Arraial do
Cabo, 26 de janeiro de 2015.
Querido fotógrafo amador,
Antes de começar
a escrever esta carta para você, queria dizer que há muito tempo não escrevo
uma carta. Peço desculpas se tiver perdido o jeito para os textos sem versos.
Mas vejo uma espécie de nova revolução fotográfica, depois da revolução da
máquina digital, que não poderia deixar de comentar com você, e quem sabe saber
seu ponto de vista.
Tenho visto
na praia, na rua, nas praças, em todo o lugar, aquele bastão que se tornou
conhecido como “pau de selfie”, a evolução da selfie, uma nova experiência de
autofoto, onde as pessoas, sozinhas ou em seus grupos, seus clãs, tiram uma
foto sorrindo ou fazendo poses extravagantes. Parece que selfie de cara
amarrada não vale. Vendemos uma imagem de felicidade eterna, consumimos essa “felicidade”
nas fotos dos nossos amigos ou dos nossos amigos do facebook, mas não é disso
que eu gostaria de falar com você.
Antecipo,
não sou um saudosista, não acredito que o passado era melhor do que o presente,
apesar de também não achar que o presente seja melhor em tudo do que o passado.
Acho que são épocas diferentes, presente e passado, e a gente vai aprendendo a
se locomover nessa estrada que chamamos vida de acordo com o momento em que nos
toca viver.
Mas sinto
que o pau de selfie está nos tornando menos comunitários ou apenas fechados aos
próprios grupos. Antes, quando alguém queria uma foto com um amigo ou amigos,
com a família, se dava ao trabalho de pedir
a alguém que fizesse a gentileza de tirar uma foto. Era alguém de um grupo que
interagia com alguém de outro grupo. Havia uma troca de gentilezas, de
amabilidade, havia o ato de fazer algo para alguém. Hoje, basta esticar o braço
ou o pau de selfie.
Estamos
criando mais barreiras entre nós, mais fronteiras entre as pessoas. O pau de selfie
marca a distância que estabelecemos entre os outros, fazendo com que o contato
entre os grupos se torne uma tarefa quase impossível. Hoje, já quase não
perguntamos se as pessoas querem que nós tiremos uma foto delas. Já
subentendemos que ela esticará o braço ou o pau, vendido por um preço acessível,
com diversos modelos e procedências. No nosso mundo mercantil, aumentamos a “necessidade
urgente” de ter coisas e reduzimos à interação apenas ao momento em que o
atendente do cartão de crédito liga para nos oferecer um, já que depois o
usaremos para comprar online, com o mínimo de contato entre seres humanos.
Não sou um
saudosista, não quero a volta do filme Kodak. Mas reconheço que tenho saudade
de quando era um desconhecido que nos dizia “olha o passarinho”, e corríamos
para ver se ele tinha cortado nossas cabeças ou não.
Abraço,
I.R.