quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

sax

Foto: Jacqueline Hoofendy

o querer e o ser querido,
o ser querido e o ser sentido,
o sentimento que por definição
só pode ser escutado,
não pode ser definido.
spa do corpo e da alma,
notas claras,
melodia para meus ouvidos,
a boca na boquilha,
a vida pendurada na forquilha,
e cecília...
que sempre nos recorda:
ou isto ou aquilo.

I.R.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Carta para um fotógrafo amador

Arraial do Cabo, 26 de janeiro de 2015.

Querido fotógrafo amador,

Antes de começar a escrever esta carta para você, queria dizer que há muito tempo não escrevo uma carta. Peço desculpas se tiver perdido o jeito para os textos sem versos. Mas vejo uma espécie de nova revolução fotográfica, depois da revolução da máquina digital, que não poderia deixar de comentar com você, e quem sabe saber seu ponto de vista.

Tenho visto na praia, na rua, nas praças, em todo o lugar, aquele bastão que se tornou conhecido como “pau de selfie”, a evolução da selfie, uma nova experiência de autofoto, onde as pessoas, sozinhas ou em seus grupos, seus clãs, tiram uma foto sorrindo ou fazendo poses extravagantes. Parece que selfie de cara amarrada não vale. Vendemos uma imagem de felicidade eterna, consumimos essa “felicidade” nas fotos dos nossos amigos ou dos nossos amigos do facebook, mas não é disso que eu gostaria de falar com você.

Antecipo, não sou um saudosista, não acredito que o passado era melhor do que o presente, apesar de também não achar que o presente seja melhor em tudo do que o passado. Acho que são épocas diferentes, presente e passado, e a gente vai aprendendo a se locomover nessa estrada que chamamos vida de acordo com o momento em que nos toca viver.

Mas sinto que o pau de selfie está nos tornando menos comunitários ou apenas fechados aos próprios grupos. Antes, quando alguém queria uma foto com um amigo ou amigos, com a família,  se dava ao trabalho de pedir a alguém que fizesse a gentileza de tirar uma foto. Era alguém de um grupo que interagia com alguém de outro grupo. Havia uma troca de gentilezas, de amabilidade, havia o ato de fazer algo para alguém. Hoje, basta esticar o braço ou o pau de selfie.

Estamos criando mais barreiras entre nós, mais fronteiras entre as pessoas. O pau de selfie marca a distância que estabelecemos entre os outros, fazendo com que o contato entre os grupos se torne uma tarefa quase impossível. Hoje, já quase não perguntamos se as pessoas querem que nós tiremos uma foto delas. Já subentendemos que ela esticará o braço ou o pau, vendido por um preço acessível, com diversos modelos e procedências. No nosso mundo mercantil, aumentamos a “necessidade urgente” de ter coisas e reduzimos à interação apenas ao momento em que o atendente do cartão de crédito liga para nos oferecer um, já que depois o usaremos para comprar online, com o mínimo de contato entre seres humanos.

Não sou um saudosista, não quero a volta do filme Kodak. Mas reconheço que tenho saudade de quando era um desconhecido que nos dizia “olha o passarinho”, e corríamos para ver se ele tinha cortado nossas cabeças ou não.

Abraço,


I.R.

domingo, 25 de janeiro de 2015

eloquente

overdose de informação,
colapso de imagens,
pensamentos como produtos
num armazém de ofertas...
e eu não querendo pensar.
porque sei que o silêncio é loquaz.

I.R.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

frenesi

Foto: Ricardo Biserra

em um mundo hiperconectado,
um mundo
onde um quilômetro vira um segundo,
giramos todos os dias,
sem sair do lugar.
em um mundo acelerado,
ansioso,
calculamos acres e alqueires
provamos sabores e saberes,
fazemos planos
enquanto procuramos os freios
dos cavalos do carrossel.

I.R.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

progressão temporal

Foto: Fernando Dassan

até na hora de parar seguimos,
porque parar é uma forma de seguir.
seguimos no caminho
que só progride,
a favor ou contra a corrente
remando contra a maré.

a cada sinal aberto,
um passo a um rumo incerto,
onde somos quem somos,
sem nunca sermos os mesmos.
em cada passo,
deixamos um traço,
espalhamos um rastro de nós.

I.R.

domingo, 18 de janeiro de 2015

bonecos

Foto: Manuela Cavadas

Faço bonecos de nuvem Tão efêmeros, Tão mortais, Como a duração do vento No meu rosto. Faço bonecos de nuvem Como não resposta A qualquer pergunta, Principalmente as mais difíceis. Faço bonecos de nuvem Porque o sol nasce e morre Todos os dias, E meus bonecos Não conhecem outra realidade Além de meus pensamentos À sombra das palmeiras, Coloridos pelo ocaso, No acaso de uma tarde qualquer.
I.R.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

desmemória

durante a caminhada,
na beira da estrada
coloco um suporte
para minhas lembranças.
mas a esperança de recordá-las,
o desejo de revivê-las
tudo se esvai, escoa,
chega ao seu bom fim.
e apenas ecoam em mim
tantas memórias esquecidas,
a realidade que meus olhos viram,
as vidas que já não sei que vivi.

I.R.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

dizem

Foto: Manuela Cavadas

dizem que pássaro de gaiola
quando vê a porta aberta
voa...
a menos que tenha asas cortadas
ou só conheça o cativeiro.
o pássaro solto,
o pássaro de mar,
voa, mergulha, sobe,
vira exemplo de liberdade
e é livre até para não voar...
dizem que homem de gaiola,
quando vê a porta aberta
voa...
a menos que avoado,
tenha perdido o sentido de ser.
o homem solto,
o homem livre,
enxerga o mundo aberto,
como uma janela aberta,
debruçado em seu parapeito,
sem molduras, sem alizares,
ele sabe que o infinito
não termina no horizonte.

I.R.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

vela e violão

Foto: Jotabe Arantes

dó,
ré,
mar...
mas sem pena nem culpa.
velejar pelo braço,
ancorar nas ponteiras,
erguer uma ponte
lá no horizonte...
o desabraço
é uma horda,
aço da sexta corda,
que se tensiona
sem querer estourar.

I.R.

sábado, 10 de janeiro de 2015

originalidade

Foto: Robson Silva

não há ideia original
nem verso original,
nem mesmo a cerveja original
é original de fato.
interpretamos e reinterpretamos,
vemos por outros ângulos
e fazemos releituras.
processamos, digerimos, transformamos,
estamos sempre com a rebarba,
sempre na carona
ou na genialidade
de algo que nos precede.

I.R.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

correnteza

Foto: Francesca Cesana

presos a preconceitos,
a ideias pré-concebidas,
encadeamos a vida
na primeira ponte
sem ao menos atravessá-la,
presos em castelos de cartas marcadas,
ou em masmorras de areia,
elevando nossos pensamentos
à condição de verdade.
enquanto o rio corre
e enferrujamos sob a intempérie.

I.R.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

tudo jorge

Foto: Jose Pedroso

todo mundo é um pouco jorge,
é um pouco cavaleiro,
um pouco covarde e um tanto guerreiro,
de fé e de lança,
que mata, que fere,
mas só alcança
a eliminar um dragão por dia.
a cada dia um novo dragão,
e todo dia essa sensação
de que é preciso voltar a lutar.

I.R.

domingo, 4 de janeiro de 2015

incalculável

Foto: Daniela Bevervanso

nem à vista
nem à prazo,
com cheque pré,
vale trasporte,
ticket refeição,
a alegria não se compra no cartão
e a felicidade só se compara
a estar deitado na rede
sem se preocupar
com o tal dia de amanhã.

I.R.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

40


paro e penso que não sou,
nem sou o que sou,
muito menos o que fui.
estou em processo,
estou sendo
e vendo e sentindo
que o bom da estrada
não é o final,
mas o caminho, o durante,
o certo, o errado e o errante.
contraditório em minhas contradições,
convicto de que minhas convicções
podem não ser mais
o que eram há anos atrás.
caminho, transpiro e penso...
igor 40 graus.

I.R.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

por trás

Foto: Simão Salomão

por trás das grades,
talvez eu não perceba o degradê,
e meus olhos sorriem tímidos,
sem saber que na porta
não há cadeado.

I.R.