quinta-feira, 21 de novembro de 2024

ciclos

nasceu a cheia de graça,
cheia de graça, engraçada, risonha,
com uma gargalhada cheia de vida.
porém quase não nasceu,
quase nasceu trocada,
mas nasceu, enfim,
a cheia de graça seguidora do cristo,
amiga do cristo em íntimos bate-papos,
que ela nem sabia, quando nasceu,
que seriam tão profundos.
habitou mundos, foi feliz, foi triste,
bebeu, se anulou, foi anulada,
não teve onde morar, morou no violão,
e coube em caixas que não eram suas,
mas destravou pensamentos mudos,
deu voz à sua voz, à sua sombra,
ao seu espírito, ao seu eu,
sorriu, chorou, sorri, chora, se emociona,
vibra com ela e com os outros,
e se hoje se distrai,
sabendo que não é desse mundo,
é porque foi ao fundo do poço,
pra reconhecer a sua própria profundidade

Igor Ravasco 

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

terral

tenho estrelas na pele,
tantas quanto uma galáxia,
trago constelações na minha pele,
mas nenhuma tatuagem
nessa viagem interestelar.
acredito na impermanência
e nenhum desenho ou palavra
é tão permanente
a ponto de eu querer sofrer essa dor,
numa existência onde a dor
é uma experiência inevitável.
então escrevo versos
como quem ri, quem chora,
como quem geme,
quem grita ou quem late.
tatuo o eu das dores que pari
com a cor de flicts,
com dentes de chocolate

Igor Ravasco

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

-tomia

a autotomia é a autonomia
da automutilação.
mutilação espontânea
de partes do corpo
que nem sempre se regeneram,
mas a calda dos calangos sim.
a autotomia é, para o humano, a antimonotonia,
a atomização da palavra,
reduzida a finas partículas
e um caudal de imagens, de símbolos,
címbalos,  que nos lembram
que não somos lagartos,
mas somos poetas, somos gente
que perde, perde caldas, fragmentos,
espontaneamente perde partes,
num instinto de sobrevivência.

Igor Ravasco