domingo, 30 de novembro de 2008

Carta para um urubu

Buenos Aires, 30 de novembro de 2008.

Prezado/a Urubu,

Provavelmente você nunca leia esta carta. Talvez seja melhor. Afinal, esta não é uma carta para ser lida por você. Ela existe por causa da minha necessidade de dizer o que penso, de vomitar um pouco a minha impotência diante do seu bater de asas.

Há muito tempo eu soube das suas prioridades, da sua postura de rancor, fel, amargura. Faz tempo eu soube que a sua cara de boa pessoa era apenas uma máscara. No fundo, você sempre foi isso, uma caveira disfarçada de gente.

Não houve piedade nas suas atitudes. E você fugiu quase na calada da noite, cuspindo na mão de quem te deu casa, comida e muitos etcs durante anos. Nessa noite em que você bateu asas, perdi minhas ilusões a seu respeito.

Os anos se passaram, você voou por outras paragens, não nos vimos e não senti nenhuma falta. No fundo eu sabia que você estava só esperando a carne virar carniça para atacar os despojos com furor.

E esse dia chegou, não foi? A carne abatida, cansada, deprimida, fumou o seu último cigarro, dançou o seu último samba... sem percussão, sem arte, sem restaurações. Simplesmente dançou e virou carniça. Imagino que você não tenha chorado. Coerência, não é mesmo? Nada de despedidas.

Chegou a hora de atacar a carniça, de mais uma vez agir em surdina. E a vingança vem na forma de doação, de lixo através do verbo rasgar, na apropriação do pouco que existe, na partilha, sem jogo de dados, dos despojos. Você, urubu, para compensar as suas frustrações não respeita nem respeitou o sofrimento alheio. Mas não importa. Eu já sei quem você é. E sei que posso te afugentar com uma pedrada.

Não desejo mal a você. Na verdade, não desejo nada. Prefiro manter distância. Mas não nego esperar que o tempo enfraqueça as suas asas, que o passar dos anos amoleça o seu bico e desejo viver o suficiente para manter a máxima distância possível de você e do seu (?) ninho.

Sem nenhum abraço e me devolva os que um dia lhe dei,

I.R.