R.

depois de um carnaval

Foto: Jose Pedroso

um carnaval passou pela minha vida
e me deixou um olhar triste
e um não sorriso.

um carnaval passou
e deixou aquela melancolia
de não ter colocado minha peruca
nem ter saído por aí.

um carnaval passou
veloz como um tornado,
quente como um ciclone tropical,
e deixou apenas a tristeza do não viver

foi um carnaval
que passou pela minha vida
e o meu coração
não se deixou levar.

I.R.

a bom porto

um dia aportei.
passei por portas estreitas,
depois de uma viagem distante
feita em poucas horas.
um dia aportei, ancorei,
e de cor recitei
o único que sabia,
que a alegria de viver
não depende do onde,
ou do quanto,
mas do como
e com quem.

I.R.

dois e meio

no escuro,
assim, quase sem perceber,
chegamos aos trinta,
e digo, sem me estender,
de forma sucinta,
que quantos mais meses passarem,
mais vezes vou te escrever,
assim, mais colorida será a tinta,
e mais saboroso será o prazer.

I.R.

bloco

Foto: Jose Francisco Diorio

não existe um curso normal
e a vida não tem lógica,
muito menos matemática.
problemas, imprevistos,
o que nos excede,
aquilo que não podemos controlar,
são parte do que chamamos vida.
nos cabe pegar as rédeas
para decidirmos como queremos
enfrentar a lama.

I.R.

big bang

Foto: Vicente Baka Prates

dizem que antes de fazer o homem,
deus fez a música...
e foi soprando um instrumento
que colocou vida em nós.

depois criamos ritmos,
inventamos harmonias,
misturamos melodias,
e no pulsar da bateria,
descobrimos
(no fundo do choro da cuíca)
o próprio universo em expansão...

se contraindo
lentamente, no compasso do surdo,
explodindo
intensamente, no rufar dos tamborins.

I.R.

dona maria fazendo arte

Foto: Paulo Mittelman

dona maria faz arte
e espalha alegria.
dona maria pinta o sete,
o oito, o nove,
nota dez,
e esparrama simpatia.

dona maria tem um sorriso tímido,
que não intimida,
mas é um aviso
de que felicidade é coisa séria
e viver é sinônimo de brincar.

I.R.

mural

Foto: Junior Costa

a arte rasga seus muros
ao nosso lado,
enquanto passeamos
e passamos encurvados
rumo à velhice.
a arte, por mais minimalista,
é sempre obesa,
é sempre reta,
por mais que complexa,
a arte,
desconexa,
nos conecta com o que não somos,
com quem não sabemos que somos,
com o cronos e com os cronópios.
arte aberta sem ponto final

I.R.

praia grande

Foto: Igor Ravasco

me criei na praia grande,
onde cheguei preso
na rede de um arrastão.

fui peixe de água fria,
mas se um dia cresci,
peguei minha canoa
e fui para longe,
meu coração de criança
continua pescado nessas malhas.

a água gelada da praia grande,
o arrastão da praia grande,
a areia branca da praia grande,
é grande o que sinto por essa praia...
encantadora como o rabo da sereia,
poderosa como o rabo de uma arraia.

I.R.

lo que traigo

Foto: Gustavo Omar Santos

la mirada enfrentada y el silencio
siempre traen preguntas...
triste o pensativo
amargurado, cansado
o tranquilamente imaginativo
tantas preguntas...
tantos interrogantes...

y lo único seguro,
la única respuesta,
es que somos humanos,
y como humanos que somos
ponemos sazón,
traemos sabor.

I.R.

pulando corda

Foto: Fabio Bueno

não vou perder o frescor da infância,
mas não quero ser peter pan.
rejeito as reclamações ranzinzas,
me recuso a não sonhar,
aceito minha experiência,
assim como o total desconhecimento
que também tenho.
e se a verdadeira agilidade
não está nas pernas,
nenhuma artrose me impedirá
de pular corda,
nenhum capitão gancho
me impedirá de enfrentar
os meus problemas,
com o frescor da infância
e as frescuras de um homem adulto.

I.R.