quarta-feira, 27 de março de 2024

"animado"

não tenho alma,
tenho consciência.
e não reencarnarei
nem serei salvo,
pois os destinos do além 
se aplicam apenas para quem crê. 
minha sorte será ser adubo,
é mais barato que virar cinza
e ser jogado nas águas do mar.
gosto da vida,
a morte não é um dos meus medos, 
tenho outros, 
que não são segredos,
mas não importam... 
este não é um poema do que temo, 
isto é só um poema de amor.

I. R.

domingo, 24 de março de 2024

soneto do (des)entrosamento

escrevo como forma de expressão
me calo como um jeito de expressar,
que às vezes eu não tenho o que falar,
ou prefiro guardar minha emoção. 

as coisas do querer nem sempre são
iguais àquelas coisas de gostar,
mas gostar e querer, ir ou voltar,
são parte desta roda de ilusão. 

como a engrenagem torta do sistema,
que resolvendo gera outro problema,
causa e efeito no agito da consciência, 

me vejo como peça da engrenagem, 
me rebelo, talvez, como um selvagem, 
assumindo meus níveis de incoerência

I.R.

quinta-feira, 21 de março de 2024

na contramão

o dedo que aponta é rígido,
enquanto a língua que julga é afiada
e avança à jugular,
saindo de uma boca que não ri.
vomitamos verdades, lições de moral,
e impomos certezas sobre o que vemos,
com a beleza de um vazamento de óleo,
de um desastre ambiental,
com o encanto de um lixão a céu aberto
(mas olhos nem sempre são confiáveis)
...
cada um tem suas sombras,
suas sobras de um inteiro imperfeito.
nessa vida, de telhado de vidro,
que vai além de só causa e efeito,
quero aprender a cultivar o silêncio

I.R.

segunda-feira, 18 de março de 2024

vidrado

penso na fragilidade do vidro,
sinto a impermanência do vidro,
e a possibilidade da pedrada na vitrine,
enquanto o sol filtrado no vitral
ilumina imagens coloridas.
penso na delicadeza do vidro,
em sua natureza e vulnerabilidade,
copos, taças, cúpulas, tijolos, telhados,
e a probabilidade ou o medo
da queda, da pedra, do trincado...
frasco, tela, janela, vidraça,
a garrafa de vinho e a de cachaça...
vivo a fraqueza dos meus óculos
e a franqueza com que me olho no espelho

I.R.

quinta-feira, 14 de março de 2024

ponto de vista

o bebê que fui em 75,
o jovem que fui em 92,
o adulto que fui ontem,
ou em 22,
coexistem e coexistirão
com meus futuros eus
num desenho intrincado,
meio ‘os girassóis’, ‘guernica’, ‘mona lisa’,
meio ‘medusa’ ou só um copo trincado
que contém e que vaza...
já não sou tábula rasa
depois de tantos contos,
sou um ‘ligue os pontos’
cuja imagem nem sei qual é
e que não verei (o que os outros verão)
quando eu chegar a meu ponto final

I.R.

sexta-feira, 8 de março de 2024

vibrações

a palavra escrita é um invento sólido,
que como um bólido,
cruza papéis ou telas,
e entra pelos nossos olhos
ou pelos dedos de nossas mãos.
enquanto a palavra falada...
(cantada,
recitada, excitada)
é o elemento gasoso,
um som gozoso
que entra e sai pelos ouvidos
de corpos exauridos,
desde o nascimento da fala
(ou da canção)
antes do surgimento do amor líquido,
antes mesmo da invenção do amor
...
nunca há silêncio quando escrevo,
hoje a chuva refresca a minha manhã.

I.R.

sexta-feira, 1 de março de 2024

açoite

não há sóis,
não há sois,
nem eu nem vós,
ou voz... não há sons,
só o silêncio da guerra
e o passado de quem não tem vez.
há um nós... sós...
e um nó na garganta
em estado de s.o.s.

I.R.