quinta-feira, 28 de novembro de 2013

de cara

Foto: Luis Saraceni

dizem por aí
para a gente meter a cara,
ou encher a cara
e botar a cara no mundo...

é, dizem...
para a gente evitar a cara de enterro,
para dar a outra face,
e, às vezes, ser cara de pau.

falam para a gente
não ficar de cara amarrada,
e às vezes dar as caras,
sem ser duas caras,
e não estar com cara de poucos amigos.

e quando a gente fica com cara de tacho
por ter ido com a cara e a coragem
e ter quebrado a cara
ou ficado com a cara no chão,
sabemos que é hora
de ficarmos cara a cara com a vida.

não está na cara?
talvez.
mas o que fazemos com tudo isso,
quando a cara não está?

I.R.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

ir e vir

Foto: Sandra Santos
ganhar ou perder,
subir ou descer,
isso importa?
ou a relatividade
da vitória e da derrota,
do que é subida, do que é descida,
são mais relevantes do que cada degrau?

escadas são obras de arte
divididas em degraus e patamares
que no sobe e desce dos olhares
são o caminho para algum lugar.

I.R.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

olhares

Foto: Simão Salomão

dizem que os índios dizem
que a foto rouba a alma.
se rouba a alma, não sei,
mas aprendi que a lê.

e o sorriso dos olhos da menina,
ou o olhar de sua boca,
(embalados ao som
de uma trilha sonora desconhecida)
mais o olhar desconfiado do seu amigo
com sua boca de poucos amigos,
apenas me confirmam que a comunicação
não está nas parabólicas,
mas sim nos olhares em sintonia.

I.R.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

entretecer

Foto: Vicente Sampaio

para fabricar o tecido da igualdade,
é preciso reconhecer
que a desigualdade existe.

nas empresas e nas prisões,
na fala e nas televisões,
no congresso e nos tribunais,
ainda há muito por tecer.

urdume, trama, pente,
quadros de liço:
os teares continuam
com o mesmo princípio.
em princípio,
só é preciso boa vontade
para poder tramar.

I.R.

domingo, 17 de novembro de 2013

escape

Foto: Joaquim Gonçalves de Oliveira

compre brinquedos,
compre doces,
compre alegria
e abra felicidade.
desde pequenos
nos bombardeiam
com o verbo comprar.
com dinheiro,
com cartão,
à vista,
na promoção,
a forma não importa,
o meio também não.
comprar é o caminho
e as sacolas, carregadas com carinho,
desfilam como um andor.

escapar é preciso,
ao menos lentamente,
ser consciente de ser.
e fugir como as lesmas
de qualquer punhado de sal.

I.R.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

três e três

Foto: Luiz Alfredo Ardito

somos eu, você e o nós,
cada um de um jeito
cada qual com sua individualidade.
e trabalhamos juntos.
você levanta uma parede
e eu arranco o teto.
eu coloco um tijolo,
você derruba uma viga,
você põe a porta,
eu arranco a janela,
faço o cimento,
e você quebra uma telha.
juntos construímos
aquilo que destruímos juntos,
reconstruindo essa casa entre nós.

I.R.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

paralelamente

Foto: Flavio Lattes

uma imagem circula
sobre outra imagem,
e a paisagem que roda
viagem afora,
se imprime sobre a paisagem natural.
mas...
o que transporta o caminhão?

a beleza nos distrai,
o jogo dos sete erros nos atrai,
mas o que sairá quando a porta se abrir?

eu, que pouco sei de transporte,
não me acho forte o bastante
para algo trasladar.
mas se, talvez,
fosse um caminhão basculante,
colocaria a natureza na caçamba
e em um microinstante
andaria pela estrada
como quem vai na corda bamba,
antes de ver o caminhão,
de portas fechadas,
em meus sonhos descambar.

I.R.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

quixotesco

Foto: Luiz Alfredo Ardito

diante do gigante de ferro
não inclino minha cabeça,
mas avanço contra sua carcaça
pronto para o embate.

sem debate e sem desbaste
piso nos trilhos como se fossem trastes,
dedilho minha marcha sem recuos.

não há um jogo de contrastes,
além do mais fraco contra o mais forte,
mas não dependo da sorte.
luto contra um moinho de vento
em forma de trem.
mas sou em quem vai,
não é ele quem vem.

I.R.

domingo, 10 de novembro de 2013

no túnel

Foto: Esther Toledo

não me interesso pelo fim do túnel,
e do começo me afasto
a cada curva que passa.

o túnel iluminado,
os carros lado a lado,
as luzes frente a frente...

as paralelas só se encontram no infinito
da ilusão de ótica,
e numa leitura semiótica,
o bonito das paralelas
é que elas só são belas
ao nunca se cruzar.

I.R.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

sob os pés

Foto: Edilene Góes

entre caminhos intrincados,
ramificados,
meus pés passeiam
sem rumo fixo.
pois meu destino,
meu ponto de chegada,
é continuar na caminhada,
como se fossem minhas veias.
ando, viajo, circulo,
vou do venoso ao arterial num pulo,
vou, prossigo, continuo,
sem lei, sem multa e sem sinal.

I.R.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

white shadows

Foto: Helo Von Gal

nem sou a sombra do que era,
nem estou à sombra do que fui.
o passado já não é
e o que sobra são colagens
muitas vezes desconexas
em minha memória imperfeita.
não sou sombra,
nem sobra, nem fantasma,
minha bicicleta me leva a um futuro
que, como minha memória,
é inseguro,
é história inventada,
ectoplasma...
e ao pedalar no presente,
abandono o preditivo,
(o negativo e o positivo)
o mundo real.

I.R.

domingo, 3 de novembro de 2013

no meio

Foto: Rê Pinheiro

no meio do caminho tinha uma pedra,
no meio do caminho havia muitas pedras,
muitos dormentes,
e entre trilhos e ciclistas,
meu olhar dormente, sonolento,
acorda num momento...

no meio de tanta pedra há uma flor.

I.R.

sábado, 2 de novembro de 2013

dia chuvoso

Foto: Sasha Ivanovic

a casa que nos abriga
vai se gastando com o tempo;
a casca que nos conforma,
nos configura,
descasca.
independente de alegria ou de amargura,
as paredes perdem o reboco,
as portas e janelas ganham remendos,
e não entendo nenhuma tentativa desesperada
para impedir que se veja
o que todo mundo sabe ou intui.
a chuva molha barracos, casebres e mansões.
o tempo passa.
nossas paredes são feitas de tijolos de barro,
que ao barro um dia hão de voltar.

I.R.